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E o sonho com uma gravura que havia, muito do meu gosto?
Sonhei que aquilo tudo era real: vi-a animar-se, mexerem-se as figuras...
Nisto abria-se o portão. Por uma *alameda abaixo vinham dois cavaleiros e uma amazona. Ela falava e ria-se e até voltava a cara para trás. Procurava com os olhos um belo cavaleiro, *desirmanado do grupo, que montava um cavalo bravio. Também havia mais cavaleiros e amazonas, que se não distinguiam lá muito bem.
Mas tudo aquilo era bonito, era elegante.
Saíram todos do portão, finalmente, e até uma das damas, com a ideia que teve de arrancar um *tronquinho de hera, ia caindo do cavalo abaixo.
Deixei de ouvir o *trupe dos cavalos e as vozes e vi-me sozinha. Só, só de todo! No meio do campo. Fazia um luar divino. E todo o meu desgosto era de não ser fidalga, de não pertencer também à cavalgada.
Pus-me a andar de um lado para o outro e a falar só. Porque não tinha eu ido com eles? Com eles é que eu devia ter ido! À noite vestiria um fato de baile...
Olhei para o chão, que me pareceu todo *malhado. Eu não devia pisar nenhuma daquelas malhas. Eram de luar líquido. Devia saltar por cima delas, e era o que fazia. Dava cada salto! Cheguei a saltar de árvore para árvore. De cima de uma delas até descobri um salão onde as fidalgas andavam a dançar.
Lá lá lá...lá lá lá...lá lá lá...Que valsa tão doce e tão agradável! Conhecia-a tão bem!
Eles, de calção de seda e de meia alta, elas, *de cauda...
Deixem-me dançar também, dizia eu, sem que ninguém me pudesse ouvir. Por fim agarrei-me a uma árvore e pus-me a andar à roda.
Mas que vergonha, que vergonha! Descobriram-me!
Nisto acordei.

A Gravura faz parte das histórias sobre os Sonhos in «Uma Mão Cheia de Nada Outra de Cousa Nenhuma»,
Porto, Livraria Figueirinhas, s/d.

Glossário:
*alameda - passeio público.
*desirmanado - pessoa que se separou (i)da outra pessoa com quem fazia par.(ii) do grupo.
*tronquinho - ramo muito pequeno.
*trupe - ruído ou barulho.
*malhado – manchas.
*de cauda - designa o vestido comprido do baile.