António Ramos Rosa
António Ramos Rosa (n. 1924) intelectualiza (não só nos seus inúmeros livros de poesia, mas também em ensaios sobre a criação literária e de interpretação poética) a articulação entre os elementos naturais e a cultura, mas mantém a vibração inteira do apelo pela expressão livre do homem e pela sua sagração no labor da palavra. Em Viagem através Duma Nebulosa (1960), ficou célebre este poema:
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas e montanhas cinzentas
(...)
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
não posso adiar o coração
Posteriormente, a austeridade de expressão apurou-se na sua poesia, extremamente reduzida no plano da sintaxe, tanto quanto luxuriante nas insistências vocabulares e numa inexaurível irradiação semântica, quase sempre em torno da relação amorosa e da relação com a escrita. Em O Incerto Exacto (1982):
O desejo A surpresa
Ou a maravilha
Não pela igual imagem
mas destroçando-a
Resíduos só ou a passagem dos sinais
que dizem a passagem do que será
se for o contacto imprevisível
do obscuro
inacessível corpo em outro corpo vivo
© Instituto Camões, 2001