Teatro em Portugal - Espaços http://cvc.instituto-camoes.pt/base-teatro-em-portugal-espacos.html Fri, 27 Sep 2024 19:41:23 +0000 Joomla! - Open Source Content Management pt-pt Cine-Teatro Monumental http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/cine-teatro-monumental.html http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/cine-teatro-monumental.html

(Praça Duque de Saldanha, Lisboa – Portugal: 1946 - 1984)

Edificado numa das mais emblemáticas praças lisboetas, o Cine-Teatro Monumental foi projetado, em 1946, pelo arquiteto Raúl Rodrigues Lima (1909-1980), correspondendo nos seus traços à estética modernista do Estado Novo.

  Cine-Teatro Monumental
  Cine-Teatro Monumental (bilhete-postal), s/d, ed. Torres [cortesia do Museu Nacional do Teatro, cota: 32514].

Com uma sala de cinema e outra de teatro que comportavam mais de 1000 espectadores cada, o Monumental foi arrendado pelo empresário Vasco Morgado com o intuito de ali apresentar espetáculos de teatro declamado, operetas, revistas e atrações musicais, incluindo mesmo artistas estrangeiros. Foi nessa sala de teatro que Laura Alves protagonizou os maiores êxitos da sua carreira teatral. Nos anos de 1970, acrescentou-se uma nova sala de cinema, de reduzidas dimensões, no último piso do edifício, como espaço alternativo à grande sala de projeções. Com dificuldade em manter uma corrente de público que suportasse as despesas, acabou por ser decretada a sua demolição em 1982. Apesar da enorme onda de contestação que a decisão do executivo camarário liderado por Nuno Krus Abecasis gerou, o Cine-Teatro Monumental teve o seu fim em meados de 1984.

Decorrendo de um despacho (24 de março de 1943) do Ministro da Educação Nacional, Dr. Mário de Figueiredo, que propunha a edificação “de uma casa de espectáculos como ainda não há em Lisboa [...] com salas independentes para teatro de declamação ou música ligeira, concertos e cinema” (LIMA. s/d: 3), este edifício teve a sua construção aprovada em 1946. Com traço do arquiteto Raúl Rodrigues Lima – que havia já participado na Exposição do Mundo Português de 1940 – iniciou-se assim um projeto pioneiro de construção de cine-teatros que depressa se estendeu a outras cidades no país.

Inserido na corrente modernista que marcou algumas das obras públicas do Estado Novo (por alguns denominada “Português Suave”), a sua composição arquitetónica servia as duas grandes salas que ali iriam nascer – uma sala de cinema, com eixo paralelo à Avenida Fontes Pereira de Melo, com lotação de 1967 lugares, e uma de teatro, paralela à Avenida Praia da Vitória, com 1086 lugares.
 Este edifício “monumental” foi revestido de pedra e ornamentado numa das suas esquinas com uma grande coluna encimada por uma esfera armilar (um símbolo caro ao Estado Novo) e estátuas em cada um dos lados da frontaria. A entrada principal do público, orientada para a Praça Duque de Saldanha, tinha sete portas em forma de arco com acesso direto ao átrio principal (onde se situavam as bilheteiras) e aos vestíbulos que antecediam as salas. Os artistas e trabalhadores do cine-teatro tinham uma entrada distinta que se fazia pela Avenida Praia da Vitória.

No interior, a decoração requintada, quase “versailliana”, esteve a cargo de José Espinho, e apresentava lustres imponentes, maples requintados, grandes escadarias, mármores e apontamentos dourados. Os foyers e os salões tornaram-se “um sítio de encontro, quase de estar” (FERNANDES 1995: 102) para uma burguesia lisboeta que apreciava o ambiente, bem como a sua atrativa localização nas avenidas novas. Cada piso tinha um salão de acesso exclusivo aos portadores de bilhete para os lugares do cinema e do teatro. No último andar estava situada a administração e a gerência a quem estava reservada uma sala de projeção privada. A sala de cinema abrigou dois grandes painéis – que ladeavam o gigantesco ecrã – da autoria da pintora Maria Keil e as estátuas exteriores, bem como as figuras que decoravam alguns pisos no interior, ficaram a cargo do escultor Euclides Vaz. Para garantir uma boa insonorização Manuel Bívar ocupou-se dos isolamentos fónicos e acústicos das duas grandes salas.

Cinco anos depois de se ter iniciado a construção, o edifício foi inaugurado – a 8 de novembro de 1951 – com a opereta As três valsas (1951), protagonizada por Laura Alves e João Villaret. Lisboa nova (1952) foi o segundo espectáculo a ser apresentado e a primeira revista a ser levada à cena neste espaço. Musicada pelo maestro Frederico Valério, a revista contou com as atuações de Laura Alves, João Villaret e Eugénio Salvador, entre outros. A sala de cinema, que acolheu a recém chegada tecnologia do cinemascope, inaugurou-se com o filme O facho e a flecha, de Jacques Tourneur, com Burt Lancaster e Virginia Mayo nos papéis principais.

Nem só de teatro e cinema viveu esta emblemática casa de espetáculos. Na década de 1960, Vasco Morgado contratou aquela que se tornou a mais famosa banda de rock portuguesa da época, os Gatos Negros, para assegurarem espetáculos no Monumental durante cinco anos. A banda colecionou seguidores e reuniu multidões na praça do Saldanha numa época em que eram estritamente proibidos os “ajuntamentos”, por imposição do regime ditatorial. Também, pela mão do empresário, ali se apresentaram artistas internacionais como os cantores Charles Aznavour, Sylvie Vartan e Rita Pavone, entre outros. No entanto, a vedeta do Monumental foi, incontestavelmente, Laura Alves que, durante décadas, foi a atração principal de dezenas de espetáculos do empresário Vasco Morgado.

Em 25 de fevereiro de 1971, a imprensa anunciou a abertura de um novo cinema no Monumental. No último piso do edifício passou a existir o Satélite: uma pequena sala com 208 lugares que oferecia ao público projeções que se mostravam uma alternativa aos filmes da grande sala de cinema. Foram reponsáveis por este projeto o arquiteto Rodrigues Lima em parceria com os engenheiros Ângelo Ramalheira, Barroso Ramos e Bustorff Silva. O espaço foi inaugurado com o filme Les choses de la vie, de Claude Sautet, com Romy Schneider no principal papel.

Contudo, a década de setenta marcou o início do declínio do Monumental, com uma quebra significativa de espectadores que dificilmente enchiam já aquelas salas de tão grandes dimensões. A aposta da televisão em vários formatos de entretenimento, o aparecimento de salas de cinema de dimensão mais reduzida e programações mais atrativas, as alterações políticas e sociais entretanto trazidas pela Revolução de Abril, a irrupção de outras formas de espetáculo que atraíam espectadores mais jovens, tudo se juntou para afastar cada vez mais o público daquelas salas. Assim, por decisão de Nuno Krus Abecasis e com “aval de todos os organismos oficiais” (FERNANDES 1989: 186) – incluindo o Instituto Português do Património Cultural que se recusou a classificá-lo (Anon. 1983b: 24) – em 1982 foi decretada a demolição do edifício. A onda de protestos não se fez esperar e foram vários os que se insurgiram contra esta polémica deliberação, inclusivamente representantes de órgãos institucionais que acusaram o líder da Câmara Municipal de estar a atentar contra a memória cultural do país. Os que se opunham à demolição alegaram que esta decisão estaria ligada à conotação do Monumental com o Estado Novo apesar de o argumento apresentado pelo executivo camarário ser a elevada despesa que o edifício acarretava e que não justificava o seu funcionamento. Além disso, e segundo palavras do presidente Krus Abecasis, o “Monumental nunca [tinha sido considerado] uma obra de arte” (PACHECO 1984: 20). Nem as “ténues manifestações de defesa [da obra] sob pretexto de se estar a ferir gravemente o património nacional” (ibidem) bastaram para embargar a destruição desta casa. A salvo ficaram as estátuas e a esfera armilar que se encontram ainda em locais públicos da cidade.

O último espetáculo apresentado no teatro do Monumental foi Pai precisa-se, de Júlio Mathias, com Laura Alves no elenco, estreado a 30 de setembro de 1982, e a 27 de novembro de 1983 o cinema do Monumental abriu as portas ao público pela última vez, numa altura em que já se procedia à retirada de todo o equipamento da sala que fora de teatro.

No espaço onde se situava o Monumental foi posteriormente erigido um centro comercial – de fachada espelhada, com lojas, escritórios e quatro salas de cinema – muito distinto do projeto que Rodrigues Lima tinha imaginado para aquele local.

 

Bibliografia

Anon. (1983a). “Monumental: demolição à vista com substituição a complicar-se” in Diário de Lisboa, 28 de novembro, p. 24.

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LIMA, Raúl Rodrigues; et al.  (s/d). Monumental – Algumas notas sobre a sua construção e exploração. Anuário comercial, Tip. Emp. Nacional.

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PACHECO, Nuno (1984). “Cine-Teatro Monumental: a derrocada que ninguém evitou” in Expresso, 19 de maio, pp. 20-21.

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RAMOS, Carvalho (1984). “Vida e morte” in Plateia, 2ª quinzena de Janeiro, p. 41.

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Sítiografia:
http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/outros/domingo/as-sete-vidas-do-gato-negro

Consultar ficha de espaço na CETbase:
http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espaco&ObjId=203

Consultar imagens no OPSIS:
http://opsis.fl.ul.pt/

Andreia Brito Silva / Centro de Estudos de Teatro

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joao.ramosmarques@camoes.mne.pt (João Marques) Destaque Teatro em Portugal - Espaços Teatro em Portugal Fri, 13 Nov 2015 17:06:26 +0000
Parque Mayer http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/parque-mayer.html http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/parque-mayer.html

(Travessa do Salitre, 1250 Lisboa, Portugal)

Inaugurado a 15 de junho de 1922, o Parque Mayer resultou de uma partilha familiar do palacete Mayer e dos seus jardins.

  Parque Mayer
  Parque Mayer (pórtico), 2012, fot. Andreia Brito Silva [CET].

Este espaço exterior foi adquirido, em 1920, por Artur Brandão, “primeiro promotor do Parque Mayer” (FRANCISCO/RAMOS 1992: 280), tendo sido comprado no ano seguinte por Luís Galhardo, jornalista, escritor e empresário que, com outros dez sócios, constituiu a Sociedade Avenida Parque, Lda. Aqui se construíram casas de espetáculo que acabaram por se especializar no teatro de revista, sucedendo – ou associando-se – a outras atrações de caráter lúdico, como carrosséis e carrinhos de choque, que juntavam muito público. Situado junto à Avenida da Liberdade, do lado ocidental, entre a Rua do Salitre e a Praça da Alegria, este recinto viveu o seu apogeu entre as décadas de 30 e de 70 do séc. XX, tendo, desde aí, entrado em declínio. Neste espaço estrearam-se e ganharam fama artistas do teatro e da canção, que souberam fidelizar um público entusiasta. No início do séc. XXI apenas o Teatro Maria Vitória apresenta alguma (esporádica) atividade com espetáculos de teatro de revista, por iniciativa do empresário Hélder Freire Costa.

No recinto onde se situava o Palácio Mayer começou por funcionar, entre 1918 e 1920, o Club Mayer. Este clube noturno de recreio e jogo foi vendido em 1930, por Luís Galhardo, um dos dez societários do então Avenida Parque, Lda., vindo a instalar-se aí o Consulado Geral de Espanha em Lisboa. Entretanto, nos espaços adjacentes a este edifício – jardins e lagos – nasceu o que há muito este empresário havia idealizado: um espaço de diversão noturna e um polo de atração teatral. Foi também nesse ano que se efetuaram alguns melhoramentos no recinto, nomeadamente a construção do pórtico de entrada, com desenho do arquiteto Cristino Silva, impondo-se desde então o nome Parque Mayer como designação genérica.

Com instalações precárias, o Parque Mayer foi-se tornando, aos poucos, um sítio carismático de diversão e boémia na cidade de Lisboa. Nos anos 30, começou por funcionar com divertimentos como barracas “dos tirinhos”, carrinhos de choque, carrosséis de feira, “roleta diabólica”, atrações várias, como o circo do El Dorado, e combates de boxe e luta-livre. Deste modo, o Parque Mayer rapidamente se tornou um recinto de convívio e de feira ao ar livre, onde não faltavam restaurantes, bares, cabarets, retiros e tascas, atraindo um público aficionado. Em 1932, por sugestão de Leitão de Barros, realizou-se aí o primeiro desfile de grupos representantes dos bairros lisboetas que, posteriormente, dará origem às Marchas Populares.

Neste espaço, a que acorria um público ávido de diversão, foram sendo construídos vários teatros: o Teatro Maria Vitória (1922), o Teatro Variedades (1926), e o Teatro Capitólio (1931), sendo este – pelo traço de Luís Cristino Silva – um importante marco da arquitetura modernista em Portugal. Em 1956 edificou-se o último dos recintos – o Teatro ABC – que encerrou definitivamente em 1997. Outras casas de espetáculo tiveram vida mais efémera, como foi o caso do Teatro Recreio em 1937, que foi edificado por iniciativa do empresário Giuseppe Bastos e esteve apenas três anos em funcionamento.

A história do Parque Mayer é indissociável do percurso político, social e cultural do país. No início dos anos 70 assistiu-se, neste espaço, a uma completa renovação de autores, artistas e da própria estrutura da revista à portuguesa, como foi o caso, em 1972, de É o fim da macacada, de Francisco Nicholson, Gonçalves Preto e Nicolau Breyner, no teatro ABC. Numa avaliação do que então se iniciava, o crítico de teatro Carlos Porto escreveu: “Estas revistas […] propunham a renovação do espectáculo nos seus aspectos mais caducos: música, coreografia, encenação e o próprio texto […] na vontade de trabalhar o material como um todo orgânico” (PORTO/MENEZES 1985: 31). Tudo o que era intocável na fórmula da revista foi contestado. A esta mudança estão ligados autores como José Viana, Aníbal Nazaré, Francisco Nicholson e Gonçalves Preto que ousaram abordar assuntos até aí interditos. “A revista colocava-se ao lado das forças progressistas e, à sua maneira, contornando astuciosamente os obstáculos levantados pela censura, ajudava a abalar os alicerces carcomidos do regime” (REBELLO 1985: 146).

Após o 25 de Abril, compreensivelmente, os autores apressaram-se a colocar em cena os quadros que tinham sido interditados pela censura. O uso do palavrão passou a ser recorrente em muitos dos textos levados à cena, em muitos casos com alguns excessos despropositados, redundando mesmo em pura obscenidade. Luiz Francisco Rebello conta que as revistas no Parque Mayer oscilavam, neste período, “entre uma difícil e duvidosa neutralidade e uma viragem radical à direita” (REBELLO 1985: 175). Assim, alguns trabalhadores do teatro ABC decidiram sair do Parque para formar, em 1974, uma cooperativa de teatro: o Adoque. Propunham-se fazer um teatro de revista de tendências progressistas, e fixaram-se no Martim Moniz, num teatro desmontável que fora pertença da Companhia Rafael de Oliveira. No Parque Mayer mantiveram-se os artistas com uma ideologia mais conservadora e o repertório ressentiu-se, por vezes, desse excessivo zelo.

Mas nem só de teatro de revista viveu o Parque Mayer: espetáculos de jazz, de fado, operetas, comédias e circo atraíram um vasto público: burguês e popular, lisboeta e de fora. Acima de tudo, porém, o Parque Mayer foi a “capital da revista”, a “Broadway lisboeta”, com uma trepidante vida noturna, consagrando artistas como Raul Solnado, José Viana, Beatriz Costa, Ivone Silva, Henriqueta Maia, Herman José, entre tantos outros. Também Francis Graça abrilhantou os espetáculos do Parque com coreografias inovadoras e técnicas importadas de ballets mundiais, devendo-se a compositores como Frederico Valério e Raul Ferrão êxitos musicais como os fados protagonizados por Amália Rodrigues. Entre os empresários que marcaram alguns dos êxitos do teatro de revista estão Giuseppe Bastos, Vasco Morgado, Eugénio Salvador e, mais recentemente, Hélder Freire Costa.

Nos anos áureos do Parque Mayer, os espetáculos tinham duas sessões durante a semana (incluindo o sábado) e três aos domingos e feriados, empregando centenas de pessoas entre artistas, costureiras, carpinteiros, técnicos de iluminação, e vários outros profissionais envolvidos na produção de espetáculos de revista. Mesmo com os quatro teatros a apresentarem espetáculos em simultâneo, as lotações esgotavam muitas vezes.

