A Galinha

Sabia que?

Sabia que?
SABIA QUE…... a origem das nossas feiras remonta à época medieval?Nessa altura, quando as comunicações rápidas e fáceis eram reduzidas, as feiras eram acontecimentos que permitiam às pessoas encontrarem-se para vender e comprar produtos, tratar de negócios, trocar notícias e conviver.A maior parte das feiras nasceu ligada a festas do calendário religioso e durante a sua realização as pessoas gozavam de especial proteção: eram proibidas as disputas e as vinganças e severamente punidos os que não respeitassem a «paz de feira».Na atualidade, apesar da força com que as grandes superfícies se impõem enquanto centros de comércio e lazer, as feiras permanecem como um importante fenómeno económico e social. A própria União Europeia reconhece o facto e tem promovido a divulgação desta forma de comércio que continua a dar colorido à vida de muitas terras, sobretudo nas zonas rurais.Para conhecer as feiras medievais portuguesas.

Quem escreveu

Quem escreveu
VERGÍLIO FERREIRA Nasceu em 1916, em Melo, Serra da Estrela. Aí passou a infância, ao cuidado das tias maternas desde que os seus pais emigraram para os EUA. Aos dez anos, entrou no Seminário do Fundão, onde permaneceu seis anos, experiência dolorosa revivida no romance Manhã Submersa (1954). Frequentou depois o liceu da Guarda e, posteriormente, a Faculdade de Letras de Coimbra, onde se formou em Filologia Clássica.Durante anos exerceu a profissão de professor, ensinando nos liceus de Faro, Bragança e Évora até ingressar, em 1959, no liceu Camões de Lisboa.Influenciado inicialmente pelo neorrealismo, dele se separou, atraído por temáticas de cariz existencialista, questionando os grandes problemas da condição humana: o sentido da vida, a morte, os valores e o encontro com o eu.Autor de uma obra imensa, Vergílio Ferreira cultivou a ficção (romance e conto), o ensaio e o diário. Entre outras distinções, recebeu o Prémio Camões em 1992.Vergílio Ferreira faleceu em 1996. Alguns destaques na obra do autor:Romance:O caminho Fica Longe (1943)Aparição (1959)Para sempre (1987)Até ao Fim (1987)Em Nome da Terra (1990)Na Tua Face (1993)Cartas a Sandra (1996)Conto:A Face Sangrenta (1953)Apenas Homens (1972)Contos (1976) Ensaio:Do Mundo Original (1957)Carta ao Futuro (1958)Espaço do Invisível (1965-1987)Invocação ao meu Corpo (1969)Pensar (1992) Diário:Conta-Corrente I (1980)Conta-Corrente V (1987)Conta–Corrente IV – Nova Série (1994) Vergílio Ferreira na Literatura Portuguesa.«Da minha língua vê-se o mar» – Vergílio Ferreira. [Criar Links para as Bases de Dados]

