Maria Judite de Carvalho
Também pela qualidade ficcional do tempo interior se destaca Maria Judite de Carvalho [1921-1998], esplendorosa revelação nos contos de Tanta Gente, Mariana!,1959, ou na novela romanceada As Palavras Poupadas, 1961, onde emergem personagens de fundura psicológica matizada de finas implicações sociais, patentes em recortes de miúdos gestos ou de impercetíveis atitudes e julgamentos:
Levanta-se da mesa. Lá fora, num relógio qualquer, batem duas horas. Daí a momentos, daí a uma eternidade, levantar-se-á da mesa outra vez. E amanhã. E depois. E daí a muitos anos. Tudo morre à noite, dizia Claude. Mas não, a vida é longa, desliza e escorre sem uma quebra. Uma sucessão de acontecimentos, uma corrente sem fim de palavras ditas e de palavras poupadas. Dessas principalmente.
As Palavras Poupadas
Decorre desta conceção narrativa uma atenção ao desfiar do tempo quotidiano e às personagens incaracterísticas da circunstância comum que levam a autora à prática da crónica (Seta Despedida, 1994) e à atenção ao fragmentário que pode concretizar-se no conto (Flores ao Telefone, 1968).
© Instituto Camões, 2001