titletitleAprender a brincar <subtitle type="text"></subtitle> <link rel="alternate" type="text/html" href="http://cvc.instituto-camoes.pt"/> <id>http://cvc.instituto-camoes.pt/</id> <updated>2025-09-28T06:09:46+00:00</updated> <author> <name>Centro Virtual Camões</name> <email>naoresponder.plataforma.cvc@fbapps.pt</email> </author> <generator uri="http://joomla.org" version="1.6">Joomla! - Open Source Content Management</generator> <link rel="self" type="application/atom+xml" href="http://cvc.instituto-camoes.pt/a-galinha-dp6.html?format=feed&type=atom"/> <entry> <title>Sabia que? <link rel="alternate" type="text/html" href="http://cvc.instituto-camoes.pt/a-galinha/sabia-que-88056-dp4.html"/> <published>2011-03-31T12:34:16+00:00</published> <updated>2011-03-31T12:34:16+00:00</updated> <id>http://cvc.instituto-camoes.pt/a-galinha/sabia-que-88056-dp4.html</id> <author> <name>Luís Morgado</name> <email>luis.morgado@instituto-camoes.pt</email> </author> <summary type="html"><span style="font-family: arial; font-size: x-small;">SABIA QUE…<br /><br />... a origem das nossas feiras remonta à época medieval?<br /><br />Nessa altura, quando as comunicações rápidas e fáceis eram reduzidas, as feiras eram acontecimentos que permitiam às pessoas encontrarem-se para vender e comprar produtos, tratar de negócios, trocar notícias e conviver.<br /><br />A maior parte das feiras nasceu ligada a festas do calendário religioso e durante a sua realização as pessoas gozavam de especial proteção: eram proibidas as disputas e as vinganças e severamente punidos os que não respeitassem a «paz de feira».<br /><br />Na atualidade, apesar da força com que as grandes superfícies se impõem enquanto centros de comércio e lazer, as feiras permanecem como um importante fenómeno económico e social. A própria União Europeia reconhece o facto e tem promovido a divulgação desta forma de comércio que continua a dar colorido à vida de muitas terras, sobretudo nas zonas rurais.<br /><br />Para conhecer as <a href="http://www.feiras-medievais.com/calendario.htm">feiras medievais portuguesas</a>.</span></summary> <content type="html"><span style="font-family: arial; font-size: x-small;">SABIA QUE…<br /><br />... a origem das nossas feiras remonta à época medieval?<br /><br />Nessa altura, quando as comunicações rápidas e fáceis eram reduzidas, as feiras eram acontecimentos que permitiam às pessoas encontrarem-se para vender e comprar produtos, tratar de negócios, trocar notícias e conviver.<br /><br />A maior parte das feiras nasceu ligada a festas do calendário religioso e durante a sua realização as pessoas gozavam de especial proteção: eram proibidas as disputas e as vinganças e severamente punidos os que não respeitassem a «paz de feira».<br /><br />Na atualidade, apesar da força com que as grandes superfícies se impõem enquanto centros de comércio e lazer, as feiras permanecem como um importante fenómeno económico e social. A própria União Europeia reconhece o facto e tem promovido a divulgação desta forma de comércio que continua a dar colorido à vida de muitas terras, sobretudo nas zonas rurais.<br /><br />Para conhecer as <a href="http://www.feiras-medievais.com/calendario.htm">feiras medievais portuguesas</a>.</span></content> <category term="A Galinha" /> </entry> <entry> <title>Quem escreveu 2011-03-31T12:28:08+00:00 2011-03-31T12:28:08+00:00 http://cvc.instituto-camoes.pt/a-galinha/quem-escreveu-23555-dp9.html Luís Morgado luis.morgado@instituto-camoes.pt <p>VERGÍLIO FERREIRA</p> <p>Nasceu em 1916, em Melo, Serra da Estrela. Aí passou a infância, ao cuidado das tias maternas desde que os seus pais emigraram para os EUA. Aos dez anos, entrou no Seminário do Fundão, onde permaneceu seis anos, experiência dolorosa revivida no romance <em>Manhã Submersa</em> (1954). Frequentou depois o liceu da Guarda e, posteriormente, a Faculdade de Letras de Coimbra, onde se formou em Filologia Clássica.<br /><br />Durante anos exerceu a profissão de professor, ensinando nos liceus de Faro, Bragança e Évora até ingressar, em 1959, no liceu Camões de Lisboa.