Ao longo da sua história, “O Parque Mayer foi o espelho de muitas das mudanças na sociedade lisboeta, nos seus avanços e recuos” (TRIGO/REIS 2006: 8). Testemunha destas mudanças foi o pintor, maquetista, cenógrafo e figurinista Mário Alberto, conhecido como o último “resistente” do Parque Mayer. Ali o artista tinha o seu atelier num primeiro andar, onde passou a morar desde 1973. Conviveu e colaborou com artistas e profissionais do teatro tendo assinado a cenografia e os figurinos de inúmeras revistas que aí subiram à cena.

A madrugada era a altura do dia em que o Parque Mayer parecia mais apetecível para os boémios que conviviam com prostitutas, bêbados, coristas e artistas da revista ou de outras artes de palco, pessoas que “possuem a consciência da noite, porque a noite é um outro mundo.” (AA.VV. 2002: 54) E foi nesse mundo que Mário Alberto viveu até perto do fim da sua vida, tendo no Parque Mayer o seu microcosmo particular. 

Ainda que, esporadicamente, o espaço do Parque Mayer tenha servido nos últimos anos como recinto de apresentação de espetáculos ao ar livre, concertos no âmbito dos festivais de verão ou gravações de programas de televisão numa tentativa de restituir a este espaço a vida de outrora, é visível o abandono e a falta de manutenção.

As primeiras ideias de remodelação para o Parque Mayer começaram por surgir no início da década de 70. No ano de 1994, no âmbito de “Lisboa – Capital da Cultura” também se falou numa “renovação dos espaços teatrais” que incluiria o Parque Mayer, o que acabou por não se verificar. Em 1999 este espaço foi adquirido pela empresa Bragaparques e encontra-se no meio de um conflito de interesses que impede a reestruturação deste espaço, embora seja invocada há décadas como compromisso de campanha de quase todos os candidatos à Câmara Municipal de Lisboa.

 

Bibliografia

AA.VV. (2002). IVAngelho II Mário Alberto – vidas laicas. Amadora: ed. Sojorama.

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CABRERA, Ana (2009). “Censura ao teatro nos anos cinquenta” in: Sinais de Cena, nº12. Lisboa: APCT/CET, pp. 27-29.

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FRANCISCO, Rui / RAMOS, José (1992). “Mayer, o Parque Triste”, in AA.VV, Arqueologia e recuperação dos espaços teatrais: compilação das comunicações apresentadas no colóquio. Lisboa: ACARTE/ Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 277- 288.

NEGRÃO, Albano Zink (1965). O Parque Mayer: cinquenta anos de vida. Lisboa: Editorial Notícias.

PORTO, Carlos / MENEZES, Salvato Teles (1985). 10 anos de teatro e cinema em Portugal : 1974-1984. Lisboa: col. Nosso Mundo, ed. Caminho.

REBELLO, Luiz Francisco (1984). História do Teatro de Revista em Portugal. Vol.I. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

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SANTOS, Vítor Pavão (1978). A revista à portuguesa: uma história breve do teatro de revista. Lisboa: O jornal.

SEQUEIRA, Gustavo Matos (1947). “O teatro de revista” in A evolução e o espírito do teatro em Portugal: 2º ciclo de conferências promovidas pelo “Século”. vol. II. Lisboa: Sociedade Nacional de Tipografias.

SILVA, Varela (1992). Camarim com janela para a rua: histórias de teatro. Lisboa: Estampa.

TRIGO, Jorge / REIS, Luciano (2004). Parque Mayer, (1922/1952) vol.I. Lisboa: Sete Caminhos.

___ (2005). Parque Mayer, (1953/1973), vol II. Lisboa: Sete Caminhos.

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VIDAL, Isabel (2009). “Duplo sentido” in: Sinais de Cena, nº12. Lisboa: APCT/CET, pp. 30-32.

 

Consultar a ficha de espaço na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espaco&ObjId=3132

Consultar imagens no OPSIS:

http://opsis.fl.ul.pt/

 

Andreia Brito Silva/Centro de Estudos de Teatro

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luis.morgado@instituto-camoes.pt (Luís Morgado) Destaque Teatro em Portugal - Espaços Teatro em Portugal Tue, 14 Aug 2012 14:07:44 +0000
Teatro (Novo) da Rua dos Condes http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-novo-da-rua-dos-condes-dp1.html http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-novo-da-rua-dos-condes-dp1.html

(Rua dos Condes, Lisboa, Portugal: 1888-1951)

O Teatro “novo” da Rua dos Condes foi construído, em 1888, no local onde se encontra atualmente o edifício do Cinema Condes (hoje ocupado pelo Hard-Rock Café).

  Teatro Condes
  Teatro da Rua dos Condes (fachada), post. 1888 [Arquivo Municipal de Lisboa – Arquivo Fotográfico].

O edifício, da autoria de Dias da Silva, foi alvo de grandes remodelações: uma em 1898 e outra, já como cinema, em 1919. Foi primeiro propriedade de Francisco Grandella, mas passou, em 1916, para as mãos da firma Castello Lopes, ano em que veio a ser oficialmente denominado Cinema Condes. Enquanto teatro a sua estreia ocorreu a 23 de dezembro de 1888, com os espetáculos Ontem e hoje e As duas rainhas, antecedidos por um monólogo inaugural recitado pelo ator Taborda. Até 1915 – ano em que foi transformado em cinema – foi um espaço dedicado, principalmente, à opereta e ao teatro de revista. Foi demolido, em 1951, para dar lugar ao edifício do Cinema Condes, estrutura ainda hoje presente no lado nascente do início da Avenida da Liberdade.

Nos terrenos do velho Teatro da Rua dos Condes – demolido apenas em 1882 – foi construído, em 1888, um novo teatro, que ficou conhecido como o Teatro Novo da Rua dos Condes. Entre a demolição de um e a construção do outro, esteve em funcionamento, naquele mesmo lugar, entre 1883 e 1886, um pequeno teatro denominado Teatro-Chalet, comummente chamado “Chalet do Araújo”, nome retirado do seu proprietário: o ator Manoel José de Araújo. Todavia, os anos de atividade deste espaço estão envolvidos em alguma incerteza, uma vez que há autores, como Luís Soares Carneiro, que apontam como possibilidade que a sua demolição tenha ocorrido apenas em 1888 (CARNEIRO 2002b: 879). O Chalet foi caracterizado por vários autores, entre eles Gervásio Lobato, como um “[…] reles barracão […]” (LOBATO 1889: 10) de madeira que, apesar de não ter grandes condições, deu ao seu proprietário lucros consideráveis.

O proprietário do Chalet acabou por vender os terrenos do “velho” Condes a Francisco de Almeida Grandella, o abastado comerciante e futuro proprietário dos Armazéns Grandella. Após a demolição do barracão de madeira, deu-se início à construção do edifício do Teatro Novo da Rua dos Condes, cujas obras foram financiadas por uma sociedade encabeçada por Grandella e formada por “títulos de dez mil réis, com garantia de entrada por meios preços nos espectáculos, quatro vezes por mez, e amortizáveis cada anno, por sorteio” (Anon. 1889b: 27). Estes títulos, revela-nos Sousa Bastos, eram “amortizáveis em dez annos” (SOUSA BASTOS 1898: 359) e foram pagos atempadamente e na totalidade.

A edificação do novo teatro ficou ao encargo do arquiteto Dias da Silva, que projetou um edifício que ocupava “apenas [uma] área de 32 metros de comprimento e 15 de largura” (ibidem: 461): dimensões significativamente mais reduzidas que o edifício do “velho” Condes, que contava com 34 m de comprimento e 24 de largura ao longo da atual Avenida da Liberdade. Esta redução espacial foi consequência do alargamento da Rua dos Condes, decretado pela Câmara após a destruição do velho pardieiro, em 1882.

Contrariamente ao “velho” Condes, a fachada principal do teatro ganhou nova orientação por questões de reorganização do espaço urbano, uma vez que a Avenida da Liberdade se tornara, entretanto, uma área de importância crescente no tecido urbano e social, pelo que a entrada lateral (a da Rua dos Condes) ficou desde então reservada apenas aos artistas e restantes funcionários do teatro. O público entrava agora por três grandes portas viradas para a Avenida, que se abriam para um vestíbulo através do qual se tinha acesso ao ”espaçoso salão-bufete” (Anon. 1889b: 27) que ocupava todo o piso térreo do teatro e cujo teto fora executado pelo pintor Augusto Gameiro, em estilo árabe. Este mesmo vestíbulo dava, também, acesso à plateia – situada imediatamente acima do botequim – e pisos superiores, por meio de duas largas escadarias.

Relativamente à sala, recordamos a descrição de Sousa Bastos que nos revela que a “[…] platéa é dividida em quatro classes: fauteuils, cadeiras, superior e geral. Junto ao palco há 3 pequeninas frizas de cada lado. Tem duas ordens de camarotes com 21 em cada uma” (SOUSA BASTOS 1898: 359). A decoração desta sala, que ostentava no teto medalhões com retratos de grandes figuras do teatro português (como Garrett ou Emília das Neves), ficou a cargo dos cenógrafos Eduardo Reis e Júlio Machado e foi muito criticada por Sousa Bastos que fez uma apreciação extremamente negativa deste teatro, considerando acanhado o seu palco (SOUSA BASTOS 1898: 359). Contudo, Gervásio Lobato, num tom mais otimista, revela-nos “[…] um theatrinho pequeno, mas muito fresco, muito elegante e muito aceado” (LOBATO 1889: 10), com um interior que correspondia “[…] perfeitamente ao seu aspecto exterior, que produz muito boa impressão e apesar de não ter luxo de architectura, tem uma apparencia sympathica e elegante […]” (ibidem).

Este novo edifício, “[…] garrido, ornado de lucarnas e janelas esguias […]” (Anon. 1888: 2), mas de fachada elegante e com maior comodidade que o “velho” Condes, estava, também, melhor equipado que este último na eventualidade de um incêndio, uma vez que não só possuía corredores mais espaçosos, como havia “[…] uma completa intercepção entre o local destinado ao público e o palco, tornando-se impossível a communicação d’incêndio d’um para outro lado” (Anon. 1889b: 27). O “novo” Condes foi, deste modo, a primeira sala de espetáculos em Portugal a ter um mecanismo corta-fogo.

Os primeiros empresários a explorar o espaço foram Salvador Marques e Casimiro de Almeida. Juntos montaram uma companhia dirigida e ensaiada por Sousa Bastos e composta por Pepa Ruiz, Guilhermina de Macedo, Laura Godinho, Luiza d’Oliveira, Encarnação Reis e Isabel Ficke, bem como por Alfredo Carvalho, Sergio d’Almeida, Roque, Salazar, Mathias d’Almeida, Carlos Rocha, Caetano Reis, Pinheiro, Pereira d’Almeida, Lima e Cruz (Ibidem). Foi esta mesma companhia que, a 23 de dezembro de 1888, inaugurou o espaço. O espetáculo foi composto por uma peça em dois quadros de Baptista Machado, Ontem e hoje, bem como pela opereta em dois atos, As duas rainhas, com tradução de Joaquim Augusto de Oliveira e Sousa Bastos. Estas duas apresentações não foram muito bem recebidas, ao contrário do monólogo de inauguração da sala recitado pelo ator Taborda no início da noite (Ibidem). Os espetáculos que se seguiram foram, tal como o primeiro, recebidos de forma pouco entusiástica pelo público do Condes. Todavia, o vaudeville de Sousa Bastos, O casamento de Nitouche, alcançou um sucesso considerável, trazendo fortes receitas de bilheteira e um aumento de popularidade para a nova sala (Ibidem).

Em 1898 o edifício sofreu obras de remodelação internas, que pouco mais fizeram do que eliminar o botequim do piso térreo, descendo a plateia ao nível da rua. Esta modificação aumentou a lotação da sala ao criar duas novas ordens de balcões abaixo dos já existentes. O palco foi nivelado com a plateia e os camarins, e na cave foram construídos diversos espaços de apoio à realização dos espetáculos. Sousa Bastos, referindo-se a estas alterações ao edifício, confessava que “[…] o theatro ficou um verdadeiro poço, sem comodidades algumas para o público e ainda menos para os artistas. Se era mau, ficou muito peior depois da obra” (SOUSA BASTOS 1908: 359).

Ao longo dos quase 30 anos de atividade teatral, o reportório do “novo” Condes foi maioritariamente composto por teatro de revista e operetas, contando com êxitos como O solar dos Barrigas (1892), O reino da bolha (1897) ou Agulhas e alfinetes (1899). Pelo seu palco passaram grandes nomes como Valle, Chaby, António Pedro ou Ângela Pinto, até que, em janeiro de 1915, devido à diminuição da afluência de público e consequente perda de receita financeira, o Condes deu por terminada a sua existência enquanto teatro para se converter em cinema pela mão do empresário do Olympia, Leopoldo O’Donnell.

A sua estreia como cinema ocorreu a 2 de abril de 1915, com o filme italiano Cleópatra, mas as receitas insatisfatórias levaram O’Donnell a abandonar o projeto. Contudo, José Martins Castello Lopes viu no espaço uma oportunidade a aproveitar e a 5 de fevereiro de 1916 deu início à exploração do espaço pela empresa Castello Lopes, passando, desde então, a utilizar a designação oficial de Cinema Condes. O edifício, construído em 1888, foi, no verão de 1919, alvo de obras que alteraram significativamente o seu interior, aumentando a sua lotação e transformando o ambiente e a disposição da sala (RIBEIRO 1978: 123). Esse mesmo edifício manteve-se no ativo enquanto cinema até 1951, ano da sua demolição, para dar lugar a uma sala construída de raiz – projeto do arquiteto Raul Tojal – especificamente para o efeito. Inaugurado a 30 de outubro de 1951, o Cinema Condes manteve-se como sala de projeção até 1997, ano em que deixou de poder competir com as novas salas de cinema dos centros comerciais. Este edifício – cuja fachada foi embelezada pelos baixos-relevos realizados pelo escultor Aristides Vaz – mantém, ainda hoje, o seu aspeto exterior original, embora tenha sofrido profundas alterações ao nível do seu interior para receber, a partir de 2003, o Hard-Rock Café de Lisboa.

 

Bibliografia

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___ (1889a). “Pelos palcos” in A Comédia Portugueza, 19 janeiro 1889, Lisboa, p.7.

___ (1889b). “O novo theatro da Rua dos Condes” in O Occidente, nº 364, 1 fevereiro 1889, Lisboa, p.27.

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___ (1898b). “Chronica Occidental” in O Occidente, nº 714, 30 outubro 1898, Lisboa, p.242.

___ (1898c). “Chronica Occidental” in O Occidente, nº 717, 30 novembro 1898, Lisboa, p.265.

CARNEIRO, Luís Soares (2002a). Teatros portugueses de raíz italiana, vol. I. Dissertação de Doutoramento em Arquitetura, apresentada à Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (texto policopiado).

___ (2002b). Teatros portugueses de raíz italiana, vol. II. Dissertação de Doutoramento em Arquitetura, apresentada à Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (texto policopiado).

DIAS, Marina Tavares (1990). Lisboa desaparecida, vol. II. Lisboa: Quimera Editores.

LOBATO, Gervásio (1889). “Chronica Occidental” in O Occidente, nº 362, 11 janeiro 1889, Lisboa, p.10.

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REBELLO, Luiz Francisco (1978). Dicionário do Teatro Português. Lisboa: Prelo.

RIBEIRO, M. Félix (1978). Os mais antigos cinemas de Lisboa 1896-1939. Lisboa: Instituto Português do Cinema – Cinemateca Nacional.

SOUSA BASTOS, António de (1898). Carteira do Artista. Lisboa: Antiga Casa Bertrand.

___ (1908). Dicionário de teatro português. Lisboa: Imprensa Libânio da Silva.[Uma edição fac-similada do original saiu em 1994 em Coimbra, pela Minerva]. 

 

Consultar a ficha de espaço na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/cetbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espaco&ObjId=3417

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Eunice Azevedo/Centro de Estudos de Teatro

 

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Destaque Teatro em Portugal - Espaços Teatro em Portugal Tue, 05 Jun 2012 14:52:47 +0000
Teatro ABC http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-abc.html http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-abc.html

(Parque Mayer – 1250 Lisboa, Portugal)

Inaugurado em Janeiro de 1956, com o espetáculo Haja saúde de Carlos Lopes, Frederico Brito, João de Vasconcelos e Ferrer Trindade, o Teatro ABC foi o quarto e último teatro a ser edificado no Parque Mayer, em Lisboa.

  Teatro ABC
  Teatro ABC (entrada), s.d. [TRIGO / LUCIANO Parque Mayer, vol. II. Lisboa: Sete Caminhos, 2005, p.125].

