Fernando Pessoa
Fernando Pessoa (1888-1935)
É, com Camões, a mais importante figura das Letras Portuguesas e domina o século XX com a sua problemática de sentido diverso e questionante, desdobrado em heterónimos: Alberto Caeiro, o naturalista da perceção aparentemente ingénua dos objetos, Ricardo Reis, classicizante e estoico, Álvaro de Campos, espetacular e futurista, Bernardo Soares, autor da prosa intimista e fragmentária do Livro do Desassossego, e vários outros.
Além deles, Fernando Pessoa ele-mesmo é, só por si, um grande poeta do simbolismo e do modernismo, pela temática da evanescência, indefinição e insatisfação das coisas e dos seres, e pela inovação praticada por entre diversas sendas de formulação do discurso poético (sensacionismo, paulismo, intersecionismo, etc.).
Com Fernando Pessoa, a quem se deve também o enigmático volume de poemas a Mensagem, que transcende em muito a simples glorificação do passado mítico português (e sem falar da sua produção teatral, ou dos poemas ingleses), a literatura portuguesa encontra a equacionação lírica de questões fundamentais da existência humana, de timbre filosófico ou de avulsa emergência quotidiana, numa escrita fundadora dos pilares em que verdadeiramente se afirma a nossa modernidade.
"Diário de Lisbôa", suplemento literário, 6 de dezembro de 1935 | |
Lisboa. Elevador da Glória, aos Restauradores |
O mistério das coisas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as coisas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.
Porque o único sentido oculto das coisas
É elas não terem sentido oculto nenhum.
Alberto Caeiro
Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, meu Deus, das ciências!) -
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na! (... )
Ó céu azul - o mesmo da minha infância -,
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!
Álvaro de Campos, «Lisbon Revisited» (1923)
© Instituto Camões, 2001