<br /><br />Influenciado inicialmente pelo neorrealismo, dele se separou, atraído por temáticas de cariz existencialista, questionando os grandes problemas da condição humana: o sentido da vida, a morte, os valores e o encontro com o eu.<br />Autor de uma obra imensa, Vergílio Ferreira cultivou a ficção (romance e conto), o ensaio e o diário. Entre outras distinções, recebeu o Prémio Camões em 1992.<br /><br />Vergílio Ferreira faleceu em 1996.</p> <p><br />Alguns destaques na obra do autor:<br /><br /><span style="text-decoration: underline;">Romance:<br /><br /></span><em>O caminho Fica Longe </em>(1943)<br /><br /><em>Aparição </em>(1959)<br /><br /><em>Para sempre </em>(1987)<br /><br /><em>Até ao Fim </em>(1987)<br /><br /><em>Em Nome da Terra </em>(1990)<br /><br /><em>Na Tua Face </em>(1993)<br /><br /><em>Cartas a Sandra </em>(1996)<br /><br /><br /><span style="text-decoration: underline;">Conto:<br /><br /></span><em>A Face Sangrenta </em>(1953)<br /><br /><em>Apenas Homens </em>(1972)<br /><br /><em>Contos </em>(1976)<br /> <br /><br /><span style="text-decoration: underline;">Ensaio:<br /><br /></span><em>Do Mundo Original </em>(1957)<br /><br /><em>Carta ao Futuro </em>(1958)<br /><br /><em>Espaço do Invisível </em>(1965-1987)<br /><br /><em>Invocação ao meu Corpo </em>(1969)<br /><br /><em>Pensar</em> (1992)<br /><br /> <br /><br /><span style="text-decoration: underline;">Diário:<br /><br /></span><em>Conta-Corrente I </em>(1980)<br /><br /><em>Conta-Corrente V</em> (1987)<br /><br /><em>Conta–Corrente IV – Nova Série</em> (1994)<br /><br /> <br /><br />Vergílio Ferreira na Literatura Portuguesa.<br /><br /><a href="oceanoculturas/22.html">«Da minha língua vê-se o mar»</a> – Vergílio Ferreira.</p> <p>[Criar Links para as Bases de Dados]</p> <p>VERGÍLIO FERREIRA</p> <p>Nasceu em 1916, em Melo, Serra da Estrela. Aí passou a infância, ao cuidado das tias maternas desde que os seus pais emigraram para os EUA. Aos dez anos, entrou no Seminário do Fundão, onde permaneceu seis anos, experiência dolorosa revivida no romance <em>Manhã Submersa</em> (1954). Frequentou depois o liceu da Guarda e, posteriormente, a Faculdade de Letras de Coimbra, onde se formou em Filologia Clássica.<br /><br />Durante anos exerceu a profissão de professor, ensinando nos liceus de Faro, Bragança e Évora até ingressar, em 1959, no liceu Camões de Lisboa.<br /><br />Influenciado inicialmente pelo neorrealismo, dele se separou, atraído por temáticas de cariz existencialista, questionando os grandes problemas da condição humana: o sentido da vida, a morte, os valores e o encontro com o eu.<br />Autor de uma obra imensa, Vergílio Ferreira cultivou a ficção (romance e conto), o ensaio e o diário. Entre outras distinções, recebeu o Prémio Camões em 1992.<br /><br />Vergílio Ferreira faleceu em 1996.</p> <p><br />Alguns destaques na obra do autor:<br /><br /><span style="text-decoration: underline;">Romance:<br /><br /></span><em>O caminho Fica Longe </em>(1943)<br /><br /><em>Aparição </em>(1959)<br /><br /><em>Para sempre </em>(1987)<br /><br /><em>Até ao Fim </em>(1987)<br /><br /><em>Em Nome da Terra </em>(1990)<br /><br /><em>Na Tua Face </em>(1993)<br /><br /><em>Cartas a Sandra </em>(1996)<br /><br /><br /><span style="text-decoration: underline;">Conto:<br /><br /></span><em>A Face Sangrenta </em>(1953)<br /><br /><em>Apenas Homens </em>(1972)<br /><br /><em>Contos </em>(1976)<br /> <br /><br /><span style="text-decoration: underline;">Ensaio:<br /><br /></span><em>Do Mundo Original </em>(1957)<br /><br /><em>Carta ao Futuro </em>(1958)<br /><br /><em>Espaço do Invisível </em>(1965-1987)<br /><br /><em>Invocação ao meu Corpo </em>(1969)<br /><br /><em>Pensar</em> (1992)<br /><br /> <br /><br /><span style="text-decoration: underline;">Diário:<br /><br /></span><em>Conta-Corrente I </em>(1980)<br /><br /><em>Conta-Corrente V</em> (1987)<br /><br /><em>Conta–Corrente IV – Nova Série</em> (1994)<br /><br /> <br /><br />Vergílio Ferreira na Literatura Portuguesa.<br /><br /><a href="oceanoculturas/22.html">«Da minha língua vê-se o mar»</a> – Vergílio Ferreira.