Situado no terreno adjacente ao Teatro Maria Vitoria, foi construído por iniciativa do empresário José Miguel, que o dirigiu até 1971, ano da sua morte. Este espaço acolheu espetáculos infantis, teatro declamado, teatro de revista e foi a partir deste palco que se operaram mudanças estruturais na revista, nos tempos que antecederam o 25 de abril. Com a particularidade de ter sido a única sala aquecida do Parque Mayer, este recinto foi seriamente danificado por um incêndio em 1990 e reconstruído em 1993. Não obstante os esforços levados a cabo pelos seus empresários, este espaço encerrou definitivamente em 1997.

Já o Parque Mayer se tinha afirmado como espaço de lazer e recreio de grande popularidade na sociedade lisboeta quando o Teatro ABC foi edificado em 1956. Este recinto começou por funcionar como ringue de patinagem que, por sua vez, deu lugar ao cabaret Alhambra, seguindo-se o restaurante Galo de Ouro e o Pavilhão Português que tinha a particularidade de oferecer cinema ao ar livre a preços populares. À noite, este recinto transformava-se no cabaret Sevilha para deleite dos notívagos boémios. Foi com o espetáculo Haja saúde! de José Galhardo, Carlos Lopes e Frederico de Brito, e com Curado Ribeiro no papel de compère, que se inaugurou o Teatro ABC. Neste espaço fizeram a sua estreia, no teatro de revista, artistas como Vítor Mendes no espetáculo O gesto é tudo, de 1962, Mariema na revista É regar e pôr ao luar (1964) – da parceria Paulo da Fonseca, César de Oliveira e Rogério Bracinha – e Henriqueta Maia em Gente nova em bikini (1963), de César de Oliveira, Francisco Nicholson e Rogério Bracinha. Estes autores, entre outros, e as suas parcerias asseguraram o sucesso de muitas das revistas no Teatro ABC. Este recinto começou por ser explorado por José Miguel tendo passado para a gerência de Sérgio de Azevedo na década de 70 do século XX.

Foi a partir desta casa e com o empresário Sérgio de Azevedo que se empreenderam mudanças radicais na estrutura tradicional da revista à portuguesa, no início dos anos 70. O espetáculo É o fim da macacada (1972) – dos autores Francisco Nicholson, Nicolau Breyner, Gonçalves Preto, Rolo Duarte e Mário Alberto – marcou o início desta tentativa de restituição crítica à revista, tendo sido distinguido com o Prémio de Imprensa. Inovando nos textos, cenografia e música, o teatro de revista surgia com outra força, como sublinhava Luiz Francisco Rebello: “[…] bastou que a censura se tornasse menos rigorosa [com a subida de Marcelo Caetano ao poder] para que a imaginação dos autores se desprendesse e a revista voltasse a encontrar a sua veia natural (REBELLO 1985: 144-145). Em 1974 estava em cena no ABC a revista Tudo a nu que, após o 25 de Abril, passou a denominar-se Tudo a nu com parra nova. Neste espetáculo os autores criticavam também o projeto de urbanização elaborado nesta década e que visava a demolição do Parque Mayer. Este espetáculo contou também com a particularidade de ter alguns dos seus excertos transmitidos pelo Rádio Clube Português.

Naturalmente, os autores apressaram-se a pôr em cena os quadros antes proibidos pela censura. No entanto, a liberdade conquistada não trouxe resultados e ideias consensuais entre os atores e o empresário. Parte da companhia do ABC abandonou o teatro do Parque e fundou, em 1974, o Teatro Adoque para o qual se transferiram alguns dos artistas com ideias mais progressistas. No Parque Mayer permaneceram Sérgio de Azevedo e Nicolau Breyner, mas outros artistas importantes vieram reforçar a equipa como Ary dos Santos, Aida Baptista, Ivone Silva, Octávio Matos e Herman José, o que permitiu ao ABC manter o nível de qualidade a que o público já se havia habituado. Azevedo manteve-se como responsável das produções desta casa até 1978, sucedendo-lhe Carlos Santos com quem Marina Mota, como fadista, e Carlos Paião, como compositor, se estrearam no teatro. Neste mesmo ano, na revista Põe-te na bicha, António Calvário interpretou a canção “Mocidade, mocidade”, tema que perdura ainda na memória do grande público.

Em 1990 o ABC foi destruído por um incêndio quando estava em cena a revista Ai Cavaquinho, de Eduardo Damas, Camilo de Oliveira, Miguel Simões e Paulo César, pelo que teve de ser transferida para o Teatro Capitólio. Carlos Santos foi o empresário que recuperou este recinto com o apoio da Secretaria de Estado da Cultura. Três anos depois voltaria a abrir com o espetáculo Lisboa meu amor. O ano de 1997 ditou o seu encerramento definitivo.

 

Bibliografia

FRANCISCO, Rui / RAMOS, José (1992). “Mayer, o Parque Triste”, in AA.VV, Arqueologia e recuperação dos espaços teatrais: compilação das comunicações apresentadas no colóquio. Lisboa: ACARTE/ Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 277-288.

AZEVEDO, Sérgio (2003). Histórias de teatro e outras paralelas. Porto: Multisaber.

NEGRÃO, Albano Zink (1965). O Parque Mayer: cinquenta anos de vida. Lisboa: Editorial Notícias.

REBELLO, Luiz Francisco (1984). História do Teatro de Revista em Portugal. Vol.I. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

___ (1985). História do Teatro de Revista em Portugal. Vol.II. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

SANTOS, Vítor Pavão (1978). A revista à portuguesa: uma história breve do teatro de revista. Lisboa: O Jornal.

TRIGO, Jorge / REIS, Luciano (2004). Parque Mayer, (1922/1952) vol.I. Lisboa: Sete Caminhos.

___ (2005). Parque Mayer, (1953/1973), vol II. Lisboa: Sete Caminhos.

___ (2006). Parque Mayer, (1974/1994), vol III. Lisboa: Sete Caminhos.

 

Consultar a ficha de espaço na CETbase:

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Andreia Brito Silva/Centro de Estudos de Teatro

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luis.morgado@instituto-camoes.pt (Luís Morgado) Destaque Teatro em Portugal - Espaços Teatro em Portugal Tue, 14 Aug 2012 15:18:42 +0000
Teatro Baquet http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-baquet.html http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-baquet.html

(Porto, Portugal: 1859 – 1888)

Inaugurado em 1859, deve o seu nome ao alfaiate portuense António Pereira, conhecido por Baquet, responsável pela iniciativa da sua construção.

  Teatro Baquet
  Teatro Baquet, fachada principal, gravura de Nogueira da Silva, 1863 [Archivo Pittoresco, v. VI, p. 257].

O espetáculo da estreia, O segredo de uma família, de José Carlos Santos, foi da responsabilidade da companhia do Teatro do Ginásio, de Lisboa, que assegurou as restantes apresentações durante o primeiro mês de vida deste espaço. Inicialmente arrendado por companhias ambulantes, o Teatro Baquet só conheceu alguma estabilidade a partir de 1870, com a empresa Moutinho e a empresa Perry, entre outras, mas infelizmente por relativo pouco tempo – na noite de 20 para 21 de março de 1888, durante o espetáculo de benefício do ator Firmino, um incêndio deflagrou no palco, resultando na trágica morte de muitas dezenas de pessoas.

O Teatro Baquet, erguido num terreno entre a Rua de Santo António (atual Rua 31 de Janeiro) e a Rua Sá da Bandeira, herdou o seu nome do alfaiate Baquet, de quem partiu a iniciativa da sua construção. Nascido no Porto como António Pereira, Baquet emigrou para Espanha durante a adolescência, onde aprendeu o seu métier, e viajou por outras cidades, como Paris, onde adotou o apelido que o acompanhou para a vida e lhe valeu a fama de “estrangeiro” – fama que não terá sido prejudicial ao atelier que veio a abrir na Rua de Santo António, nº 157. O terreno ao lado deste atelier também pertencia ao alfaiate e foi nele que este decidiu construir um teatro com o seu nome, que competiria com o vizinho Teatro do Príncipe Real. Com uma tipologia particular – estendia-se da Rua de Santo António à Rua Sá da Bandeira, com um considerável declive entre elas – o terreno obrigou a que fosse construído um armazém na base, possibilitando a localização da fachada principal na Rua de Santo António. A obra, que se adivinharia demorada devido a esta particularidade, surpreendeu pela sua brevidade: foi iniciada a 22 de fevereiro de 1858, estando o edifício pronto para a inauguração a 13 de fevereiro de 1859, Carnaval, com um baile de máscaras.

Segundo Sousa Bastos, a planta do edifício era da responsabilidade do próprio Baquet (inspirada na planta da Ópera Comique de Paris, de acordo com Júlio César Machado (FERREIRA 2011: 52)), tendo Guilherme Correia assinado o desenho da fachada “da melhor qualidade de granito em que abundam os arrabaldes do Porto” (SOUSA BASTOS 1908: 321), adornada com quatro estátuas de mármore figurando a Comédia, a Música, a Arte e a Pintura. A base do edifício consistia num armazém em arcos de pedra, aberto para a Viela da Neta (posteriormente Travessa da Rua Formosa e entretanto desaparecida), e sobre este assentava a sala de espetáculos. A plateia situava-se um andar abaixo da entrada principal, ficando esta nivelada com a primeira e segunda ordens de camarotes, e existia ainda um outro andar, ao nível da terceira ordem de camarotes, onde se encontrava o salão, com janelas e varandas para a Rua de Santo António. Inicialmente com 82 camarotes – ambição excessiva, que resultou em compartimentos demasiado estreitos – as ordens sofreram logo uma remodelação, que resultou no número mais sensato de 68 camarotes no total, complementados com duas frisas. O teatro incluía ainda uma sala destinada à pintura dos cenários (reputada como melhor que a do Teatro de São João), e um grande número de camarins situados por baixo do palco, com acesso através da Viela da Neta – acesso utilizado por todo o pessoal do teatro. Os pormenores decorativos do espaço só foram terminados após o Carnaval, tendo o trabalho de pintura sido assinado por Faria Teives e o de talha dourada da responsabilidade de Rossi, e também só nessa altura foram instaladas as cadeiras na plateia (cujo conforto ficava aquém das expectativas, alimentada pela riqueza da iluminação e das pinturas do proscénio e do pano de boca).

Era consensual a opinião de que o Teatro Baquet tinha resultado num espaço elegante e com bom gosto, apreciado na sua totalidade aquando da inauguração solene, a 16 de julho de 1859. Para o espetáculo inaugural Baquet contratou a companhia do Teatro do Ginásio, de Lisboa, que apresentou O segredo de uma família (comédia em 3 atos original do ator e diretor José Carlos Santos) e ainda a poesia Assim é que eu gosto d’ella – estreia recebida com agrado, onde tiveram particular sucesso José Carlos Santos, o ator Marcelino “que no papel de idiota andou perfeitamente” e ainda o pintor Rocha, aplaudido pelas suas pinturas “magníficas”, realizadas “com muito esmero” (Jornal do Porto, 18-07-1859, p. 3). A companhia assegurou as apresentações durante o primeiro mês de vida do espaço, com um elenco composto por, entre outros, os atores Taborda, Romão e Emília Letroublon.

Após a abertura, o teatro assistiu a um longo período de instabilidade durante o qual, sem companhia própria, se tornou espaço de acolhimento de companhias em itinerância ou ambulantes, resultando em apresentações esporádicas e sem um género específico associado. A situação mudou com a empresa Moutinho, que explorou o Baquet a partir de 1870, arrendando-o a D. Ignácia de la Bica, viúva do alfaiate Baquet e proprietária do teatro desde a morte deste, em 1869. Depois da morte de D. Ignácia, o teatro passou para o então seu marido António Teixeira d’Assis (por sinal, ex-sócio do alfaiate Baquet) e, com a morte deste, para a sua mãe, D. Anna Victória d’Ascenção. Tão intrincada como esta rede de propriedade foi a sucessão de empresas de exploração, na sua maioria constituídas por grupos cuja ligação era efémera e que se viam constantemente reformulados e reorganizados, com novos e antigos elementos – o que não impediu o Baquet de servir de palco aos melhores nomes da cena portuguesa de então, como Emília das Neves, Lucinda Simões, João Anastácio Rosa e ainda Augusto Rosa, que ali se estreou em 1872. À empresa Moutinho, ensaiada pelo ator Romão, seguiu-se uma sociedade de atores formada por Gama, Soller, Amaral e Domingos d’Almeida, que não conseguiu o sucesso financeiro esperado, sendo substituída pela empresa A. Portugal & Cia. (com o tenor Portugal). O insucesso desta deu lugar a uma nova sociedade de atores, apoiada pelo jornalista Borges d’Avelar, que não evitou a fuga dos melhores elementos para o Teatro do Príncipe Real (onde se formava uma nova companhia de opereta), seguindo-se, na exploração do teatro, a empresa da atriz Emília Adelaide, também esta destinada à falência. Uma outra sociedade de atores, ensaiada pelo ator Amaral, foi substituída pela empresa Perry que, terminada em 1887, deu lugar à empresa do maestro Cyriaco Cardoso – cujo percurso, com um início auspicioso de apresentações de êxito, foi tragicamente interrompido poucos meses depois.

Foi durante a festa de benefício do ator Firmino Rosa, na noite de 20 para 21 de março de 1888, que um incêndio consumiu em poucas horas todo o interior do Teatro Baquet. A programação – extensa – incluía a ópera cómica Dragões de Vilares e a zarzuela Grã via, ambas do agrado de um público entusiasmado que “pedia furiosamente bis” (SOUSA BASTOS 1908: 321). Foi a troca apressada de panos de fundo, para repetir a cena anterior – o quadro “Os três ratas”, desempenhado por Firmino, Sanches e Gomes – que fez com que, no contacto com uma gambiarra, um dos panos se incendiasse. O pano de boca foi baixado rapidamente, mas não impediu que o fogo fosse anunciado momentos depois pelos espectadores de um camarim com um postigo sobre o palco. O rápido alastrar do fogo, o fumo intenso, a falta de iluminação (tendo sido cortado o gás assim que o incêndio deflagrou) e o pânico geral resultaram no desfecho trágico da morte de cerca de 120 pessoas. Nos bastidores, quase todos se salvaram devido à saída para a Viela da Neta (entretanto desativada, aquando da abertura de uma saída para a Rua Sá da Bandeira após a morte do alfaiate Baquet), sorte não partilhada pelos espectadores que não conseguiram chegar às saídas no curto espaço de tempo em que a fuga seria possível – “em menos de duas horas, do belíssimo Teatro Baquet, restavam apenas as quatro escalavradas paredes exteriores” (FERREIRA 2012: 124).

A tragédia comoveu o país inteiro, incluindo a rainha D. Maria Pia, que foi ao Porto visitar os familiares das vítimas e assistir às várias cerimónias fúnebres e de angariação de fundos, de que se destaca o espetáculo de 25 de março de 1888, no Palácio de Cristal, com artistas de todo o país. O caso do Baquet incentivou os governantes à criação de novas e reforçadas medidas de segurança relativamente aos teatros e casas de espetáculo.
Atualmente (2013), o espaço do Baquet na Rua Sá da Bandeira é ocupado pelo Hotel Teatro que, após os Grandes Armazéns Hermínios (também ali construídos), recupera parcialmente a memória do teatro que – por razões também menos felizes – marcou a história do país.

 

Bibliografia

ANON. (1859). [sem título], Jornal do Porto, 16-07-1859, p. 2.

___ (1859b). “Companhia do Gymnazio”, Jornal do Porto, 18-07-1859, p. 3.

___ (1889a). “A grande catastrophe”, Jornal do Porto, 21-03-1889, p. 1.

___ (1889b). “A catastrophe do Baquet – Um anno depois”, Jornal do Porto, 21-03-1889, p. 1.

BRITO, Maria Fernanda de (1982). “O «Baquet» na mira de um fotógrafo amador” in Bibliotheca Portucalensis, nº2. Porto: BPMP/Imprensa Portuguesa, pp. 9-79.

FERREIRA, Laurinda (2012). “O Teatro do quintal do senhor Baquet” in Sinais de Cena, nº18. Lisboa: APCT/CET, pp. 119-128.

FERREIRA, Licínia Rodrigues (2011). Júlio César Machado cronista de Teatro: Os folhetins d’A Revolução de Setembro e do Diário de Notícias. Dissertação de Mestrado em Estudos de Teatro apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (texto policopiado).

FILINTO, Jayme (1888). A grande catastrophe do Theatro Baquet : narrativa fidedigna do terrivel incendio occorrido em a noite de 20 para 21 de Março de 1888, precedida da historia do theatro. Porto: Alcino Aranha.