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A GALINHA (excerto)Minha mãe e minha tia foram à feira. Minha mãe com o meu pai e minha tia com o meu tio. Mas todos juntos. Na camioneta da carreira. Na feira compraram muitas coisas e a certa altura minha mãe viu uma galinha e disse:- Olha que galinha engraçada.E comprou-a também. Estava agachada como se a pôr ovos ou a chocá-los. Era castanha nas asas, menos castanha para o pescoço, e a crista e o bico tinham a cor de um bico e de uma crista. Nas costas levara um corte a toda a volta para se formar uma tampa e meterem coisas dentro, porque era uma galinha de barro. Minha tia, que se tinha afastado, veio ver, estava a minha mãe a pagar depois de discutir. E perguntou quanto custava. A mulher disse que vinte mil réis, minha tia começou aos berros, que aquilo só se o fosse roubar, e a mulher vendeu-lhe uma outra igual por sete mil e quinhentos. Minha mãe aí não se conformou, porque tinha regateado mas só conseguira baixar para doze e duzentos. A mulher disse:- Foi por ser a última, minha senhora.Minha tia confrontou as duas galinhas, que eram iguais, achando que a de minha mãe era diferente.- Só se foi por ser mais cara - disse minha mãe com a ironia que pôde.Minha tia aqui voltou a erguer a voz. Não se via que era diferente? Não se via que tinha o bico mais perfeito? E o rabo?- Isto é lá rabo que se compare?E tais coisas disse e tantas, com gente já a chegar-se, que minha mãe pôs fim ao sermão, por não gostar de trovoadas :- Mas se gostas mais desta, leva-a, mulher.Foi o que ela quis ouvir. Trocou logo as galinhas, mas ainda disse:- Mas sempre te digo que a minha é de mais dura, basta bater-lhe assim (bateu) para se ver que é mais forte.- Então fica com ela outra vez - disse minha mãe. - Não, não. Trafulhices, não. Está trocada, está trocada.Meu tio estava a assistir mas não dizia nada, porque minha tia dizia tudo por ele e, se dissesse alguma coisa de sua invenção, minha tia engolia-o. Meu pai também estava a assistir, mas também não dizia nada, por entender que aquilo era assunto de mulheres. Acabadas as compras, minha mãe voltou logo com o meu pai na carroça do António Capador que tinha ido vender um porco. Mas a minha tia ficava ainda com o meu tio, porque precisavam de ir visitar a D. Aurélia, que era uma pessoa importante e merecia por isso uma visita para se ser também um pouco importante. E como ficavam e só voltavam na camioneta da carreira, a minha tia pediu a minha mãe que lhe trouxesse a galinha, para não andar com ela o dia inteiro num braçado, que até se podia partir. De modo que disse:- Tu podias levar-me a galinha, para não andar com ela o dia inteiro num braçado, que até se pode partir.Minha mãe trouxe, pois, as duas galinhas na carroça do António Capador, e a minha tia ficou. E quando à tarde ela voltou da feira, foi logo buscar a sua. Minha mãe já a tinha ali, embrulhada e tudo como minha tia a deixara, e deu-lha. Mas minha tia olhou a galinha de minha mãe, que já estava exposta no aparador, e, ao dar meia volta, quando se ia embora, não resistiu:- Tu trocaste mas foi as galinhas.Disse isto de costas, mas com firmeza, como quem se atira de cabeça. E minha mãe pasmou, de mãos erguidas ao céu:- Louvado e adorado seja o Santíssimo Nome de Jesus! Então eu toquei lá na galinha! Então a galinha não está ainda conforme tu ma entregaste! Então tu não vês ainda o papel dobrado? Então não estarás a ver o nó do fio?Estavam só as duas e puderam desabafar.- Trocaste, trocaste. Mas fica lá com a galinha, que não fico mais pobre por isso.Minha mãe, cheia de compreensão cristã e de horror às trovoadas, ainda pensou em destrocar tudo outra vez. Mas aquilo já ia tão para além do que Cristo previra, que bateu o pé:- Pois fico com ela, não a quisesses trocar. Só tens gosto naquilo que é dos outros.E daqui para a frente, disseram tudo. Minha tia saiu num vendaval, desceu as escadas ainda aos berros, de modo que minha mãe teve ainda de vir à janela dizer mais coisas. Minha tia foi indo pela rua adiante, sempre aos gritos, e de vez em quando parava, voltando-se para trás para dizer uma ou outra coisa em especial a minha mãe, que estava à janela e lhe ia também respondendo como podia. Até que a rua acabou e minha mãe fechou a janela. E aí começou o meu pai, quando lá longe minha tia lhe passou ao pé e meu pai lhe perguntou o que havia e ela lhe disse o que havia, chamando mentirosa a minha mãe. Meu pai então disse:- Mentirosa é você.E começou a apresentar-lhe os factos comprovativos do que afirmara e que já tinha decerto enaipados de outras ocasiões, porque não se engasgava:- Mentirosa é você e sempre o foi. Já quando você contou a história do Corneta, andou a dizer que- Mentiroso é você, como sua mulher. Uma vez na padaria a sua mulher disse queE daí foram recuando no tempo à procura das mentiras um do outro. Estavam já chegando à infância, quando apareceu o meu tio. Minha tia passou-lhe a palavra e começou ele. Mas como a coisa agora era entre homens, meu tio cerrou os punhos e disse:- Eu mato-o, eu mato-o.Meu pai, que já devia estar cansado, ficou quieto, à espera que ele o matasse, e como ficou quieto, meu tio recuou uns passos, tapou os olhos com um braço e disse outra vez:- Foge da minha vista que eu mato-te.Entretanto olhou em volta à espera que o segurassem. E quando calculou que tudo estava a postos para o segurarem, ergueu outra vez os punhos e avançou para o meu pai. Finalmente seguraram-no, e meu tio estrebuchou a querer libertar-se para matar o meu pai. Mas lá o foram arrastando, enquanto o meu tio se voltava ainda para trás, escabujando de raiva e de ameaça. Vergílio Ferreira, Contos, Venda Nova, Bertrand, 1979 (2ª ed.)