Aprender a ler http://cvc.instituto-camoes.pt/autores-e-antologia-dp2.html Tue, 24 Jun 2025 05:06:25 +0000 Joomla! - Open Source Content Management pt-pt naoresponder.plataforma.cvc@fbapps.pt (Centro Virtual Camões) Vitorino Nemésio http://cvc.instituto-camoes.pt/autores-e-antologia/vitorino-nemesio-dp14.html http://cvc.instituto-camoes.pt/autores-e-antologia/vitorino-nemesio-dp14.html Vitorino Nemésio (1901-1978)

Vitorino Nemésio


Foi professor da Faculdade de Letras de Lisboa e ensaísta reputado, mas o seu prestígio na nossa história literária advém-lhe sobretudo do romance açoriano Mau Tempo no Canal, 1944, história de amor e de sinuosidades familiares e sociais, e dos vários livros de poesia que o consagram como um dos grandes líricos do nosso século (O Verbo e a Morte, 1959, Sapateia Açoriana, Andamento Holandês e Outros Poemas, 1976), que equaciona o sentido da existência humana perante os diversos conflitos que a centram: o sagrado e o profano, o saber e a ingenuidade, a cultura e a natureza, o amor excessivo e os desapegos da banalidade quotidiana.

Ilha de S. Miguel, Açores
Ilha de S. Miguel, Açores

«O Futuro Perfeito»

A neta explora-me os dentes.
Penteia-me como quem carda.
Terra da sua experiência,
Meu rosto diverte-a, parda
Imagem dada à inocência.

E tira, tira puxando
Coisas de mim, divertida.
Assim me vai transformando
Em tempo de sua vida.

O Verbo e a Morte

© Instituto Camões, 2001
]]>
luis.morgado@instituto-camoes.pt (Luís Morgado) Autores e antologia Thu, 10 Feb 2011 16:39:49 +0000
Vergílio Ferreira http://cvc.instituto-camoes.pt/autores-e-antologia/vergilio-ferreira-dp15.html http://cvc.instituto-camoes.pt/autores-e-antologia/vergilio-ferreira-dp15.html Vergílio Ferreira (1916-1996)

Vergílio Ferreira


Notabilizou-se como romancista e ensaísta (Espaço do Invisível, 1965, Invocação ao Meu Corpo, 1969), tendo os seus romances de início sofrido a  influência neorrealista (O Caminho Fica Longe, 1943), para prosseguirem no sentido do existencialismo de Sartre e Heiddeger (Mudança, 1949, Aparição, 1959).

Simultaneamente lírico e de libelos violentos em relação à sua contemporaneidade, exerce uma reflexão sobre o tempo, romanesco e existencial, que orienta para a valorização da vida (Alegria Breve, 1965), para o protesto em relação a todas as acomodações políticas e sociais (Signo Sinal, 1979) ou para a perceção da articulação entre os opostos do ser humano no seu decurso (morte/vida, beleza/fealdade, sagrado/profano, criação/destruição), em torno das noções da sua existência e do seu limiar (Até ao Fim, 1987, Em Nome da Terra, 1990).

Desenho de Mário Eloy
Desenho de Mário Eloy [1900-1951]

Estou só - estás só. Não penses. Não fales. És em ti apenas o máximo de ti. Qualquer coisa mais alta do que tu te assumiu e rejeitou como a árvore que se poda para crescer. Que te dá pensares-te o ramo que se suprimiu? A árvore existe e continua para fora da tua acidentalidade suprimida. O que te distingue e oprime é o pensamento que a pedra não tem para se executar como pedra. E as estrelas, e os animais. Funda aí a tua grandeza se quiseres, mas que reconheças e aceites a grandeza que te excede.