SOUSA BASTOS, António (1908). Diccionário de Theatro Portuguez. Lisboa: Imp. Libanio da Silva (há uma edição fac-similada de 1994. Coimbra: Minerva).

 

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Joana d’Eça Leal/Centro de Estudos de Teatro

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joao.ramosmarques@camoes.mne.pt (João Marques) Destaque Teatro em Portugal - Espaços Teatro em Portugal Fri, 13 Nov 2015 16:53:56 +0000
Teatro Capitólio http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-capitolio.html http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-capitolio.html

(Parque Mayer – 1250 Lisboa, Portugal)

Inaugurado a 31 de julho de 1931, o cine-teatro Capitólio foi projetado pelo arquiteto Luís Cristino da Silva e contou com José Belard da Fonseca para a edificação da estrutura de betão armado.

  Teatro Capitólio
  Teatro Capitólio (fachada), 1961, fot. C. Madeira [cortesia do Museu Nacional do Teatro, cota: 57624].

Situado no Parque Mayer, em Lisboa, este edifício é um marco histórico do modernismo nacional, tendo sido considerado Imóvel de Interesse Público em 1983 pelas suas características inovadoras. Ocupou o lugar onde antes se encontrava a “Esplanada Egípcia“ e foi o recinto do Parque que ofereceu uma maior variedade de espetáculos ao público: desde filmes portugueses, filmes pornográficos, teatro de revista, circo e operetas. Pioneiro em muitas das inovações do país (como uma pista de patinagem no gelo e cinema ao ar livre), tem também a particularidade de ser apontado como o edifício que abrigou as primeiras escadas rolantes do país para acesso ao seu terraço. Assim como o Teatro Variedades e o Teatro ABC, igualmente situados no Parque Mayer, também o Capitólio não escapou à usura do tempo.

Com a edificação do cine-teatro Capitólio, em julho de 1931, pelo traço de Luís Cristino Silva – o mesmo que projetou o pórtico da entrada do Parque Mayer – inaugurou-se a terceira sala de espetáculos deste recinto. Construído pela Sociedade Avenida Parque, Lda., detentora do espaço do Parque Mayer, o Capitólio foi inaugurado já por Campos Figueira uma vez que Luís Galhardo, a figura de maior destaque da Sociedade, havia falecido. Para a sua construção perdeu-se a “Esplanada Egípcia”, um dos recintos de convívio do Parque, onde se estreara Hermínia Silva. No terraço eram apresentadas projeções ao ar livre que se revelaram bastante populares no verão.

Os filmes portugueses A Severa (1931), de Leitão de Barros, e A canção de Lisboa (1933), de José Cottinelli Telmo, foram aqui apresentados ao público em 1934, assim como muitos outros clássicos do cinema que juntavam multidões no Parque Mayer. Também os bailes de Carnaval eram uma das atrações do Teatro Capitólio, “considerado o melhor, mais categorizado e acessível Carnaval de Lisboa!” (TRIGO/REIS 2005: 103) Emissões radiofónicas, do programa O comboio das seis e meia, fizeram igualmente parte da atividade deste espaço. Do mesmo modo, e com as produções da companhia brasileira Teatro Popular de Arte, de Maria Della Costa, este teatro apresentou ao público português espetáculos teatrais como A alma boa de Setsuan, de Bertolt Brecht, em 1960. Sendo a única peça de Brecht que pôde ser representada em Portugal na época do fascismo (por questões diplomáticas – de uma desejada boa relação política - entre Portugal e Brasil), este espetáculo marcou a história do Capitólio pelo tumulto que gerou entre a plateia logo no dia de estreia. Alguns elementos do público – de simpatia pelo regime de Salazar – contestaram, manifestando-se contra a peça do autor alemão arremessando objetos para o palco. Valeu à companhia a intervenção policial e a expulsão dos desordeiros. As representações foram, no entanto, canceladas poucos dias depois.

Após as apresentações da companhia brasileira, Raul Solnado, Carlos Coelho, Humberto Madeira e Vasco Morgado exploraram a sala do Capitólio na temporada de 1960/1961. A composição musical de todos os seus espetáculos (não só revistas) estava assegurada pelo maestro Frederico Valério. O primeiro espetáculo de revista apresentado por esta nova “sociedade” foi A vida é bela (1960), de Fernando Santos e Nelson de Barros.

Depois do incêndio que deflagrou no Teatro Nacional em 1964, a companhia de Amélia Rey Colaço deslocou-se para o Teatro Avenida. No entanto, também esse espaço foi consumido por um fogo em 1967, interrompendo a representação do espetáculo Equilíbrio instável, de Edward Albee. Amélia Rey Colaço mudou-se, assim, com a sua companhia no ano seguinte para o palco do Teatro Capitólio para continuar com a apresentação do espetáculo. Aqui permaneceram até 1970.

Foi também neste espaço que aconteceu o primeiro Festival Internacional de Magia, em novembro de 1972, um ano antes de Laura Alves assumir a direção da companhia teatral do Capitólio. Com a abolição da censura, em 1974, este foi o cinema que apresentou, pela primeira vez em Portugal, o filme pornográfico Garganta funda, acabando por se especializar neste tipo de reportório cinematográfico. Em 1990, o teatro acolheu Camilo de Oliveira e o seu espetáculo Ai, cavaquinho, devido a um incêndio que consumiu o ABC, onde se representava a revista.

Sendo o único edifício com valor arquitetónico do Parque, o Capitólio não escapou, contudo, à passagem dos anos, à falta de manutenção e ao afastamento do público, pelo que entrou num visível estado de degradação. Foi considerado Imóvel de Interesse Público, a 24 de janeiro de 1983, pelos seus traços modernistas, sucedendo-se, desde então, várias tentativas para o resgatarem ao abandono. Em agosto de 2009, a Sociedade Portuguesa de Autores propôs a atribuição do nome do ator Raul Solnado ao Teatro, mas para que isso se efetivasse “o Capitólio dever[ia] ser remodelado de forma a acolher com a dignidade devida esse novo nome". No primeiro trimestre de 2010 deu-se início ao processo de reabilitação deste espaço.

 

Bibliografia

FRANCISCO, Rui / RAMOS, José (1992). “Mayer, o Parque Triste”, in AA.VV, Arqueologia e recuperação dos espaços teatrais: compilação das comunicações apresentadas no colóquio. Lisboa: ACARTE/ Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 277- 288.

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REBELLO, Luiz Francisco (1984). História do Teatro de Revista em Portugal. Vol.I. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

___ (1985). História do Teatro de Revista em Portugal. Vol.II. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

SANTOS, Vítor Pavão (1978). A revista à portuguesa: uma história breve do teatro de revista. Lisboa: O jornal.

TRIGO, Jorge / REIS, Luciano (2004). Parque Mayer, (1922/1952) vol.I. Lisboa: Sete Caminhos.

___ (2005). Parque Mayer, (1953/1973), vol II. Lisboa: Sete Caminhos.

___ (2006). Parque Mayer, (1974/1994), vol III. Lisboa: Sete Caminhos.

 

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Andreia Brito Silva/Centro de Estudos de Teatro

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luis.morgado@instituto-camoes.pt (Luís Morgado) Destaque Teatro em Portugal - Espaços Teatro em Portugal Tue, 14 Aug 2012 15:20:09 +0000
Teatro D. Fernando http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-d-fernando.html http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-d-fernando.html

(Rua dos Fanqueiros, Lisboa 1849-1859)

Localizado em plena Baixa Lisboeta, o Teatro D. Fernando foi implantado no lugar anteriormente ocupado pela Igreja de Santa Justa, um dos lugares de culto mais frequentados da cidade.

  Teatro D. Fernando
  Ilustração do Teatro D. Fernando [Revista popular, nº 37, 1849, p. 721].

Com a frente orientada para o atual Largo de Santa Justa, na continuidade da Rua dos Fanqueiros, e a fachada posterior voltada para a Rua da Madalena, o prédio de gaveto tinha ainda uma terceira fachada voltada para as escadas, que ligam as ruas supracitadas, vencendo o desnível entre elas. Projetado pelo arquiteto/engenheiro francês Arnould Bertin, o teatro – resultando da iniciativa privada do empresário Francisco Rodrigues Batalha – foi inaugurado no dia do aniversário do rei, que lhe dá o nome, tendo-se mantido em atividade até 1859.

O projeto do Teatro D. Fernando inseria-se no plano urbanístico da Baixa Pombalina, da autoria de Eugénio dos Santos e ajustado por Carlos Mardel, à época ainda em execução. Dadas as dimensões do espaço onde foi implantado o edifício, ainda hoje observável, é possível adivinhar algumas dificuldades no seu programa de execução, assim como alguns inconvenientes para o adequar a uma sala de espetáculos. Todavia, acabou por se revelar suficientemente grande para acomodar com algum conforto os 636 espectadores que preenchiam a sala, e não faltavam sequer camarotes forrados de materiais nobres. Atendendo à estreiteza do terreno, o resultado não deixou de ser um interessante exercício de arquitetura.

O projeto foi do arquiteto/engenheiro francês Arnould Bertin, e as pinturas, que o decoravam no interior, eram de vários artistas da época, como Achille Rambois, Giuseppe Cinati, Rusconi e Inácio Caetano.

A construção do Teatro D. Fernando deveu-se à iniciativa privada do empresário Francisco Rodrigues Batalha, antigo negociante comercial, mantendo uma actividade regular durante um período aproximado de 10 anos, que podemos situar entre 29 de outubro de 1849 – coincidindo a inauguração com o aniversário do rei que lhe dá o nome – e 1859, muito embora existam registos de espetáculos esporádicos no teatro até fevereiro de 1860.

O teatro foi inaugurado a 29 de outubro com o drama Adriana Lecouvreur, de Eugène Scribe e Ernest Legouvé, estreado em Paris seis meses antes, a 14 de abril de 1849, e a comédia A mulher da perna de pau. A encenação foi de Emíle Doux, e o elenco contou com Emília das Neves no papel de Adriana. Os artistas contratados eram os mais consagrados da sua época, atestando a excelência que procurava seguir.

As leituras possíveis deste programa revelam que a fundação do teatro obedeceu a uma lógica que sobrepõe luxo e fama à conveniência comercial, não descurando a qualidade artística das representações.

No entanto, algumas descrições, que se podem encontrar em periódicos da época, parecem ser consonantes com algumas críticas à tendência que orientava este teatro, com uma maior atenção dada aos requintes burgueses, com que procurava conquistar o seu público, menosprezando a natureza e o valor artístico dos seus espetáculos.

Bibliografia
CASTILHO, Júlio de (1967). Lisboa Antiga – Bairros Orientais, 3ª ed., vol. IV. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa.

FRANÇA, José Augusto (1993). O Romantismo em Portugal, 2ª ed. Lisboa: Livros Horizonte.

SOUSA BASTOS, António (1908). Diccionário de Theatro Portuguez. Lisboa: Imp. Libanio da Silva (há uma edição fac-similada de 1994. Coimbra: Minerva).



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Bruno Miguel Henriques/Centro de Estudos de Teatro

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joao.ramosmarques@camoes.mne.pt (João Marques) Destaque Teatro em Portugal - Espaços Teatro em Portugal Mon, 16 Nov 2015 09:22:38 +0000
Teatro da Rua dos Condes http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-da-rua-dos-condes-dp1.html http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-da-rua-dos-condes-dp1.html

(Rua dos Condes, Lisboa, Portugal: 1738-1755 | 1756 (1770)-1882 | 1883-1888)

Perto do lugar que é hoje o início da Avenida da Liberdade, no seu lado nascente (não longe do espaço onde desde 2003 está o Hard Rock Café), ergueu-se em 1738 um “Teatro Novo”, edifício construído nos terrenos dos Condes da Ericeira, “no canto sudoeste das dependências do Palácio” (CARNEIRO 2002: 115), mas que o terramoto de Lisboa (1755) destruiu completamente.

  Teatro da Rua dos Condes
  Teatro da Rua dos Condes, s.d., aut. Manuel de Macedo [O Occidente, 01-07-1882].

Nesse lugar (ou não longe dele) foi construído ainda no séc. XVIII (entre 1756 e 1770, segundo Luís Soares Carneiro) o Teatro da Rua dos Condes que foi, inicialmente, palco para espetáculos operáticos, dedicando-se, a partir de 1800, apenas ao teatro declamado. Por ele passaram várias companhias italianas – entre as quais se destaca a de Ana Zamperini – e uma companhia francesa da qual fazia parte Émile Doux, encenador que se tornaria figura marcante do teatro português oitocentista. Até 1846 – ano de abertura do Teatro Nacional D. Maria II, no Rossio, – o Condes destacava-se no panorama teatral português, competindo com o Teatro do Salitre pelo título de “Teatro Nacional” (e pelos respetivos subsídios estatais). Após esta data e até à sua demolição em 1882, por razões de segurança, o Condes entrou numa fase de declínio motivada não apenas pelas precárias condições do edifício e incomodidade da sala, mas também pela escolha de um repertório constituído principalmente por mágicas, oratórias e comédias de costumes.

O primitivo Teatro Novo da Rua dos Condes, destruído pelo terramoto de 1755, foi edificado, segundo um artigo do Diário de Janeiro, de 4 de fevereiro de 1738, por iniciativa de um grupo de negociantes que requisitaram ao Conde da Ericeira uma porção do seu terreno, constituída por “[…] parte de hum picadeiro e do canto da rua para um Theatro de Ópera com 270 palmos de comprido e 110 por largo” (CARNEIRO 2002: 116). 

Luís Soares Carneiro apresenta os anos entre 1756 e 1770 como possíveis datas para a construção daquele que viria a ser o “velho pardieiro” da Rua dos Condes. Contudo, Francisco Benevides (1883: 443) refere a existência de um libretto que comprova a representação de um espetáculo no Condes em 1760, parecendo excluir a hipótese de ser mais tardia a sua construção. A autoria do projeto deste edifício, diz-nos Cyrillo Wolkmar Machado (ibidem: 118), ficou a cargo do arquiteto, cenógrafo e maquinista Petrónio Mazzoni. O edifício sofreu algumas remodelações: uma por volta de 1803 e outra levada a cabo após um período de encerramento, tendo o Condes regressado à atividade em 1852, com a Empresa José Vicente (SOUSA BASTOS 1898: 674).

É através da gravura publicada no nº 127 da revista O Occidente (1882: 149) que nos chega a representação mais detalhada do que foi este edifício, que “possuía 23 camarotes em cada ordem, dos quais cinco ao fundo e nove de cada lado” (MOREAU 1981: 195) e que “se desenvolvia em dois corpos paralelos e independentes, embora adossados. O que se dá a conhecer é uma sala simples, comprida e estreita, traçado sem rigor, evidências descritas e confirmadas por vários autores” (ANASTÁCIO 2005: 100). Um desses autores é William Beckford, que o descreve como “baixo e estreito, o palco uma pequena galeria” (BECKFORD 1988: 100), e “bastante pobre” (ibidem: 147). Camilo Castelo Branco dá-nos, também, uma descrição negativa do espaço, ao transcrever uma carta de um amigo, num dos números de Noites de insónia (1929: 208), apresentando-o como um teatro extremamente desconfortável, em parte, pelas grandes variações de temperatura experienciadas em diferentes locais da sala – “No meio da plateia arde em fogo […] o desgraçado espectador que acha ali lugar; pelos lados da mesma plateia vem um vento encanado pelos corredores, que atormenta todo o miserável que ocupa esses assentos” (ibidem). Os camarotes são apresentados como sendo “mesquinhos como tudo o mais” (ibidem), uma vez que o Teatro não tinha foyer, pelo que “cada um fica exposto à porta da rua ou no aperto dos corredores, até que chegue a carruagem que o há-de transportar” (ibidem).  

Num documento da Intendência Geral da Polícia, de 30 de setembro de 1792, é feita uma descrição do Condes – a mais favorável que se encontra (mas reporta-se a um tempo anterior, mais perto da sua reconstrução) – em jeito de explicação para a preferência da Intendência da Polícia por este teatro, em detrimento do Teatro do Salitre. O velho Condes é aqui apresentado, primeiro, como Teatro Nacional e de seguida como uma sala com as condições necessárias ao bom funcionamento do espetáculo teatral. A Intendência salienta como aspetos positivos a sua localização, as suas dimensões convenientes, o facto de possuir “todas as comodidades precisas” para a apresentação de espetáculos, a largura “dos corredores que dão serventia aos camarotes”, a existência de diversas saídas para o exterior – essenciais na eventualidade de uma emergência –, bem como a presença de um estabelecimento digno para a venda de refrescos. O Condes foi, deste modo, caracterizado de uma forma que contradiz a grande maioria das descrições da sala, em que é comummente apresentado como um edifício velho e sem grandes condições. Recordam-se, a propósito, as palavras de Almeida Lopes que o descreve, já nos últimos anos de utilização, como um “miserável barracão, mesquinho e arruinado, armado num esqueleto de vigas podres, revestido de lonas pintadas e papéis dourados, já ultrapassado pelas necessidades de higiene e de conforto da época” (LOPES 1968: 89). Contudo, não deixa de lhe reconhecer importância enquanto sala de espetáculos com lugar de destaque na história do teatro português. Ali se estrearam grandes nomes como João Anastácio Rosa ou Emília das Neves, mas também vários originais portugueses, entre os quais se salienta o drama histórico de Garrett, Um auto de Gil Vicente, a 15 de agosto de 1838. Este espetáculo, inserido num programa de renovação do teatro português, foi de uma importância extrema, uma vez que suscitou, nas temporadas seguintes, uma mudança de reportório dos teatros públicos, revitalizando a produção dramática nacional.

