Agustina Bessa-Luís
Na ficção, Agustina Bessa-Luís (1922) afirmou-se com A Sibila (1954), que cria um modo muito próprio de narração no romance, utilizando constantes derivações em relação ao discurso romanesco central, mas escapando à tendência abstractivante que daí resulta, através de um regionalismo radicalizado em atitudes psicológicas peculiares e de um estilo centrado na subjetividade dos juízos narrativos.
Ah, rotina doce dessa vida em comum, porém extraordinária de independência e qualidade solitária! A fazenda progredia, iam envelhecendo as mulheres; os cabelos que eram há pouco ainda castanhos apareciam grisalhos, depois brancos; Joaquim abandonava de todo o seu cargo de lavrador, raramente vigiava os moços ou escolhia o gado e até deixava de visitar a amiga, seca e escura como um tronco castigado dos temporais. Bebia de madrugada a sua dose de aguardente que o mantinha numa benévola e distraída disposição durante todo o dia; tinha uma embriaguez discreta, quase afável, e delicados sonhos povoavam-lhe a mente.
Os Quatro Rios, 1964
Desenvolve no seu romance uma conceção do tempo que sublinha a sua qualidade de duração interior e de continuidade, que prolonga até à sua ficção mais recente, em A Corte do Norte, 1987, ou O Concerto dos Flamengos, 1994.
© Instituto Camões, 2001