Outros Romancistas e Poetas Contemporâneos

Muitos outros romancistas e poetas enriquecem a nossa literatura e tornam difícil a sua sinopse. Os contemporâneos são isso mesmo: o excesso em relação ao olhar do crítico, o transbordar da vida e da sua continuidade inesgotável em relação ao crivo do historiador.

Fiquemos, ainda, pois, com poetas como Egito Gonçalves, Nuno Júdice, Vasco Graça Moura, António Franco Alexandre, João Miguel Fernandes Jorge, Paulo Teixeira - e o mesmo diremos dos escritores de ficção: Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Hélia Correia, Alexandre Pinheiro Torres, Eduarda Dionísio e tantos outros.

São todos estes, aliás, aqueles de que não chegámos a falar e os que nem sequer nomeámos, que dão sentido ao que aqui se escreveu, para que fique incompleto, e fazer sentir o quanto a literatura é viva e desmedida, porque ela é antes de mais leitura e tempo, e não fixidez, e não cabe afinal em nenhuma página:

Texto de autor

Texto autógrafo de Egito Gonçalves


Texto autógrafo de Egito Gonçalves

O tempo não podia correr numa ilha sem lugar e sem sombras.
mas abolido o tempo, a história deixava de existir.
ao princípio era a ninfa e o silêncio da máquina do mundo.
era o silêncio no mais puro momento da sua glória inteligível.

Vasco Graça Moura, Concerto Campestre, 1993


O profundo silêncio das flores
é um lugar de ausência. Vazia moldura
para o vôo das aves, linha oscilante
de ligeira névoa
que nada revela do que talvez esconda.

Egito Gonçalves, E no entanto Move-se, 1995


«Epístola para Dédalo»

Porque deste a teu filho asas de plumagem e cera
se o sol todo-poderoso no alto as desfaria?
Não me ouviu, de tão longe, porém pensei que disse:
todos os filhos são Ícaros que vão morrer no mar.
Depois regressam, pródigos, ao amor entre o sangue
dos que eram e dos que são agora, filhos dos filhos.

Fiama Hasse Pais Brandão, Epístolas e Memorandos, 1996


Começo onde a memória dói.
Coisas antigas do susto de viver
terrores dos rostos dos outros
nem sei. Digo isto. Um espírito de meditação
nasceu da loucura, nunca soube de
tais coisas foram feitos os meus dias
de puros sons quebrados por sons puros. (...)

Joaquim Manuel Magalhães, António Palolo, 1978

«Post-Scriptum»

Que rumor consegue ainda magoar-te,
deixar-te inquieto e só à volta das palavras?
Que rumor pode levar-te a escrever assim,
circunspecto e árido,
escassos versos?

Luís Filipe Castro Mendes, Modos de Música, 1996

«Poema»

O mar, e por cima de nós os ramos
do crepúsculo, e os remos do sol que
se afundam no mar do horizonte.

Nuno Júdice, O Movimento do Mundo, 1996

Com os gravetos encalhados o vento desenha
na parede o gráfico do teu sopro      Com as mãos
perdidas desfazes a imagem à espera
que a parede se abra Será a última
parede do labirinto?

Manuel Gusmão, Mapas. O Assombro a Sombra, 1996

A profunda harmonia entre ela e o mundo - uma harmonia difícil, instável, porque ela insistia sempre em viver com rigor, com uma atenção que não afrouxava nunca, mesmo quando dormia - o rigor, por exemplo, com que domava ou desmanchava os sonhos, obrigando-se a lembrá-los, obrigando-os a saltar por dentro de arcos incendiados, as flores imaginadas formando finalmente um ramo, as flores de sombra, de sol, de areia, domar o vento, aprender a cavalgar o vento, pôr um risco de azul a contornar o mar, a dura acrobacia do seu corpo, ao mesmo tempo solto e geométrico, os difíceis exercícios interiores, os saltos mortais de olhos vendados sobre um fio de arame estendido entre o possível e o impossível.

Teolinda Gersão, Os Guarda-Chuvas Cintilantes, 1984

© Instituto Camões, 2001