Mário de Carvalho e Luísa Costa Gomes

Mário de Carvalho (1944) e Luísa Costa Gomes (1954), embora de idades distanciadas, são duas personalidades literárias afirmadas durante os anos oitenta mas confiimadas mais ou menos pelos finais da década, o primeiro com A Paixão do Conde de Fróis, 1986, e a segunda com O Pequeno Mundo, de 1988. Ligado às reconstituições histórico-paródicas, Mário de Carvalho produziu uma obra de teor complexo com o seu recente Um Deus Passeando na Brisa da tarde, 1994, romance sobre os alvores e implicações do cristianismo e possibilidade da sua releitura atual, e Luísa Costa Gomes deu-nos, em Olhos Verdes, 1994, uma singular obra de simulação e crítica da publicidade e das solicitações mediáticas. Praticando ambos uma escrita de recorte sintático clássico, e assumindo uma temática colhida no comum ou mesmo no vulgar, salientam-se pelo modo como lhe incutem cambiantes inesperados e sentidos de intensa acutilância reflexiva e crítica.

Mário de Carvalho
Luísa Costa Gomes




A chouto rápido, os dois cavaleiros prosseguiam agora pela charneca, já muito apartados da carreteiro, desandando para as bandas da raia. Contornaram um pinheiral em redondo, hesitaram à vista do plaino nu que a pequena elevação da praça dominava e lançaram-se num galope acelerado, a descoberto, obliquando contra a Espanha. Em pouco se sumiam, deixando como sinal do percurso uma mó de poeira que se ia tornando mais e mais ténue deste lado de cá.

Mário de Carvalho, A Paixão do Conde de Fróis

Os interesses dele eram as empresas, os utilitários, a carpintaria artística e o espaço. Futebol via de vez em quando. Tinha teorias sobre as coisas e ambicionava partilhá-las com outros. Explicava-se com clareza, embora não se pudesse considerar que fizesse sempre todo o sentido. O que o intrigava sobremaneira era o espaço, o espaço que permeava tudo, o ar vazio entre a secretária e a cadeira, entre o rosto e a mão, entre o chão e o tecto. Disse que tinha a certeza de que todos os espaços vazios tinham um significado profundo.

Luísa Costa Gomes, Olhos Verdes

© Instituto Camões, 2001