Nas primeiras décadas da sua atividade, o velho Condes foi um espaço dedicado ao teatro lírico, por onde passaram várias companhias italianas, entre as quais destacamos a companhia da famosa Ana Zamperini, que explorou o espaço entre 1770 e 1774. Há, também, registos de espetáculos de bonifrates representados em alternância com os espetáculos das companhias italianas. Em 1800, esta sala passou a oferecer apenas espetáculos de teatro declamado, albergando várias companhias, entre as quais se salienta a companhia francesa de que fazia parte Émile Doux. Em fevereiro 1812, por uma questão de viabilidade económica, aliaram-se as direções do Teatro de S. Carlos e do Teatro da Rua dos Condes, dando início a uma exploração conjunta destes dois espaços, ficando o primeiro como espaço dedicado exclusivamente ao teatro lírico e o Condes reservado ao teatro declamado. Esta sociedade durou apenas até julho de 1818, uma vez que o S. Carlos “dera grandes prejuízos” (LOPES 1968: 94), e o então empresário do Condes, António José de Paula, requereu a desanexação do mesmo. 

 A partir de 1835, o Condes foi explorado por uma companhia francesa, “conhecida pela companhia de Mr. Paul e Madame Charton” (SOUSA BASTOS 1898: 673), cujo espetáculo de estreia ocorreu a 4 de janeiro de 1835, com um novo sistema de iluminação, uma vez que foram “substituídas as placas com velas, colocadas entre os camarotes, por um lustre de candeeiros de azeite que iluminava perfeitamente” (VASCONCELOS 2003: 26). Esta companhia representou, em francês, até 1837, alternando a utilização do espaço com uma companhia portuguesa. Após a partida da companhia, cujos espetáculos haviam atraído um público culto, um dos seus membros, Émile Doux, decidiu permanecer no Condes, como empresário e ensaiador da companhia portuguesa, acumulando estas funções até 1840, ano em que a gerência passou para as mãos do Conde de Farrobo, que, todavia, o manteve como ensaiador e responsável pelo corpo de atores. Contrastando com a gerência de Doux, frequentemente caracterizada como bastante próspera e de elevada qualidade, a gerência de três anos de Farrobo é recordada de forma negativa, tanto pela escolha duvidosa de repertório, como pelas extravagâncias financeiras no pagamento aos artistas e montagem dos espetáculos (VASCONCELOS 2003: 27).

À ruinosa gerência do Conde de Farrobo seguiu-se, a partir de 1844, uma sociedade de artistas liderada por Silva [Pereira], [Crispiniano Pantaleão da Cunha] Sargedas e [João dos Santos] Matta, tendo por diretor de cena Epifânio. Esta sociedade manteve-se à frente do Condes até 1846, ano em que uma parte significativa dos atores abandonou o velho teatro para integrar o elenco do novo Teatro Nacional D. Maria II. A abertura deste teatro no Rossio acabou com as disputas entre o Condes e o Salitre pelo título de “nacional”, mas marcou também o declínio do Condes, não apenas pela debilitação do seu elenco e pelas já degradadas condições do edifício, mas também, e não desligado destes dois factos, pela escolha de repertório, reduzido quase exclusivamente a mágicas, oratórias e comédias de costumes populares representadas num ambiente mais informal. Tornou-se, assim, um “teatro que afastava o pacato burguês e assustava o peralvilho presumido, onde aos domingos se arriscava a levar com uma saraivada de tremoços se tivesse a audácia de lá por os pés” (LOPES 1968: 90). Aquele que outrora fora o primeiro teatro de Lisboa, ocasionalmente agraciado com a presença da família real, bem como considerado como “escola e fábrica de gerações de artistas” (LOPES 1968: 89), tornou-se, na segunda metade do séc. XIX, numa velha sala de reduzida importância onde a camada mais popular da cidade de Lisboa compunha uma plateia que “ultrapassava todos os limites da liberdade e da licença. Gente de pé descalço, […] soldados e arrieiros, ombreavam com vendedeiras e meretrizes” (ibidem: 90).

O Condes fechou definitivamente as suas portas a 20 de maio de 1882, após a última representação de Os sinos de Corneville, tendo sido demolido, ainda nesse ano, quando uma comissão reunida com o objetivo de averiguar as condições de segurança nos teatros da capital o decretou um perigo para o seu público. 

 No mesmo local – e enquanto por ali se rasgava a Avenida da Liberdade (1879-1886) – foi, de seguida, construído o Teatro-Chalet, que ocupou aquele espaço de 1883 a 1888, ano em que foi demolido para dar lugar ao Teatro Novo da Rua dos Condes, inaugurado a 23 de dezembro de 1888 – um projeto do arquiteto Dias da Silva.  

 

Bibliografia

ANASTÁCIO, Vanda et. al. (2005). O Teatro em Lisboa no tempo do Marquês de Pombal. Lisboa: IPM, Museu Nacional do Teatro.

Anon. (1875). Emília das Neves: documentos para a sua biographia. Lisboa: Livraria universal Silva Júnior.

AZEVEDO, Maximiliano de (1882). “O Theatro da Rua dos Condes” in O Occidente (nºs 127, 129, 131, 132, 133, 135, 136, 139, 148, 151, 154, 160, 162, 163, 167, 170, 172, 175, 177, 178, 180), dir. Francisco António das Mercês, Lisboa.

BECKFORD, William (1988). Diário de William Beckford em Portugal e Espanha. Tradução e prefácio de João Gaspar Simões, 3ª edição. Lisboa: Biblioteca Nacional.

BENEVIDES, Francisco da Fonseca (1883). O Real Theatro de S. Carlos de Lisboa. Lisboa: Typ. Irmãos Castro [edição fac-similada de 1993], p.443.

BRANCO, Camilo Castelo (1929). Noites de insomnia: offerecidas a quem não pode dormir (volumes terceiro e quarto). Porto: Lello & Irmão Editores. 

CARNEIRO, Luís Soares (2002). Teatros portugueses de raíz italiana, vol. I. Dissertação de Doutoramento em Arquitetura, apresentada à Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (texto policopiado).

CARRÈRE, Joseph Barthélemy François (1989). Panorama de Lisboa no ano de 1796. Pref. e notas de Castelo Branco Chaves, 1ª edição. Lisboa: Biblioteca Nacional.

DIAS, Marina Tavares (1990). Lisboa desaparecida, vol. II. Lisboa: Quimera Editores.

LOPES, Henrique de Almeida (1968). “Vida, morte e ressurreição do velho Teatro da Rua dos Condes”, separata da revista Ocidente – volume LXXV. Lisboa: Editorial Império Lda.

MACHADO, Júlio César (1999). A vida em Lisboa. Introdução, fixação de texto e notas de Américo A. Lindeza Diogo. Braga: Angelus Novus.

MOITA, Conceição de Irisalva (coord.) (1994). O Livro de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte.

MOREAU, Mário (1981). Cantores de ópera portugueses. Lisboa: Livraria Bertrand.

REBELLO, Luiz Francisco (1978). Dicionário do Teatro Português. Lisboa: Prelo.

RUDERS, Carl Israel (1981). Viagem em Portugal: 1798-1802. Tradução de António Feijó. Lisboa: Biblioteca Nacional.

SOUSA BASTOS, António de (1898). Carteira do Artista. Lisboa: Antiga Casa Bertrand.

___ (1908). Dicionário de teatro português [Uma edição fac-similada do original saiu em 1994 em Coimbra, pela Minerva]. Lisboa: Imprensa Libânio da Silva.

VASCONCELOS, Ana Isabel P. Teixeira de (2003). O Teatro em Lisboa no tempo de Almeida Garrett. Lisboa: IPM, Museu Nacional do Teatro.

 

Sitiografia

PINA MANIQUE, Diogo Inácio de (1792). Informação sobre o indeferimento de um pedido de licença de exercício de actividade por parte dos actores do Teatro do Salitre

[http://ww3.fl.ul.pt/cethtp/webinterface/documento.aspx?docId=12&sM=t&sV=pedido%20de%20licen%C3%A7a]

 

Consultar a ficha de espaço na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espaco&ObjId=1172

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Eunice Azevedo/Centro de Estudos de Teatro

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Destaque Teatro em Portugal - Espaços Teatro em Portugal Wed, 09 May 2012 13:56:25 +0000
Teatro da Trindade http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-da-trindade-dp1.html http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-da-trindade-dp1.html

(Largo da Trindade, 7-A, 1200-466 Lisboa)


O Teatro da Trindade, inaugurado em 1867, é um dos mais antigos teatros lisboetas ainda em atividade. Situa-se na zona da Trindade, entre o Chiado e o Bairro Alto, que já na época se assumia como centro cultural e de sociabilização.

  Teatro da Trindade
  Teatro da Trindade (entrada, Rua Nova da Trindade), 2012, fot. Joana d’Eça Leal/CET

A iniciativa da sua construção partiu do empresário Francisco Palha que, com o apoio de financiadores e o desenho do arquiteto Miguel Evaristo, construiu o teatro mais cómodo, elegante e tecnicamente avançado da capital no seu tempo. A par dos espetáculos no Teatro, o Trindade programou também concertos, bailes, recitais e palestras no Salão. Em 1921, adquirido pela Anglo-Portuguese Telephone Company, o Salão foi demolido e todo o recheio do teatro vendido, regressando à sua vocação teatral em 1924, pela mão do empresário José Loureiro. Nele foram apresentados espetáculos de teatro declamado e teatro musicado, fantasias, óperas e dramas, mas foi com a opereta que fez mais sucesso e atraiu um público fiel. Acolheu companhias fulcrais da cultura portuguesa, como a Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, a Companhia Portuguesa de Ópera, Os Comediantes de Lisboa ou o Teatro Nacional Popular, além das sessões de animatógrafo e cinema, que ajudaram a ultrapassar períodos de crise financeira. Em 1962 foi adquirido pela FNAT [Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho], atual INATEL [Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores], que continua a assegurar a gestão do teatro.

Foi Francisco Palha de Faria Lacerda (1824-1890), empresário teatral, ex-comissário régio no Teatro Nacional de D. Maria II, quem idealizou a criação de um teatro na zona da Trindade. O Chiado já se havia estabelecido como o coração da sociedade lisboeta, e a cena teatral encontrava-se em crescimento – sinal disso havia sido a inauguração do Teatro de S. Carlos (em 1793) e do Teatro de D. Maria e do Ginásio (ambos em 1846). A ideia ganhou forma com a criação, em 1866, de uma sociedade para a construção do Teatro da Trindade: uma sociedade de ações com o capital de 80 contos, cujos principais acionistas eram o Duque de Palmela, Fortunato e Francisco Chamiço, Frederico Biester, Ribeiro da Cunha, António Tomás Pacheco, Oliveira Machado, entre outros. O local escolhido foi o terreno do antigo Palácio dos Condes de Alva, onde em 1735 o empresário italiano Alessandro Paghetti havia criado a Academia da Trindade, “o primeiro teatro popular de Ópera” (ARAÚJO 1993: 66), que funcionou apenas três anos, tendo sido encerrada em 1738. Após o terramoto de 1755 o local albergava apenas restos do palácio e alguns casebres, que em 1865 deram lugar às obras de construção do teatro, sob a direção do arquiteto Miguel Evaristo de Lima Pinto.

O Teatro da Trindade foi construído com uma enorme atenção ao pormenor, sendo o conforto do público um dos pontos mais valorizados. Segundo Norberto de Araújo, “o teatro, incluindo edifício, salões e materiais, custou 120 contos” (ARAÚJO 1993: 66). A sala era equipada com um sistema de ventilação e a distribuição dos assentos procurava corresponder à hierarquia social: cadeiras de mogno na primeira plateia (custavam 500 reis), bancadas com costas de palhinha na segunda plateia (400 reis) e bancos simples na geral (200 reis). Um lugar no balcão custava 600 reis e nas galerias 100 reis. Duas grandes novidades eram os ganchos nas costas das cadeiras (estas, “de assento movediço”) para pendurar chapéus, “inovação adorável” (MACHADO 1991: 151), e as frisas com reixas de madeira, pintadas de dourado, para salvaguardar os espectadores que não quisessem ser observados – esta última com pouco efeito prático, uma vez que o público se acumulava à saída das frisas para ver os espectadores que de lá saíam. A própria plateia era elevável, possibilitando o nivelamento com o palco para a realização de outro tipo de eventos. O teto, pintado por Jorge Procópio (discípulo de Cinatti e Rambois), segurava um enorme lustre e era adornado por medalhões com retratos de grandes figuras do teatro português (Gil Vicente, Sá de Miranda, Correia Garção, Almeida Garrett, Bocage, António José da Silva, entre outros). Esta homenagem também se fazia na fachada virada para o Largo da Trindade, com bustos de Gil Vicente, António Ferreira, Damião de Góis e Sá de Miranda. Era um teatro “vistoso, elegante”, no qual “se pensou em tudo” (MACHADO 1991: 151), que teve lugar de destaque em varias publicações, desde os folhetins de Júlio César Machado – por exemplo, todo o folhetim d’A Revolução de Setembro de 05-12-1867 foi dedicado à inauguração, e tanto os vários espetáculos como os atores da companhia eram comentados regularmente – aos romances de Eça de Queiroz – a apresentação de O Barba Azul, incluindo o teatro, o público e o ambiente estão presentes n’A tragédia da Rua das Flores, como uma referência da sociedade lisboeta de então.

O Salão da Trindade, anexo ao Teatro, foi o primeiro a inaugurar, abrindo as portas ao público no Carnaval de 1867 com uma série de bailes de máscaras. Destinado a bailes, concertos e conferências, tinha cerca de 200m² e uma galeria sobre colunas à volta do espaço, assim como um anfiteatro para a orquestra e, mais tarde, um proscénio.

A inauguração do Teatro teve lugar a 30 de novembro de 1867, com os espetáculos A mãe dos pobres, drama de Ernesto Biester, e a comédia espanhola O xerez da Viscondessa, traduzida e adaptada por Francisco Palha. O empresário esforçou-se por reunir um elenco de qualidade e, como tal, a primeira companhia do Trindade era composta pelos artistas Delfina do Espírito Santo, Rosa Damasceno, Emília Adelaide, Emília dos Anjos, Gertrudes Carneiro, Lucinda da Silva, Tasso, Izidoro, Eduardo Brazão, Leoni, Bayard, Lima, Queiroz, entre outros. Nos meses que se seguiram, de consolidação de elenco e de equipa, foi assinalável o êxito do espetáculo As pupilas do sr. Reitor, adaptação por Ernesto Biester do romance de Júlio Dinis, onde brilharam Rosa Damasceno e Brazão. Mas foi com a aposta na opereta que Francisco Palha encontrou a verdadeira fonte de sucessos do Trindade. O Barba Azul, estreado a 13 de junho de 1868, ficou em cena durante meses e revelou o talento de Ana Pereira, que nos anos seguintes ali brilhou, “fadada para as cenas de capricho, de gracejo, e de fantasia [...], a actriz do repertório de Offenbach” (MACHADO 1991: 164). De facto, até ao final do século XIX, o público teatral sabia exatamente onde ir consoante o género de espetáculo procurado: a ópera no S. Carlos, os dramas e tragédias no D. Maria, as comédias no Ginásio e, no Trindade, as tão famosas operetas, onde o repertório de Offenbach fez furor.