</p> <p>[Criar Links para as Bases de Dados]</p> Ler o texto 2011-03-31T12:26:35+00:00 2011-03-31T12:26:35+00:00 http://cvc.instituto-camoes.pt/a-galinha/ler-o-texto-46115-dp14.html Luís Morgado luis.morgado@instituto-camoes.pt <span style="font-family: arial; font-size: x-small;">A GALINHA (excerto)<br /><br />Minha mãe e minha tia foram à feira. Minha mãe com o meu pai e minha tia com o meu tio. Mas todos juntos. Na camioneta da carreira. Na feira compraram muitas coisas e a certa altura minha mãe viu uma galinha e disse:<br />- Olha que galinha engraçada.<br />E comprou-a também. Estava agachada como se a pôr ovos ou a chocá-los. Era castanha nas asas, menos castanha para o pescoço, e a crista e o bico tinham a cor de um bico e de uma crista. Nas costas levara um corte a toda a volta para se formar uma tampa e meterem coisas dentro, porque era uma galinha de barro. Minha tia, que se tinha afastado, veio ver, estava a minha mãe a pagar depois de discutir. E perguntou quanto custava. A mulher disse que vinte mil réis, minha tia começou aos berros, que aquilo só se o fosse roubar, e a mulher vendeu-lhe uma outra igual por sete mil e quinhentos. Minha mãe aí não se conformou, porque tinha regateado mas só conseguira baixar para doze e duzentos. A mulher disse:<br />- Foi por ser a última, minha senhora.<br />Minha tia confrontou as duas galinhas, que eram iguais, achando que a de minha mãe era diferente.<br />- Só se foi por ser mais cara - disse minha mãe com a ironia que pôde.<br />Minha tia aqui voltou a erguer a voz. Não se via que era diferente? Não se via que tinha o bico mais perfeito? E o rabo?<br />- Isto é lá rabo que se compare?<br />E tais coisas disse e tantas, com gente já a chegar-se, que minha mãe pôs fim ao sermão, por não gostar de trovoadas :<br />- Mas se gostas mais desta, leva-a, mulher.<br />Foi o que ela quis ouvir. Trocou logo as galinhas, mas ainda disse:<br />- Mas sempre te digo que a minha é de mais dura, basta bater-lhe assim (bateu) para se ver que é mais forte.<br />- Então fica com ela outra vez - disse minha mãe. <br />- Não, não. Trafulhices, não. Está trocada, está trocada.<br />Meu tio estava a assistir mas não dizia nada, porque minha tia dizia tudo por ele e, se dissesse alguma coisa de sua invenção, minha tia engolia-o. Meu pai também estava a assistir, mas também não dizia nada, por entender que aquilo era assunto de mulheres. Acabadas as compras, minha mãe voltou logo com o meu pai na carroça do António Capador que tinha ido vender um porco. Mas a minha tia ficava ainda com o meu tio, porque precisavam de ir visitar a D. Aurélia, que era uma pessoa importante e merecia por isso uma visita para se ser também um pouco importante. E como ficavam e só voltavam na camioneta da carreira, a minha tia pediu a minha mãe que lhe trouxesse a galinha, para não andar com ela o dia inteiro num braçado, que até se podia partir. De modo que disse:<br />- Tu podias levar-me a galinha, para não andar com ela o dia inteiro num braçado, que até se pode partir.<br />Minha mãe trouxe, pois, as duas galinhas na carroça do António Capador, e a minha tia ficou. E quando à tarde ela voltou da feira, foi logo buscar a sua. Minha mãe já a tinha ali, embrulhada e tudo como minha tia a deixara, e deu-lha. Mas minha tia olhou a galinha de minha mãe, que já estava exposta no aparador, e, ao dar meia volta, quando se ia embora, não resistiu:<br />- Tu trocaste mas foi as galinhas.<br />Disse isto de costas, mas com firmeza, como quem se atira de cabeça. E minha mãe pasmou, de mãos erguidas ao céu:<br />- Louvado e adorado seja o Santíssimo Nome de Jesus! Então eu toquei lá na galinha! Então a galinha não está ainda conforme tu ma entregaste! Então tu não vês ainda o papel dobrado? Então não estarás a ver o nó do fio?<br />Estavam só as duas e puderam desabafar.<br />- Trocaste, trocaste. Mas fica lá com a galinha, que não fico mais pobre por isso.<br />Minha mãe, cheia de compreensão cristã e de horror às trovoadas, ainda pensou em destrocar tudo outra vez. Mas aquilo já ia tão para além do que Cristo previra, que bateu o pé:<br />- Pois fico com ela, não a quisesses trocar. Só tens gosto naquilo que é dos outros.