Eugénio de Andrade
Em Eugénio de Andrade (n. 1923), a poesia dos elementos é também poderosa, mas quase sempre reportada ao amor - da natureza, dos seres e do corpo. Muito sensual e literária, plástica e musical, a sua poesia concebe-se como reelaboração da palavra até um limite de despojamento que parte do mundo (agudamente percebido) para reencontrar nele o ser eleito e, em última análise, a solidão como reduto essencial. «As palavras interditas» (1951), poema de culto para várias gerações:
Os navios existem, e existe o teu rosto
encostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades,
partem no vento, regressam nos rios.
As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.
Eugénio tem a faculdade de articular o circunstancial com o absoluto, de perceber num ambiente concreto a voz de comunicação que o levará à inscrição poética, à transfiguração modelar, numa expressão límpida e pura muito própria. Em Memória Doutro Rio (1978), «Com a manhã»:
Vem dos lados do rio, as mãos fresquíssimas, algumas gotas de água ainda nos cabelos. Com a manhã chega o anónimo respirar do mundo. Um cheiro a pão fresco invade o pátio todo. Vem dos lados do rio: para levar à boca, ou ao poema.
© Instituto Camões, 2001