Com a morte de Francisco Palha, em janeiro de 1890, a direção do teatro passou por várias mãos até 1893, ano em que o Trindade foi vendido a António Serrão Franco e este cedeu a exploração do mesmo a uma sociedade artística que, por sua vez, nomeou Sousa Bastos para a direção em 1894. Até 1900, e sob empresas com nomes e sócios diferentes, Sousa Bastos dirigiu o Trindade no que foi “um dos mais brilhantes, significativos e gloriosos períodos da sua história” (RIBAS 1993: 30-31). A companhia residente incluía nomes como Augusto Rosa, Ana Pereira, Mercedes Blasco, Palmira Bastos, Joaquim de Almeida, Lucinda do Carmo, Ferreira da Silva, etc. Em 1901, a direção da empresa e da companhia recaiu sobre o empresário Afonso Taveira, a quem coube guiar o Trindade através de um período de enorme instabilidade política, social e económica – o regicídio e consequente instauração da República e, mais tarde, a Primeira Guerra Mundial – até à sua morte, em 1916. Foram várias as companhias, portuguesas e estrangeiras, que passaram pelo Trindade nesta época sem deixar marca, como a de Italia Vitaliani em 1903 ou a (tentada) companhia lírica portuguesa em 1908. A estabilidade voltou em 1919, com uma empresa de exploração liderada por Augusto Pina, que apresentava uma companhia com Ângela Pinto, Emília de Oliveira, Etelvina Serra, Carlos Santos, Ferreira da Silva, entre outros. Este elenco fez sucesso nas encenações de António Pinheiro e assegurou, segundo Matos Sequeira, uma “temporada brilhante” (apud RIBAS 1993: 41). 

teatro trindade 02  
Teatro da Trindade (fachada, Largo da Trindade), 2012, fot. Joana d’Eça Leal/CET  

A 22 de janeiro de 1921 o proprietário Serrão Franco vendeu o Teatro da Trindade, por 350 contos, à Anglo-Portuguese Telephone Company, que ali instalaria os seus escritórios. O Salão da Trindade, palco de eventos como a palestra de Serpa Pinto sobre as colónias (1879), a apresentação do fonógrafo de Edison (1879), a conferência dos exploradores Capelo e Ivens, à qual assistiu a Família Real (1880), foi totalmente demolido. Uns meses depois, a 18 de outubro, Luís Nobre presidiu a um leilão de todo o recheio do teatro, incluindo cadeiras, móveis, adereços, arquivos, etc. A ideia de terminar assim o Teatro da Trindade causou indignação e “uma montanha de lamentações saudosas” (Matos Sequeira, apud RIBAS 1993: 42). Sabendo que a nova empresa proprietária necessitaria apenas do espaço do Salão e anexos, José Loureiro propôs a aquisição da parte do teatro, que foi aceite. Como tal, em 1923 o Teatro da Trindade foi vendido a José Loureiro pela quantia de dez mil libras esterlinas e foram iniciadas as obras de remodelação do interior do edifício, dirigidas pelo eng. Alexandre Soares – data desta altura o famoso frontão com a Trindade, da autoria de Leopoldo de Almeida, que ainda hoje encima o proscénio.

Alguns meses depois, a 5 de fevereiro de 1924, o Teatro da Trindade teve nova inauguração, com o espetáculo Fogo sagrado, de Eduardo Schwalbach, pela companhia de Aura Abranches e Pinto Grijó. A dimensão do palco permitiu grandes produções que noutros espaços seriam complicadas ou mesmo impossíveis. Isto verificou-se com espetáculos de revista, que já antes do interregno tinham alternado com as operetas. Com as novas condições, as grandes montagens que eram impensáveis no Parque Mayer tinham lugar no Trindade e, a pouco e pouco, foram tomando o lugar das operetas (género já em declínio), dividindo os cartazes com o teatro declamado. Foram marcantes as revistas Pó de Maio (1929), de Eva Stachino, uma luxuosa montagem onde brilharam Vasco Santana e Beatriz Costa, e Arraial (1933), com António Silva, Maria das Neves e Costinha. Nas décadas seguintes o Trindade foi palco de companhias centrais do teatro português, como a de Lucília Simões e Erico Braga em 1926-27 ou a Rey Colaço-Robles Monteiro em 1928-29. Nestes anos da exploração de José Loureiro, embora com grandes êxitos de bilheteira, viveram-se alguns períodos difíceis em termos financeiros. Para fazer frente às crises, foi instalado equipamento de cinema e, a partir de 1938, o Trindade passou a realizar curtas temporadas cinematográficas, estreando A Rosa do adro, de Chianca de Garcia, com Adelina Abranches e Maria Lalande.

Dois anos depois, em 1940, outro projeto teve estreia no Trindade: os Bailados Portugueses Verde Gaio, companhia de dança impulsionada por António Ferro, na altura Diretor do Secretariado Nacional da Informação, Cultura e Turismo. A reação do público foi fraca, sobretudo em comparação com o sucesso que tiveram, pouco tempo depois, Os Comediantes de Lisboa, companhia dos irmãos Francisco Ribeiro (Ribeirinho) e António Lopes Ribeiro. Estiveram no Trindade entre 1944 e 1947, apresentando temporadas brilhantes apenas equiparadas, alguns anos depois, pelo Teatro d’Arte de Lisboa (em 1955-56) e o Teatro Nacional Popular, entre 1957 e 1960 – este último responsável, a 18 de abril de 1959, pela primeira encenação de Beckett em Portugal, com À espera de Godot. Durante estes anos, o percurso do Teatro da Trindade foi intermitente, consequência, por um lado, do movimento dos grupos experimentais, em crescimento, cujas apresentações teatrais eram feitas em espaços periféricos ou improvisados, e, por outro lado, da ação castradora da censura, que limitava muito as companhias de repertório e de teatro declamado. Todas estas evoluções sociais e económicas fizeram com que o Trindade passasse a ser o palco de companhias já formadas que ali faziam temporadas curtas.

Em 1962 o Teatro da Trindade mudou de novo de mãos. Os herdeiros de José Loureiro venderam-no, por 8000 contos, à FNAT, atualmente designada INATEL. Sofreu novas obras de remodelação em 1967 e, embora com novos equipamentos técnicos, a atenção recaiu sobre a decoração, coordenada por Maria José Salavisa – a sala, antigamente em tons de vermelho e dourado, vestiu-se de dourado e azul. O novo Trindade, com novas cores, acolheu a Companhia Portuguesa de Ópera e todas as suas produções até à sua extinção, em 1975. Pelo meio, um pequeno período de temporadas partilhadas com a Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro (entre 1970 e 1974), que havia sido desalojada do Nacional pelo incêndio em 1964 e que passara, entretanto, pelo Teatro Avenida e pelo Teatro Capitólio antes de se apresentar no Trindade. O 25 de Abril trouxe de novo ao Teatro da Trindade a variedade de espetáculos e companhias, com apresentações de ópera, teatro profissional e amador, cinema, bailados, operetas, a par das conferências e exposições.

Uma nova remodelação, desta vez profunda, teve lugar entre 1991 e 1992, com obras no telhado, na fachada, no átrio, na sala de espetáculos, no palco, no foyer, nos camarins, nas oficinas – no fundo, em todo o edifício, procurando torná-lo mais funcional e adequado às novas exigências de um teatro lisboeta daquela dimensão: o estúdio de ensaios foi transformado na Sala-Estúdio, destinada à apresentação de teatro experimental; o bar foi ampliado, possibilitando a realização de eventos e pequenas apresentações; novas instalações de luz, som e canalização; assim como novas instalações para os serviços administrativos.

 

Bibliografia
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FERREIRA, Licínia Rodrigues (2011). Júlio César Machado cronista de teatro: Os folhetins d’A Revolução de Setembro e do Diário de Notícias. Texto policopiado: dissertação de Mestrado em Estudos de Teatro apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
MACHADO, Júlio César (1991). Os teatros de Lisboa, reedição do original de 1875. Lisboa: Editorial Notícias.
MAGALHÃES, Paula (2007). Os dias alegres do Ginásio: Memórias de um teatro de comédia. Dissertação de Mestrado em Estudos de Teatro apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (texto policopiado).
MATOS SEQUEIRA, Gustavo de (1967). O Carmo e a Trindade, vol. III, 2ª ed. Lisboa: Publicações Culturais da Câmara Municipal de Lisboa.
REBELLO, Luiz Francisco (2000). Breve história do teatro português, 5ª ed. Mem Martins: Publicações Europa-América.
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Sitiografia
http://www.inatel.pt/content.aspx?menuid=516
http://www.inatel.pt/content.aspx?menuid=117
http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=7176

Consultar a ficha de espaço na CETbase:
http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espaco&ObjId=80

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http://opsis.fl.ul.pt/


Joana d’Eça Leal/Centro de Estudos de Teatro

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catarina.lopes@camoes.mne.pt (Catarina Isabel Lopes) Destaque Teatro em Portugal - Espaços Teatro em Portugal Thu, 22 May 2014 15:55:58 +0000
Teatro do Ginásio http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-do-ginasio-dp2.html http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-do-ginasio-dp2.html

(Lisboa, Portugal: 1845 – 1952)

O Teatro do Ginásio – Theatro do Gymnasio no princípio da sua existência – foi um espaço marcante na história do teatro português, tendo acolhido durante mais de um século espetáculos, sobretudo comédias, que divertiram várias gerações.

  Teatro do Ginásio
  Teatro do Ginásio (fachada), final séc. XIX [Brasil Portugal, 16-12-1899, p.11].

Foi alvo de diversas remodelações, numa tentativa constante de melhorar as condições tanto para os artistas como para os espectadores, sem nunca ter perdido a adesão de um largo público que apreciava muito os espetáculos apresentados e o convívio alegre que se gerava antes e depois das representações. Por vezes havia a intenção de apresentar um teatro mais sério e edificante, mas o espírito de “fábrica de riso” – um dos nomes que lhe foi atribuído – marcou indelevelmente a sua identidade. Em 1921 um incêndio destruiu quase por completo o edifício, mas uma industriosa obra de recuperação permitiu que voltasse a abrir as portas ao público em 1925. A sua sobrevivência durou ainda um quarto de século, acolhendo o cinema em paralelo com o teatro, até à demolição do seu interior que ditou o seu fim em 1952.

O Teatro do Ginásio, como ficou conhecido para a história, teve a sua génese na Travessa do Secretário da Guerra (só posteriormente chamada Rua Nova da Trindade), num barracão erguido nos terrenos do antigo Palácio de Geraldes. O barracão, destinado à apresentação das artes circenses a um público tradicionalista e popular que não se afastava pela falta de comodidades, abriu as portas a 12 de outubro de 1845, sob a responsabilidade do empresário João Manuel da Mota e com o nome Novo Ginásio Lisbonense.

Poucos meses depois, no entanto, a vontade de integrar na sua programação o teatro declamado levou a direção a fazer as remodelações necessárias a esta nova atividade. Assim, por iniciativa de Manuel Machado (à época, fiscal do Teatro Nacional de S. Carlos) e recorrendo aos pouquíssimos fundos disponíveis, o Novo Ginásio Lisbonense transformou-se em Teatro do Ginásio e estreou a 16 de maio de 1846 o espetáculo melodramático Paquita de Veneza ou Os fabricantes de moeda falsa, um texto de César Perini de Lucca, ensaiado pelo próprio. O espaço continuava a ser pequeno e pouco cómodo, mas compensava em ambiente alegre o que lhe faltava em condições.

A tentativa de afirmar o Ginásio como um teatro sério, apresentando dramas complexos e, na realidade, mais exigentes na sua logística do que as comédias, fez com que a gestão do teatro atravessasse dificuldades e uma grande instabilidade, uma vez que era difícil competir no campo do teatro declamado com outras empresas/espaços cuja experiência, nome e recursos disponíveis garantiam mais público. Foi sob a gestão de Émile Doux, que dirigiu o teatro entre 1847 e 1848, que o Ginásio se orientou para as comédias, género para o qual tanto o espaço como os atores estavam destinados.

E assim se afirmou o Teatro do Ginásio, no panorama teatral português, como um espaço concorrido e frequentado por todas as classes sociais com o objetivo comum de passar um serão divertido com o riso provocado pelas peças e com o convívio social que era parte integrante da experiência. O sucesso do espaço chegou mesmo à família real: Sousa Bastos descreve como “Suas Magestades manifestaram desejos de assistir àquelles espectaculos; mas o theatro era de tal ordem, que não podia recebel-as. Começaram então os socios a pensar em demolir o nojento barracão, sujo, tortuoso, de escadas íngremes e corredores acanhados e no mesmo local mandaram construir uma decente e commoda casa d’espectaculos” (SOUSA BASTOS 1908: 343).

Em 1852 o Ginásio levou nova remodelação, fechando, para o efeito, as portas a 2 de abril e reabrindo a 16 de novembro. O interesse pelo novo Ginásio era generalizado, havendo inclusivamente registo de visitas às obras por parte do rei D. Fernando, acompanhado dos filhos D. Pedro e D. Luiz (SOUSA BASTOS 1908: 344). A empreitada pressupôs empréstimos pesados (facilitados, embora, pela série de ajudas e doações de origens diversas), que pesaram sobre a sociedade exploradora do teatro durante vários anos. O novo espaço, admirado pela inteligência da sua construção e a beleza da sua decoração, atraiu mais público e firmou a sua consagração.

  Teatro do Ginásio
  Teatro do Ginásio (bilheteira) ant. 1921, fot. Alberto Carlos Lima [Arquivo Municipal de Lisboa – Arquivo Fotográfico, cota: LIM001092].

As dívidas contraídas para a grande remodelação não facilitavam a gestão, embora diferentes responsáveis tivessem mais ou menos mão nas contas da empresa. A direção de Taborda foi feliz na gestão de dinheiros, havendo referências ao pagamento sempre atempado a todos os colaboradores, enquanto a direção de Manuel Machado, por exemplo, foi pautada pela contração de novas dívidas e recurso a soluções relativamente desesperadas como as companhias de acionistas. As instabilidades na direção do teatro eram frequentes e, na primeira metade da década de 70, os empresários sucediam-se ao final de poucos meses. A estabilidade voltou em 1878 com José Joaquim Pinto, que dirigiu o Ginásio até 1904.

Vários atores de renome pisaram os palcos do Ginásio, e companhias hoje consideradas basilares do teatro português foram responsáveis pela exploração do espaço:  foi o caso da empresa Maria Matos-Mendonça de Carvalho entre 1916 e 1918, Lucinda Simões na época de 1919-1920 e a companhia Alves da Cunha na época de 1920-1921.

Foi precisamente nesta época, a 6 de novembro de 1921 (estava em cena o espetáculo O célebre Pina), que um incêndio irrompeu de madrugada deixando o teatro em escombros.

O Teatro do Ginásio só voltou a abrir em 1925, com a apresentação do espetáculo A guerra do vinho a 27 de novembro. O novo edifício, com arquitetura de João Antunes e decoração de Joaquim Viegas e Domingos Costa, tinha toda a comodidade necessária, podendo mesmo dizer-se que tinha luxo e tecnologia. Até à década de 30 ocuparam o Ginásio as companhias Rey Colaço-Robles Monteiro, Palmira Bastos, Ilda Stichini e, a partir daí, apresentaram-se sobretudo companhias estrangeiras como o Théâtre de l’Oeuvre e a companhia Roger Manteaux. Mas a afluência do público decresceu e tornou-se parca, acabando a direção por recorrer à solução que muitos espaços adotaram na altura, apresentando cinema a par do teatro. Em 1932 esta solução tornou-se permanente, com o novo nome Cine-Ginásio, e a década de 40 foi pautada quase exclusivamente pela projeção de cinema, sobretudo filmes de propaganda da Alemanha nazi.

O fim do Ginásio ocorreu em 1952 com a demolição do interior para a construção de um espaço comercial. Impedimentos de ordem legal travaram esta construção, mas o Ginásio ficou em ruínas, tendo ainda, no entanto, um último fôlego de teatro: a 16 de setembro de 1987 Mário Feliciano encontrou nas ruínas do Ginásio o espaço ideal para a sua apresentação do espetáculo Calderón, de Pasolini.

A classificação como imóvel de interesse público pela Câmara Municipal de Lisboa em 1980 assegurou a preservação da fachada do edifício, sendo este transformado, em 1992, em “Espaço Chiado – Centro Comercial e Cultural Theatro do Gymnasio”.

 

Bibliografia

BASTOS, Glória & VASCONCELOS, Ana Isabel P. Teixeira (2004). O Teatro em Lisboa no tempo da Primeira República. Lisboa: IPM/Museu Nacional do Teatro.

LOPES, Norberto (1921). “Primeira e última” in Diário de Lisboa, 07-11-1921, p. 8.

MAGALHÃES, Paula (2007). Os dias alegres do Ginásio: Memórias de um teatro de comédia. Texto policopiado: dissertação de Mestrado em Estudos de Teatro apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

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REBELLO, Luiz Francisco (2000). Breve história do teatro português, 5ª ed. Mem Martins: Publicações Europa-América.