<br />E daqui para a frente, disseram tudo. Minha tia saiu num vendaval, desceu as escadas ainda aos berros, de modo que minha mãe teve ainda de vir à janela dizer mais coisas. Minha tia foi indo pela rua adiante, sempre aos gritos, e de vez em quando parava, voltando-se para trás para dizer uma ou outra coisa em especial a minha mãe, que estava à janela e lhe ia também respondendo como podia. Até que a rua acabou e minha mãe fechou a janela. E aí começou o meu pai, quando lá longe minha tia lhe passou ao pé e meu pai lhe perguntou o que havia e ela lhe disse o que havia, chamando mentirosa a minha mãe. Meu pai então disse:<br />- Mentirosa é você.<br />E começou a apresentar-lhe os factos comprovativos do que afirmara e que já tinha decerto enaipados de outras ocasiões, porque não se engasgava:<br />- Mentirosa é você e sempre o foi. Já quando você contou a história do Corneta, andou a dizer que<br />- Mentiroso é você, como sua mulher. Uma vez na padaria a sua mulher disse que<br />E daí foram recuando no tempo à procura das mentiras um do outro. Estavam já chegando à infância, quando apareceu o meu tio. Minha tia passou-lhe a palavra e começou ele. Mas como a coisa agora era entre homens, meu tio cerrou os punhos e disse:<br />- Eu mato-o, eu mato-o.<br />Meu pai, que já devia estar cansado, ficou quieto, à espera que ele o matasse, e como ficou quieto, meu tio recuou uns passos, tapou os olhos com um braço e disse outra vez:<br />- Foge da minha vista que eu mato-te.<br />Entretanto olhou em volta à espera que o segurassem. E quando calculou que tudo estava a postos para o segurarem, ergueu outra vez os punhos e avançou para o meu pai. Finalmente seguraram-no, e meu tio estrebuchou a querer libertar-se para matar o meu pai. Mas lá o foram arrastando, enquanto o meu tio se voltava ainda para trás, escabujando de raiva e de ameaça.<br /><br /></span> <div style="text-align: right;"><span style="font-family: arial; font-size: x-small;">Vergílio Ferreira, <em>Contos</em>, </span><br /><span style="font-family: arial; font-size: x-small;">Venda Nova, Bertrand, 1979 (2ª ed.) </span></div> <span style="font-family: arial; font-size: x-small;">A GALINHA (excerto)<br /><br />Minha mãe e minha tia foram à feira. Minha mãe com o meu pai e minha tia com o meu tio. Mas todos juntos. Na camioneta da carreira. Na feira compraram muitas coisas e a certa altura minha mãe viu uma galinha e disse:<br />- Olha que galinha engraçada.<br />E comprou-a também. Estava agachada como se a pôr ovos ou a chocá-los. Era castanha nas asas, menos castanha para o pescoço, e a crista e o bico tinham a cor de um bico e de uma crista. Nas costas levara um corte a toda a volta para se formar uma tampa e meterem coisas dentro, porque era uma galinha de barro. Minha tia, que se tinha afastado, veio ver, estava a minha mãe a pagar depois de discutir. E perguntou quanto custava. A mulher disse que vinte mil réis, minha tia começou aos berros, que aquilo só se o fosse roubar, e a mulher vendeu-lhe uma outra igual por sete mil e quinhentos. Minha mãe aí não se conformou, porque tinha regateado mas só conseguira baixar para doze e duzentos. A mulher disse:<br />- Foi por ser a última, minha senhora.<br />Minha tia confrontou as duas galinhas, que eram iguais, achando que a de minha mãe era diferente.<br />- Só se foi por ser mais cara - disse minha mãe com a ironia que pôde.<br />Minha tia aqui voltou a erguer a voz. Não se via que era diferente? Não se via que tinha o bico mais perfeito? E o rabo?<br />- Isto é lá rabo que se compare?<br />E tais coisas disse e tantas, com gente já a chegar-se, que minha mãe pôs fim ao sermão, por não gostar de trovoadas :<br />- Mas se gostas mais desta, leva-a, mulher.<br />Foi o que ela quis ouvir. Trocou logo as galinhas, mas ainda disse:<br />- Mas sempre te digo que a minha é de mais dura, basta bater-lhe assim (bateu) para se ver que é mais forte.<br />- Então fica com ela outra vez - disse minha mãe. <br />- Não, não. Trafulhices, não. Está trocada, está trocada.