Para Sempre



© Instituto Camões, 2001

]]>
luis.morgado@instituto-camoes.pt (Luís Morgado) Autores e antologia Thu, 10 Feb 2011 16:34:47 +0000
Urbano Tavares Rodrigues http://cvc.instituto-camoes.pt/autores-e-antologia/urbano-tavares-rodrigues-dp6.html http://cvc.instituto-camoes.pt/autores-e-antologia/urbano-tavares-rodrigues-dp6.html Urbano Tavares Rodrigues Urbano Tavares Rodrigues (1923) escreve regularmente desde os anos cinquenta, durante os quais se revelou como contista talentoso (Uma Pedrada no Charco, 1958) e como romancista recetivo ao estado da sociedade contemporânea e à evolução da escrita literária (ex. Bastardos do Sol, 1959, e A Hora da Incerteza, 1995). O amor, a intervenção social e política, a cidade de Lisboa e a região do Alentejo são os seus temas dominantes, cuja natureza e circunstância persegue com insistência e insatisfação:

Almoço (a Adriana está a reaprender as comidas alentejanas) uma fabulosa sopa de beldroegas com queijo e ovo escalfado. É a minha infância que regressa, quase intacta, nesse sabor. Os cílios da minha irmã a baterem muito, interrogativos e indignados, quando lhe roubo do prato, à sorrelfa, o bocado de queijo de ovelha, delicioso, que de direito, direitíssimo, lhe cabia. Já está com lágrimas nos doces olhos castanhos e eu, repeso, de colher no ar, a querer-lhe restituir o objecto da sua mágoa.

A Hora da Incerteza

© Instituto Camões, 2001

]]>
luis.morgado@instituto-camoes.pt (Luís Morgado) Autores e antologia Thu, 10 Feb 2011 16:31:51 +0000
Sophia de Mello Breyner Andresen http://cvc.instituto-camoes.pt/autores-e-antologia/sophia-de-mello-breyner-andresen-dp9.html http://cvc.instituto-camoes.pt/autores-e-antologia/sophia-de-mello-breyner-andresen-dp9.html Sophia de Mello Breyner Andresen


Em Arte Poética II, Sophia de Mello Breyner Andresen (n. 1919) escreve:


A poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens. Por isso o poema não fala duma vida ideal mas duma vida concreta: ângulo da janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos, sombra dos muros, aparição dos rostos, silêncio, distância e brilho das estrelas, respiração da noite, perfume da tília e do orégão.


Para Sophia, a poesia é, pois, encontro do ser com o concreto do mundo, e repare-se como, explicitando o que para si é a poesia, a autora insensivelmente já está a fazer poesia, comunicando a sua perceção das coisas através da transfiguração da palavra poética.

Publica livros desde 1944 (também prosa de ficção, e livros para crianças como A Menina do Mar e A Fada Oriana, 1958), e um dos seus grandes temas é o mar, com a luminosidade de conhecimento solar e a regularidade de reconstrução do movimento, ou respiração vital, que ele comunica, ou mesmo na epifania do mundo. Em Dia do Mar (1947), «Navegação»:


Distância da distância derivada
Aparição do mundo: a terra escorre
Pelos olhos que a vêem revelada.
E atrás um outro longe imenso morre.


Muito sensível às implicações culturais da política e do sentimento da liberdade, exprime por vezes a pequenez dos ambientes que a opressão social sufoca. Em Livro Sexto (1962), «Exílio»:


Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades.

© Instituto Camões, 2001

]]>
luis.morgado@instituto-camoes.pt (Luís Morgado) Autores e antologia Thu, 10 Feb 2011 16:26:52 +0000
Raul Brandão http://cvc.instituto-camoes.pt/autores-e-antologia/raul-brandao-dp21.html http://cvc.instituto-camoes.pt/autores-e-antologia/raul-brandao-dp21.html Raul Brandão (1867-1930)

Raul Brandão



Esboço da Casa do Alto
Esboço da Casa do Alto

É o grande modernista português na prosa de ficção, integrando uma dimensão simbolista de tentativa de transposição de uma realidade aparente e decetiva para obter uma transcendência ou absoluto que a escrita tacteantemente formula.

Ficcionista de personagens patéticas e grotescas na incapacidade de delinearem o seu sonho ou infames no modo de o trair (A Farsa, 1903, Os Pobres, 1906), é no romance Húmus, 1917, que melhor explora a dimensão larvar da pequenez humana, encenando a tragédia da luta da «vila» pelo seu «sonho», e utilizando processos de desconjuntamento do tempo narrativo que antecipam o trabalho discursivo da ficção de hoje. Na mesma linha compôs várias peças de teatro.

Ouço sempre o mesmo ruído de morte que devagar rói e persiste...