SOUSA BASTOS, António (1908). Diccionário de Theatro Portuguez. Lisboa: Imp. Libanio da Silva (há uma edição fac-similada de 1994. Coimbra: Minerva). 

 

Consultar a ficha de espaço na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espaco&ObjId=181

Consultar imagens no OPSIS:

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Joana d’Eça Leal/Centro de Estudos de Teatro

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Destaque Teatro em Portugal - Espaços Teatro em Portugal Wed, 18 Apr 2012 11:06:47 +0000
Teatro Garcia de Resende http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-garcia-de-resende-dp1.html http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-garcia-de-resende-dp1.html

(Praça Joaquim António de Aguiar – 7000-510 Évora, Portugal)

O Teatro Garcia de Resende, assim denominado como homenagem ao poeta eborense do Renascimento, foi construído entre os anos de 1881 e 1890 e inaugurado a 1 de junho de 1892, pela companhia Rosas & Brazão, com O íntimo de Eduardo Schwalbach.

  Teatro Garcia de Resende
  Teatro Garcia de Resende, 2012, fot. Eunice Azevedo [CET].

A sua construção, marcada pela escassez de fundos, foi promovida pela Companhia Eborense Fundadora do Teatro Garcia de Resende, em especial por Ramalho Diniz Perdigão, e teve como responsável o engenheiro civil Adriano da Silva Monteiro, que desenhou o edifício em estilo neoclássico, fortemente influenciado pelos teatros italianos do séc. XVIII, bem como pelo Teatro de São Carlos, em Lisboa. O declínio do TGR acentuou-se durante o Estado Novo, tendo ficado praticamente ao abandono até que, em 1969, foram realizadas obras que alteraram radicalmente o seu aspeto exterior. Reabilitado após a revolução de Abril, o TGR é, desde ‘75, a casa do CENDREV (Centro Dramático de Évora, que no seu início foi Centro Cultural de Évora), instituição fulcral no processo de descentralização do teatro português.

Antes do aparecimento do plano de construção do TGR como hoje o conhecemos houve, segundo Angélica Fernandes de Barahona, um projeto de construção de um novo teatro “por [ser] velho e deficiente o antigo” (SILVA 1891: 15). Apesar de o projeto ter avançado com a escolha do terreno, a planta e o orçamento da construção, a partida do Inspetor da Fazenda, seu principal impulsionador – João Ferreira Alves –, deitou por terra a ideia da construção de um novo teatro no centro da cidade de Évora.

Todavia, em 1880, alguns sócios do Círculo Eborense formaram – com vista à construção de um teatro – uma sociedade, denominada Companhia Eborense Fundadora do Teatro Garcia de Resende, contando com centenas de acionistas, incluindo José Maria Ramalho Diniz Perdigão, e um capital social de “vinte contos de réis” (BANDEIRA 2007: 82). O projeto visava a construção, num terreno “na cêrca do demolido convento de S. Domingos” (SILVA 1981: 11), daquele que viria a ser o Teatro Garcia de Resende.

O terreno, com cerca de 3 mil metros quadrados, foi cedido, “pelo fôro anual de 15$000 réis” (SOUSA BASTOS 1898: 229) pelo Conde da Costa, e procedeu-se ainda à compra de uma casa a “Luiz Valente Pereira Rosa pela quantia de 240$000 réis” (ANON. 1892: 203). A escolha do terreno foi feita por uma comissão composta especialmente para o efeito, também responsável pela direção da obra e aprovação da planta, elaborada por Adriano Augusto da Silva Monteiro, o engenheiro civil do projeto.

As obras de construção do TGR, promovidas, em parte, para compensar a falta de emprego que se fazia sentir na região (empregou 1995 operários), tiveram início no dia 16 de abril de 1881 e decorreram a bom ritmo até ao final desse ano, altura em que os fundos começaram a escassear devido à magnitude da obra. Ramalho Diniz Perdigão, um abastado proprietário que assegurou cerca de 90% do capital da sociedade, tentou então uma emissão de novos títulos para recapitalizar a sociedade, mas sem grande êxito. Quando faleceu – em 1884 – estava já o edifício de pé, faltando apenas os acabamentos interiores, bem como a compra e montagem de equipamento, mas as dificuldades financeiras obrigaram à interrupção da obra.

Só em 1888, após o casamento da viúva de Ramalho Perdigão com outro abastado proprietário, Francisco Eduardo de Barahona, as obras foram retomadas, tendo sido escolhidos para a realização dos acabamentos do TGR alguns dos melhores artistas do país: Manini encarregou-se da pintura dos cenários; António Ramalho e João Vaz – ambos pintores do Grupo do Leão – realizaram a decoração da sala; Leandro Braga, entalhador, e o estucador Domingos Meira asseguraram a ornamentação dos interiores do edifício. A maquinaria de cena – que ainda hoje se conserva operacional, sendo um ótimo exemplo de maquinaria barroca (FARIA 1992: 196) – ficou a cargo de João Henriques, então mestre do Teatro de São Carlos.

A decoração do foyer, sala de espetáculos, salão nobre e alguns camarotes suscitou reações diversas: Sousa Bastos garante-nos, não só que “o theatro Garcia de Rezende pode considerar-se dos melhores de Portugal”, como também que “nenhum se lhe avantaja no gosto das suas decorações” (SOUSA BASTOS 1898: 212); enquanto Fialho de Almeida, bastante crítico em relação ao trabalho dos pintores, afirma que a falta de gosto e de harmonia se deveu à “inexperiência d’artistas acordados decoradores por incidente” (ALMEIDA 1923: 242), embora teça rasgados elogios ao trabalho de Leandro Braga, como sendo “delicado, sóbrio, elegante” (ibidem: 247).

Teatro Garcia de Resende  
Theatro ‘Garcia de Rezende’, em Évora, O Occidente, nº494, 11-09-1892, p. 204  

Dos vários elementos decorativos do teatro salienta-se o pano de boca que Fialho de Almeida nos descreve como “bem achado: por uma escadaria de terraço, que tem no fundo verduras e silhuetas d’edifícios eborenses, um pagem desce, em seu costume de côrte” (ibidem), representando o próprio Garcia de Resende na sua mocidade. Apesar de não haver certeza sobre a autoria do magnífico pano de boca, parece hoje consensual o reconhecimento do traço de Luigi Manini, embora Sousa Bastos o atribua a António Ramalho e João Vaz (SOUSA BASTOS 1898: 212).

O aspeto exterior do edifício, de inspiração neoclássica, foi descrito por Fialho de Almeida como tendo a “configuração do piano de cauda, pesadona, que em Lisboa S. Carlos offerece ao desconsolo dos physionomistas de monumentos” (ALMEIDA 1923: 243), denunciando a influência do modelo dos teatros italianos de meados do séc. XVIII. A sua fachada austera, com poucos elementos decorativos, que leva o cronista a fazer o paralelo entre o teatro e um armazém (ibidem), sofreu alterações drásticas – nas obras de recuperação do edifício, em 1969 – que a descaracterizaram ainda mais, destruindo “irremediavelmente o jogo de ritmos e contrastes original” (CARNEIRO 2002: 895), que alimentava a já reduzida graça da fachada primitiva.

A semelhança com o Teatro de S. Carlos é reforçada pela existência de um pórtico, composto por três arcadas frontais e duas laterais, que formam uma varanda ao nível do piso superior e que “continua a ser o ponto central da atenção, por aí se fazendo a entrada” (ibidem: 896), embora tenham sido adicionadas portas laterais à fachada principal, após as obras de 1969. O átrio retangular, ao qual se acede através do pórtico principal, permite o acesso à plateia por meio de uma grande escadaria bifurcada. No piso superior situa-se o Salão Nobre, “ornamentado no stylo chamado de Luiz XVI, em perfeito trabalho de estuque, representando mármores finos de diversas côres” (SILVA 1891: 14). O teto deste salão foi ornamentado com medalhões com os bustos de várias figuras marcantes do teatro português, como João Anastácio Rosa, Taborda, Garrett, Pinheiro Chagas e Lopes de Mendonça.

Os restantes espaços laterais do edifício, “mais residuais do que propriamente dedicados a funções especificas e, tal como no [São Carlos], ocupados com actividades diversas, consoante as necessidades e interesses” (CARNEIRO 2002: 896), demonstravam a incapacidade do edifício para albergar companhias residentes, estando apenas preparado para receber companhias em digressão. Em 1998, um projeto de ampliação do TGR, da autoria dos arquitetos Fernando e Bernardo Távora – que nunca saiu do papel – propunha a construção de “um outro teatro complementar no eixo do já existente e que, embora articulado com o anterior, gozasse de total autonomia, aliando a simplicidade à eficácia e criando, assim, um complexo teatral versátil” (FERNANDES 2007: 112), que serviria de local de acolhimento não apenas de espetáculos, mas também de um centro de documentação e oficinas de formação.

  Teatro Garcia de Resende
  Teatro Garcia de Resende (Évora) boca de cena e pano, s/d, IHRU – Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana.

A sala de espetáculos – que ocupa pouco mais de 500 m2 da área total do edifício – tinha, inicialmente, capacidade para receber cerca de 700 espectadores, distribuídos pela plateia frisas, três ordens de camarotes e varandas centrais, em bancada. Com o restauro do interior do edifício, em 1998, o TGR viu a sua capacidade diminuída para 400 lugares, embora esta intervenção – merecedora do Prémio Europeu de Conservação do Património – tenha assegurado uma maior comodidade para os espectadores. A ornamentação do teto da sala de espetáculos, de António Ramalho, é descrita por Filomena Bandeira: “O tecto, de pintura figurativa, com musas esvoaçando sob fundo celestial premeia o conjunto. Em lugar do lustre, peça habitual nas salas de espectáculos, uma esfera armilar com o nome de Garcia de Resende inscrito” (BANDEIRA 2007: 87).

Terminadas as obras, em dezembro de 1890, o TGR foi oferecido por Barahona ao município de Évora, mas o processo burocrático que envolveu a doação apenas permitiu a passagem oficial para edifício municipal em abril de 1892, o que implicou que o teatro abrisse as suas portas pela primeira vez apenas em junho desse mesmo ano. Na estreia o público eborense veio em peso assistir à representação – com iluminação a gás da sala – d’O íntimo, de Eduardo Schwalbach, pela companhia que então explorava o Nacional, a Rosas & Brazão. Durante cinco dias esta mesma companhia apresentou vários outros espetáculos, entre eles Amigo Fritz e Leonor Teles.

Apesar da estreia auspiciosa, o TGR não assegurava uma programação muito intensa, uma vez que as companhias de teatro em digressão receavam a apresentação de espetáculos naquela sala, visto que era comum a falta de afluência de público e a consequente perda financeira, o que parece confirmar a opinião de Sousa Bastos de que era uma infraestrutura exagerada para uma cidade como Évora (SOUSA BASTOS 1898: 212).

Os anos 40 do séc. XX marcaram um período de relativa negligência do espaço: um violento vendaval, em 1941, arrancou a cobertura do edifício, e a cedência empresas de projeção fílmica acabaram por danificar ainda mais o interior do teatro, em especial os painéis do foyer, ao afixarem os cartazes promocionais dos filmes em exibição por cima das obras de João Vaz.

Com a revolução de Abril chegou, para o TGR, uma nova vida e uma companhia residente: o CENDREV – elemento fulcral da descentralização do teatro português – que apresenta, desde 1975, uma programação dinâmica. O reconhecimento devido ao edifício surgiu, em 1996, com a sua classificação como imóvel de interesse patrimonial.

 

Bibliografia

ALMEIDA, Fialho de (1923). Os Gatos: publicação mensal d’inquérito à vida portugueza, 5º vol. Lisboa: Livraria Clássica Editora.

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BANDEIRA, Filomena (2007). “O Teatro Garcia de Resende: A pertinência de um inventário para avaliação de uma herança” in Monumentos: Revista Semestral de Edifícios e Monumentos, nº26, abril, pp. 76-91.

CARNEIRO, Luís Soares (2002). Teatros portugueses de raíz italiana, vol. II. Dissertação de Doutoramento em Arquitetura, apresentada à Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (texto policopiado).

FARIA, José Carlos et al. (1992). “A recuperação do Teatro Garcia de Resende” in Arqueologia e recuperação dos espaços teatrais. Lisboa: ACARTE – FCG.

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Sítiografia

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Consultar a ficha de espaço na CETbase:

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Consultar imagens no OPSIS:

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Eunice Azevedo/Centro de Estudos de Teatro

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catarina.lopes@camoes.mne.pt (Catarina Isabel Lopes) Destaque Teatro em Portugal - Espaços Teatro em Portugal Mon, 07 Apr 2014 13:39:51 +0000
Teatro Maria Vitória http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-maria-vitoria.html http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-maria-vitoria.html

(Parque Mayer – 1250 Lisboa, Portugal)

Edificado em 1922, o Teatro Maria Vitória foi o primeiro espaço teatral a ser erigido no Parque Mayer.

  Teatro Maria Vitória
  Teatro Maria Vitória (fachada e lateral), 1943, fot. Eduardo Portugal [Arquivo Municipal de Lisboa – Arquivo Fotográfico].

O recinto, idealizado por Luís Galhardo, começou por ser um espaço com instalações precárias em madeira. Esta casa foi inaugurada no verão desse ano com a apresentação do espetáculo Lua nova, de autoria de Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes e João Bastos, a parceria que iria ser bastante profícua, também conhecida sob o pseudónimo de “Troianos”. Foi o espaço que apresentou um maior número de espetáculos de teatro de revista – embora também incluísse operetas e teatro declamado – e que se tornou o mais popular do Parque. É o único teatro que, passado quase um século da sua inauguração, ainda continua, na segunda década do séc. XXI, a abrir as portas ao público fiel a este tipo de espetáculos devido à contínua intervenção do empresário Hélder Freire Costa.

A par das diversões de feira, como os “carrinhos de choque” e os carrosséis, inaugurou-se no Parque Mayer, a 1 de julho de 1922, a primeira sala de espetáculos cujo nome homenageia a fadista Maria Vitória. Foi com o espetáculo Lua nova que se estreou a revista nesta casa. Contava com temas musicais de gosto popular, reagindo, assim, contra a importação de danças e ritmos estrangeiros (REBELLO 1985: 38) numa década em que o charleston, o fox-trot e o jazz-band invadiam os clubes noturnos da vida lisboeta. Foi neste recinto que, em 1940, se estreou como atriz a fadista Amália Rodrigues, na revista Ora vai tu!, de Aníbal Nazaré e Nelson de Barros, tendo aqui conhecido o maestro Frederico Valério, em 1942, no espetáculo Essa é que é essa!.

Em 1945 iniciou a exploração desta casa o empresário Rosa Mateus, passando depois para outras gerências como a Empresa Portuguesa de Espetáculos, António Macedo e Piero Borbon. Entre 1953 e 1961 esteve aqui sediada a companhia de Eugénio Salvador que apresentou a sua primeira revista no Parque a 1 de março de 1953 – Cantigas ó Rosa – da autoria de Aníbal Nazaré e com a atriz de cinema Helga Liné como vedeta. À frente de uma grande equipa de cenógrafos, compositores (como Aníbal Nazaré), músicos e figurinistas, e com cabeças de cartaz tão célebres como António Silva, Humberto Madeira, Teresa Gomes, Costinha e Max, Eugénio Salvador teve um acolhimento muito favorável por parte do público. Os espetáculos de Salvador contavam também com atrações internacionais como a brasileira Bibi Ferreira, que atraiu multidões ao Parque Mayer. Salvador foi um dos precursores do humor non-sense em palco.

A década de sessenta foi particularmente profícua para este teatro com quadros e canções que ainda perduram no imaginário do público: em 1961, na revista Bate o pé, Raul Solnado protagonizou dois dos quadros que marcariam para sempre a sua carreira: “A guerra de 1908” e a “História da minha vida”; Artur Mourão iniciou-se no teatro de revista, no ano seguinte, no espetáculo Todos ao mesmo, onde cantou o popular tema “Ó tempo volta p´ra trás”. Os empresários Vasco Morgado e Giuseppe Bastos assumiram a exploração do teatro no fim da década de sessenta e foram dois dos maiores responsáveis pelo sucesso alcançado nos espetáculos do Maria Vitória. Tome-se como exemplo o espetáculo Grande poeta é o Zé (1968), de Aníbal Nazaré, Eugénio Salvador e José Viana, que conquistou o Prémio de Imprensa, nesse ano, e garantiu a José Viana o prémio de melhor ator de teatro ligeiro.