<br />Meu tio estava a assistir mas não dizia nada, porque minha tia dizia tudo por ele e, se dissesse alguma coisa de sua invenção, minha tia engolia-o. Meu pai também estava a assistir, mas também não dizia nada, por entender que aquilo era assunto de mulheres. Acabadas as compras, minha mãe voltou logo com o meu pai na carroça do António Capador que tinha ido vender um porco. Mas a minha tia ficava ainda com o meu tio, porque precisavam de ir visitar a D. Aurélia, que era uma pessoa importante e merecia por isso uma visita para se ser também um pouco importante. E como ficavam e só voltavam na camioneta da carreira, a minha tia pediu a minha mãe que lhe trouxesse a galinha, para não andar com ela o dia inteiro num braçado, que até se podia partir. De modo que disse:<br />- Tu podias levar-me a galinha, para não andar com ela o dia inteiro num braçado, que até se pode partir.<br />Minha mãe trouxe, pois, as duas galinhas na carroça do António Capador, e a minha tia ficou. E quando à tarde ela voltou da feira, foi logo buscar a sua. Minha mãe já a tinha ali, embrulhada e tudo como minha tia a deixara, e deu-lha. Mas minha tia olhou a galinha de minha mãe, que já estava exposta no aparador, e, ao dar meia volta, quando se ia embora, não resistiu:<br />- Tu trocaste mas foi as galinhas.<br />Disse isto de costas, mas com firmeza, como quem se atira de cabeça. E minha mãe pasmou, de mãos erguidas ao céu:<br />- Louvado e adorado seja o Santíssimo Nome de Jesus! Então eu toquei lá na galinha! Então a galinha não está ainda conforme tu ma entregaste! Então tu não vês ainda o papel dobrado? Então não estarás a ver o nó do fio?<br />Estavam só as duas e puderam desabafar.<br />- Trocaste, trocaste. Mas fica lá com a galinha, que não fico mais pobre por isso.<br />Minha mãe, cheia de compreensão cristã e de horror às trovoadas, ainda pensou em destrocar tudo outra vez. Mas aquilo já ia tão para além do que Cristo previra, que bateu o pé:<br />- Pois fico com ela, não a quisesses trocar. Só tens gosto naquilo que é dos outros.<br />E daqui para a frente, disseram tudo. Minha tia saiu num vendaval, desceu as escadas ainda aos berros, de modo que minha mãe teve ainda de vir à janela dizer mais coisas. Minha tia foi indo pela rua adiante, sempre aos gritos, e de vez em quando parava, voltando-se para trás para dizer uma ou outra coisa em especial a minha mãe, que estava à janela e lhe ia também respondendo como podia. Até que a rua acabou e minha mãe fechou a janela. E aí começou o meu pai, quando lá longe minha tia lhe passou ao pé e meu pai lhe perguntou o que havia e ela lhe disse o que havia, chamando mentirosa a minha mãe. Meu pai então disse:<br />- Mentirosa é você.<br />E começou a apresentar-lhe os factos comprovativos do que afirmara e que já tinha decerto enaipados de outras ocasiões, porque não se engasgava:<br />- Mentirosa é você e sempre o foi. Já quando você contou a história do Corneta, andou a dizer que<br />- Mentiroso é você, como sua mulher. Uma vez na padaria a sua mulher disse que<br />E daí foram recuando no tempo à procura das mentiras um do outro. Estavam já chegando à infância, quando apareceu o meu tio. Minha tia passou-lhe a palavra e começou ele. Mas como a coisa agora era entre homens, meu tio cerrou os punhos e disse:<br />- Eu mato-o, eu mato-o.<br />Meu pai, que já devia estar cansado, ficou quieto, à espera que ele o matasse, e como ficou quieto, meu tio recuou uns passos, tapou os olhos com um braço e disse outra vez:<br />- Foge da minha vista que eu mato-te.<br />Entretanto olhou em volta à espera que o segurassem. E quando calculou que tudo estava a postos para o segurarem, ergueu outra vez os punhos e avançou para o meu pai. Finalmente seguraram-no, e meu tio estrebuchou a querer libertar-se para matar o meu pai. Mas lá o foram arrastando, enquanto o meu tio se voltava ainda para trás, escabujando de raiva e de ameaça.<br /><br /></span> <div style="text-align: right;"><span style="font-family: arial; font-size: x-small;">Vergílio Ferreira, <em>Contos</em>, </span><br /><span style="font-family: arial; font-size: x-small;">Venda Nova, Bertrand, 1979 (2ª ed.) </span></div>