Uma vila encardida - ruas desertas - pátios de lajes soerguidas pelo único esforço da erva - o castelo - restos intactos de muralha que não têm serventia. Uma escada encravada nos alvéolos das paredes não conduz a nenhures. Só uma figueira brava conseguiu meter-se nos interstícios das pedras e delas extrai suco e vida. (... ) Sobre isto um tom denegrido e uniforme: a humidade entranhou-se na pedra, o sol entranhou-se na humidade. (... )

Silêncio. (...) Ouço sempre o trabalho persistente do caruncho que rói há séculos na madeira e nas almas.

Húmus

© Instituto Camões, 2001

]]>
luis.morgado@instituto-camoes.pt (Luís Morgado) Autores e antologia Thu, 10 Feb 2011 16:24:07 +0000
Nuno Bragança http://cvc.instituto-camoes.pt/autores-e-antologia/nuno-braganca-dp6.html http://cvc.instituto-camoes.pt/autores-e-antologia/nuno-braganca-dp6.html Nuno Bragança (1929-1985)

Nuno Bragança


Publicou um livro decisivo para a nossa modernidade literária, A Noite e o Riso, 1969, que alia a experiência surrealista a certas tendências do «nouveau roman» francês, desenvolvendo uma experiência pessoal de educação e boémia.

Notabilizou-se como romancista (Square Tolstoi, 1981) e como contista (Estação, póstumo), tematizando a inquietação humana através da deambulação urbana, política, militante e erótica, e insistindo na componente social da desarticulação íntima dos valores e dos sentimentos.


Estou sentado num dancing e tenho a mão. Ainda em volta de uma bebida de pressão de ar.

Às vezes, acontece num sítio destes e em hora assim que o pecado original se derreteu num shaker, acabando-se a mortalidade infantil e a Polícia. Sinto essa harmonia. Por cima dos ombros cansados, como um xaile da leveza dum suspiro de gato. Pelas luzes das mesas e fumo nos olhos trotam as mais certeiras notas de piano.

A Noite e o Riso (excerto)

© Instituto Camões, 2001

]]>
luis.morgado@instituto-camoes.pt (Luís Morgado) Autores e antologia Thu, 10 Feb 2011 16:21:46 +0000
Miguel Torga http://cvc.instituto-camoes.pt/autores-e-antologia/miguel-torga-dp5.html http://cvc.instituto-camoes.pt/autores-e-antologia/miguel-torga-dp5.html Miguel Torga (1907-1995)

Miguel Torga


Médico em Coimbra, foi um polígrafo fecundíssimo e figura determinante na cultura portuguesa deste século, em termos não só literários mas também cívicos.

Tangencial às tendências estéticas e ideológicas contemporâneas, desenvolveu um estilo muito pessoal na poesia (O Outro Livro de Job, 1936), na ficção (em notáveis antologias de contos, ex. Bichos) e noutros géneros, onde se destacam os 16 volumes do Diário, obra-prima das letras portuguesas.

Muito sensível ao enraizamento do ser humano no seu meio ambiente, nomeadamente na montanha, encara a relação do homem com o mundo, em luta ou harmonia, num reconhecimento da dimensão cósmica que sublinha também a vertente sagrada da existência.

Miguel Torga, Bichos
Miguel Torga, Bichos, 18.ª edição, Coimbra, 19

«Solidão Criadora»

Dorme e sonha a meu lado
Tão alheia de mim
Que me sinto um amante abandonado...
Acordá-la?
Gritar?
O poeta é uma angústia que se cala
A cantar.

Diário - V




© Instituto Camões, 2001

]]>
luis.morgado@instituto-camoes.pt (Luís Morgado) Autores e antologia Thu, 10 Feb 2011 16:18:10 +0000
Mário de Sá-Carneiro http://cvc.instituto-camoes.pt/autores-e-antologia/mario-de-sa-carneiro-dp15.html http://cvc.instituto-camoes.pt/autores-e-antologia/mario-de-sa-carneiro-dp15.html Mário de Sá-Carneiro (1890-1916)

Mário de Sá-Carneiro


É um dos nossos maiores poetas do Modernismo, talvez o que melhor exprime a cisão do sujeito na enunciação de si próprio e na formulação da sua perceção do mundo, ora decetiva ao jeito simbolista-decadentista, ora inebriada pelas sensações e entusiasmos do futurismo.

