Raul Brandão
Raul Brandão (1867-1930)
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É o grande modernista português na prosa de ficção, integrando uma dimensão simbolista de tentativa de transposição de uma realidade aparente e decetiva para obter uma transcendência ou absoluto que a escrita tacteantemente formula.
Ficcionista de personagens patéticas e grotescas na incapacidade de delinearem o seu sonho ou infames no modo de o trair (A Farsa, 1903, Os Pobres, 1906), é no romance Húmus, 1917, que melhor explora a dimensão larvar da pequenez humana, encenando a tragédia da luta da «vila» pelo seu «sonho», e utilizando processos de desconjuntamento do tempo narrativo que antecipam o trabalho discursivo da ficção de hoje. Na mesma linha compôs várias peças de teatro.
Ouço sempre o mesmo ruído de morte que devagar rói e persiste...
Uma vila encardida - ruas desertas - pátios de lajes soerguidas pelo único esforço da erva - o castelo - restos intactos de muralha que não têm serventia. Uma escada encravada nos alvéolos das paredes não conduz a nenhures. Só uma figueira brava conseguiu meter-se nos interstícios das pedras e delas extrai suco e vida. (... ) Sobre isto um tom denegrido e uniforme: a humidade entranhou-se na pedra, o sol entranhou-se na humidade. (... )
Silêncio. (...) Ouço sempre o trabalho persistente do caruncho que rói há séculos na madeira e nas almas.
© Instituto Camões, 2001