"Cristo Vermelho", de Amadeo de Souza-Cardoso
"Cristo Vermelho", de Amadeo de Souza-Cardoso [1887-1918]

A sua poética afasta-se de uma preocupação meramente formal da experiência literária, centrando nela embora o seu discurso, mas nela fundamentando as interrogações e a afirmação de anseios que dão sentido a uma existência que no entanto as não encontra. O poeta põe termo aos seus dias, suicidando-se em Paris.


Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida... (...)

Desceu-me n'alma o crepúsculo;
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não me sou;
Não vivo, durmo o crepúsculo.

«Dispersão»

© Instituto Camões, 2001

]]>
luis.morgado@instituto-camoes.pt (Luís Morgado) Autores e antologia Thu, 10 Feb 2011 16:15:00 +0000
Mário Cláudio http://cvc.instituto-camoes.pt/autores-e-antologia/mario-claudio-dp7.html http://cvc.instituto-camoes.pt/autores-e-antologia/mario-claudio-dp7.html Mário Cláudio


Mário Cláudio (1941), firmando-se de início como poeta e cultivando vários géneros literários, é sobretudo conhecido como ficcionista desde a publicação de Um Verão Assim, 1974, reafirmando-se com Damascena, 1983, e sendo reconhecido como um dos grandes vultos da ficção portuguesa contemporânea a partir da sua Trilogia da Mão (com volumes sobre Amadeo Souza-Cardoso, Guilhermina Suggia e Rosa Ramalho). O pendor para as formas literárias de reconstituição, aliando a capacidade de evocação de ambientes e figuras a uma muito pessoal subjetividade de deformação criativa, acentua-se em muitas das suas obras posteriores, como A Quinta das Virtudes, 1990, ou As Batalhas do Caia, 1995.


Fora Cândida Branca fruto de certo romance, fugacíssimo e intenso, entre um cocheiro de mala-posta, casado e pai de outras duas raparigas, e uma vendedeira de doces, da aldeia de Irivo, no fojo de Penafiel. Haviam-se avistado seus progenitores, na romaria da Senhora Aparecida, por uma longa jornada ardente, dessas que fazem desfalecer os próprios milheirais. E, no meio das espigas, engendrara-se a pequena, crescendo à sombra, depois, da doceira, a qual acharia, mais tarde, um rapaz de quinta, disposto a recebê-la, por consorte.

A Quinta das Virtudes

© Instituto Camões, 2001

]]>
luis.morgado@instituto-camoes.pt (Luís Morgado) Autores e antologia Thu, 10 Feb 2011 15:59:41 +0000
Maria Velho da Costa http://cvc.instituto-camoes.pt/autores-e-antologia/maria-velho-da-costa-dp5.html http://cvc.instituto-camoes.pt/autores-e-antologia/maria-velho-da-costa-dp5.html Maria Velho da Costa


Maria Velho da Costa (1938), revelação romanesca fulgurante com Maina Mendes, 1969, centrado na figura feminina que assume a ancestralidade, a rebeldia, o prazer, a criação e a dor como lugares de afirmação do ser, prolonga esta temática em Casas Pardas, 1977, que evidencia o seu modo poliédrico de compôr textos em registos diferenciados de discurso, porém de orgânica composicional sempre segura e coesa, e veiculando uma pungência de sensibilidade que confere ainda mais acutilância ao seu rigor formal (igualmente afirmado posteriormente em Missa in Albis, 1988, ou Dores, 1995).


Ah, digo-lhe que há um descontentamento que contenta, o tagarela, o que pode dizer-se com justeza e ouvir-se com gravidade, há festins de descontentamento e que bodo temos tido a esta vocação de carpidores que logo nos toma quando não estamos de partida. Creio mesmo que a saudade é amargor de paragem, não de distância. E isso me bateu ontem, de novo, cada vez mais certamente, no cais de Alcântara com as gaivotas adormentadas como pequenos patos, quietas no baloiço das águas, que reles somos quando não temos para onde ir.

Maina Mendes

© Instituto Camões, 2001

]]>
luis.morgado@instituto-camoes.pt (Luís Morgado) Autores e antologia Thu, 10 Feb 2011 15:56:55 +0000