Com a liberdade conquistada a 25 de abril de 1974, Aníbal Nazaré, Henrique Santana e Henrique Parreirão – os autores da revista que estava em cena nesta casa com o título Ver, ouvir… e calar – mudaram rapidamente o seu nome para Ver, ouvir…e falar, assumindo um ponto de viragem na liberdade criativa e de expressão dos autores de revista. Até parece mentira foi a primeira revista a estrear no Maria Vitória depois de Abril de 1974, sendo o seu título uma marca evidente da mudança política vivida no país. Com a morte do empresário Giuseppe Bastos, Hélder Freire Costa assumiu a gerência do Teatro Maria Vitória em meados da década de setenta.

Consumido por um aparatoso incêndio a 10 de maio de 1986, a mais antiga sala de espetáculos do Parque foi reconstruída por Hélder Freire Costa e Vasco Morgado Júnior, com projeto do arquiteto Barros Gomes. Conforme se pode ler na placa comemorativa afixada no teatro, reabriu em 1990 com uma nova revista Vitória, Vitória, de Henrique Santana e Francisco Nicholson. Mantém-se, na primeira década do século XXI, como a única sala que apresenta espetáculos com alguma regularidade por iniciativa do empresário Hélder Freire Costa.

 

Bibliografia

FRANCISCO, Rui / RAMOS, José (1992). “Mayer, o Parque Triste”, in AA.VV, Arqueologia e recuperação dos espaços teatrais: compilação das comunicações apresentadas no colóquio. Lisboa: ACARTE/ Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 277- 288.

NEGRÃO, Albano Zink (1965). O Parque Mayer: cinquenta anos de vida. Lisboa: Editorial Notícias.

REBELLO, Luiz Francisco (1984). História do Teatro de Revista em Portugal. Vol.I. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

___ (1985). História do Teatro de Revista em Portugal. Vol.II. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

SANTOS, Vítor Pavão (1978). A revista à portuguesa: uma história breve do teatro de revista. Lisboa: O jornal.

TRIGO, Jorge / REIS, Luciano (2004). Parque Mayer, (1922/1952) vol.I. Lisboa: Sete Caminhos.

___ (2005). Parque Mayer, (1953/1973), vol II. Lisboa: Sete Caminhos.

___ (2006). Parque Mayer, (1974/1994), vol III. Lisboa: Sete Caminhos.

 

Consultar a ficha de espaço na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espaco&ObjId=93

Consultar imagens no OPSIS:

http://opsis.fl.ul.pt/

 

Andreia Brito Silva/Centro de Estudos de Teatro

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luis.morgado@instituto-camoes.pt (Luís Morgado) Destaque Teatro em Portugal - Espaços Teatro em Portugal Tue, 14 Aug 2012 15:20:43 +0000
Teatro Municipal de São Luís (São Luiz Teatro Municipal - SLTM) http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-municipal-de-sao-luis.html http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-municipal-de-sao-luis.html

(Rua António Maria Cardoso 54, 1200 Lisboa, Portugal)

Edificado entre 1893 e 1894 por um grupo de empresários abastados, este teatro contou com o auxílio da coroa portuguesa, que cedeu os terrenos para a sua construção.

  Teatro São Luís
  Fachada do Teatro São Luiz, s.d.

O desenho do edifício é da autoria do arquiteto francês Louis-Ernest Reynaud, que o concebeu de forma discreta em termos exteriores, ao mesmo tempo que lhe atribuiu um interior sumptuoso, para o qual contribuíram os cenógrafos Emílio Rossi e Luigi Manini. A inauguração – a 22 de maio de 1894, com a opereta A filha do Tambor-mór de Jacques Offenbach - teve casa cheia e contou com a presença do Rei D. Carlos I e da Rainha D. Amélia. O primeiro nome deste espaço – Teatro D. Amélia – foi-lhe atribuído em jeito de homenagem à Rainha, tendo sido renomeado Teatro República em 1910, na sequência da implantação da República, e, novamente em 1918, ano da morte do seu principal mentor, o Visconde São Luiz Braga, com o nome que mantém hoje, relembrando a importância da sua figura. O título de teatro municipal veio apenas em 1971 quando a Câmara Municipal de Lisboa o adquiriu. O edifício que hoje serve o SLTM reproduz o espaço original que, em 1914, sofreu fortes danos devido a um incêndio, tendo reaberto apenas dois anos depois.

O Teatro D. Amélia, situado na antiga rua do Tesouro Velho (atual Rua António Maria Cardoso), teve a sua origem no projeto de uma sociedade de empresários, composta por entusiastas do teatro e profissionais do ramo – denominada Braga e Companhia – e constituída pelo Visconde de S. Luiz Braga, Celestino da Silva, António Ferreira Ramos e Miranda e Guilherme da Silveira, tendo este último sido substituído por Adolfo Wadington aquando da sua morte. Guilherme Silveira, a par do Visconde de São Luiz Braga, revelou-se uma figura capital na história deste teatro, uma vez que foi ele quem, em 1892, impulsionou a fundação da sociedade para a construção do teatro do qual foi o primeiro diretor técnico (BASTOS 1947: 306). Apesar da natureza coletiva da Braga e Companhia, era o Visconde quem se encarregava da direção do Teatro, especialmente após a morte de dois sócios, já que poucos anos após a inauguração do teatro restavam do alinhamento original da sociedade apenas o próprio e António Ramos, cujos negócios no Brasil o mantinham afastado do exercício da direção do D. Amélia.

O Visconde de São Luiz Braga, era o “coração daquele [o Teatro D. Amélia] organismo interior, a mola real da complexa e enorme máquina, que carecia toda andar matematicamente equilibrada para poder trabalhar como um instrumento de precisão [...]. Pensava sempre e exclusivamente em tudo quanto se relacionava com o teatro, desde a escolha das peças em si até à mais simples minudência, os mil nadas que juntos constituem o cosmos formidável que se chama o tablado” (NORONHA 1927: 111-112). O seu trabalho era aclamado pela maioria dos críticos e jornalistas, bem como pelo público em geral, em virtude do vasto leque de artistas estrangeiros que trouxe à capital portuguesa e pelo apoio à produção nacional. Contudo, Joaquim Madureira (que, como crítico, assinava Braz Burity) criticava-o severamente, evidenciando o lado mercantil do empresário como um atributo que muitas vezes se revelava negativo, dando apenas ocasionalmente os seus frutos, como no caso da vinda de Antoine a Lisboa para atuar no então Teatro D. Amélia. Madureira reconheceu, no entanto, que “cada um [se] governa neste mundo de mercantilismo e ganância, e S. Luiz Braga tolo seria se, no palco da sua quitanda de seccos e molhados, não tratasse de se governar” (MADUREIRA 1905: 181).

Relativamente ao espaço, Eduardo de Noronha, em Reminiscências do Tablado, oferece-nos uma descrição do que teria sido o edifício original: “A fachada (...) não prima por formosura arquitectónica. Lá dentro o foyer e o Jardim de Inverno impressionaram bem o público. O vestíbulo e a entrada, acanhados, facultam o acesso à ampla escadaria em cotovelo. Do lado do jardim há outra de ferro em meio passo de espiral. A sala do espectáculo não difere sensivelmente das congéneres, a não ser nos dois balcões, na vasta galeria que rodeia quase todo o perímetro […]. O foyer merecera particulares atenções aos dois pintores, que ali puseram toda a sua arte e grácil bom gosto” (NORONHA 1927: 87-88). Após a inauguração – a 22 de maio de 1894, com a ópera cómica de Offenbach, A filha do Tambor-mór, posta em cena pela companhia italiana Gargano –, o D. Amélia rapidamente se tornou um importante centro cultural e artístico da “Lisboa elegante”, que acorria ao Teatro para ver em palco os grandes nomes do teatro europeu, como Sarah Bernardt, Eleonora Duse, Coquelin Cadet, Coquelin Ainé, Gabrielle Réjane, entre muitos outros artistas de renome e companhias notáveis, incluindo o dramaturgo Maeterlinck e o ator e encenador André Antoine, criador do Théâtre Libre. Por vezes, esses grandes artistas chegavam a contracenar com o que de melhor se movimentava no palco português de então, proporcionando, desta forma, “à maioria da população de Lisboa, impossibilitada de viajar, o prazer de admirar certas individualidades de eleição” (NORONHA 1927: 91). Para além desta fervorosa e aclamada atividade teatral, o D. Amélia de S. Luiz Braga abrigava, também, um círculo de artistas e intelectuais – que frequentemente se reuniam no Jardim de Inverno onde “palestraram de dia os críticos, jornalistas, actores, actrizes, amigos da empresa” (NORONHA 1927: 88), entre os quais se destacam Rafael e Columbano Bordalo Pinheiro, Teixeira Lopes, Henrique Lopes de Mendonça, Júlio Dantas, Eduardo Schwalbach, Marcelino de Mesquita e Alfredo Keil. Juntamente com estas tertúlias o Teatro D. Amélia albergou, também, um cinematógrafo, instalado em 1896, bem como bailes de carnaval, coros de companhias de canto, e muitos almoços.

Assim continuou o D. Amélia – nomeado Teatro República em 1910 – durante toda a primeira década do século e até à madrugada de 13 de setembro de 1914, dia em que as chamas consumiram quase todo o edifício e respetivo recheio, bem como parte da sanidade do Visconde de São Luiz Braga, que ficou profundamente abalado com a destruição do seu sonho e esforço. Houve quem referisse o acontecido a uma hipotética “vingança da História” pelo facto de o Diretor o ter renomeado de forma tão expedita logo em 1910, deixando cair o nome D. Amélia, apesar do apoio que a coroa dera ao teatro desde o início.

Apressou-se a reconstrução do República e deu-se a passagem provisória da companhia residente – Rosas & Brazão – para o Teatro S. Carlos, quando todos “se supunham sem tablado, e por consequência sem pão” (NORONHA 1927: 110). A estreia do novo edifício deu-se a 14 de Janeiro de 1916, com Os postiços de Eduardo Schwalbach. O República encheu-se de público, críticos e jornalistas para o verem rejuvenescido e praticamente idêntico ao que fora outrora. Aquando da morte do Visconde, em 1918, o Teatro República vê-se novamente rebatizado, passando a ser o Teatro S. Luiz.

É impossível falar do Teatro São Luiz sem referir a companhia que mais marcou aquele espaço, a Rosas & Brazão que, em 1898, após a rescisão do contrato de exploração que mantinham no Teatro Nacional D. Maria II, foi acolhida, pelo Visconde, sem reservas, juntamente com o seu extenso reportório ensaiado, cenários, guarda-roupa, adereços e profissionais de topo. A estreia da companhia, no ainda Teatro D. Amélia,deu-se a 1 de outubro de 1898 numa festa artística composta por duas comédias: O amigo Fritz, de Émile Erckmann e Alexandre Chatrian, escrita em 1864, e O ditoso fado, de Manuel Roussado, que data de 1872, e com Augusto Rosa, Eduardo Brazão e Rosa Damasceno nos principais papéis. O que restou da companhia após a saída de Eduardo Brazão em 1899, ainda assim, não se esgotava nessas figuras, pois nela se integraram, também, outros artistas entre os quais João Rosa, António Pinheiro, Chaby Pinheiro, Carlos Santos, Ângela Pinto, Lucinda e Lucília Simões, Emília Cândida, Adelina Abranches e Taborda. As principais figuras desta companhia, os irmãos Rosa, em consonância com o Visconde, influenciaram em muito o reportório do D. Amélia durante os anos em que exerceram neste espaço as suas atividades, pelo que foi principalmente constituído por reportório francês, bem como por uma cuidada atenção a originais portugueses.

O dinamismo da sua direção, amplamente reconhecido, não o isentou de críticas relativamente ao modo como tratava os atores, como o fez, com alguma benevolência, Adelina Abranches (ABRANCHES 1947: 194) e como o fez, de modo mais contundente, António Pinheiro (PINHEIRO 1929: 27-29), que apontou o Visconde, inclusivamente, como um dos motivos de decadência do teatro brasileiro (ibidem, 20). Lucinda Simões, citada por António Pinheiro, apresenta o Visconde como uma figura pouco profissional nos primeiros anos da sua carreira, misturando assuntos pessoais e profissionais (ibidem, 21-22), bem como um empresário pouco humano no que tocava ao tratamento dos atores, testemunhando que frequentemente ouvira o Visconde dizer que “os artistas eram como os limões, espremiam-se até deitar suco. E que depois de bem espremidos, deitavam-se para o lado, por inúteis” (ibidem, 25).

Foi Eduardo de Noronha quem, de forma mais entusiástica, resumiu o impacto do Teatro D. Amélia na vida teatral de Lisboa, apontando-o como um espaço de destaque no panorama cultural português por promover os artistas e reportório nacionais, pela passagem pelo seu palco de importantes artistas estrangeiros e pela atenção dada à música que até então tinha só a proteção do Teatro de São Carlos (NORONHA 1927: 116-117). Contudo, este espaço de excelência teatral (e também cinematográfica – recorde-se a exibição acompanhada por uma orquestra, em 1928, de Metropolis de Fritz Lang, num espaço adaptado ao grande ecrã concebido por Leitão de Barros, bem como a estreia, em 1933, da Canção de Lisboa), acabou por entrar em declínio com o decorrer do século XX. Este facto levou a Câmara Municipal de Lisboa, em 1971, a adquirir o espaço de modo a revitalizá-lo através de espetáculos montados pela nova companhia residente, que integrava Eunice Muñoz e que tinha Luiz Francisco Rebello como Diretor, tendo tido por espetáculo de estreia A salvação do mundo, de José Régio, a 29 de novembro desse mesmo ano. Em 1991 o Teatro Municipal São Luiz cedeu parte do seu espaço para acolher o Teatro-Estúdio Mário Viegas e, em 1999, foi dado início às obras de reabilitação do teatro (concluídas em 2001) vindo a reabrir oficialmente a 30 de novembro de 2002.

 

 Bibliografia

ABRANCHES, Aura (1947). Memórias de Adelina Abranches. Lisboa: Edição da Empresa Nacional de Publicidade, pp. 183-187; 191-197.

Anon. (1914). “Incêndio do Teatro da República” in O Occidente, ed. Caetano Alberto da Silva, nº 1286, 20-09-1914, pp.309-310.

BASTOS, António de Sousa (1898). Carteira do Artista. Lisboa : Antiga Casa Bertrand.

___ (1947). Recordações de Teatro. Lisboa: Editorial Século.

___ (1994). Dicionário do Teatro Português. Coimbra: Minerva.

BASTOS, Gloria et. al. (2004). O Teatro em Lisboa no Tempo da Primeira República. Lisboa: IPM.

BRAZÃO, Eduardo (1925). Memórias. Lisboa: Empresa da Revista de Teatro.

LOBATO, Gervásio (1894a). “Chronica Occidental” in O Occidente, ed. Caetano Alberto da Silva, nº 555, 21-05-1894, p.122.

___ (1894b). “Chronica Occidental” in O Occidente, ed. Caetano Alberto da Silva, nº 556, 01-06-1894, pp.129-130.

MADUREIRA, Joaquim (1905). Impressões de Teatro: Cartas a um Provinciano e Notas Sobre o Joelho. Lisboa: Ferreira e Oliveira Editores.

NORONHA, Eduardo de (1927). Reminiscências do Tablado. Lisboa: Guimarães Editores.

PICCHIO, Luciana Stegagno (1969). História do Teatro Português. Lisboa: Portugália Editora.

PINHEIRO, António (1929). Contos largos … Lisboa: Tipografia Costa Sanches.

REBELLO, Luiz Francisco (1988). História do Teatro Português. Mem Martins: Publicações Europa-América.

ROSA, Augusto (1915). Recordações da Scena e de Fóra da Scena. Lisboa: Livraria Ferreira.

___ (1917). Memórias e Estudos. Lisboa: Livraria Ferreira.

SANTOS, Vítor Pavão (org.) (1979). A Companhia Rosas & Brasão: 1880-1898. Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura.

 

Sitiografia

http://www.teatrosaoluiz.pt/

 

Consultar a ficha de espaço na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espaco&ObjId=189

Consultar imagens no OPSIS:

http://opsis.fl.ul.pt/

 

Eunice Azevedo/Centro de Estudos de Teatro

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Destaque Teatro em Portugal - Espaços Teatro em Portugal Wed, 07 Mar 2012 12:57:30 +0000
Teatro Nacional D. Maria II http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-nacional-d-maria-ii-87520.html http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-nacional-d-maria-ii-87520.html

(Praça D. Pedro IV, 1100-201 Lisboa, Portugal)

Inaugurado a 13 de abril de 1846 por ocasião do 27º aniversário da rainha D. Maria II, o Teatro Nacional foi instituído legalmente 10 anos antes pela portaria régia de 15 de novembro – assinada pelo ministro do reino, Passos Manuel.

  Teatro Nacional D. Maria II
  Teatro Nacional D. Maria II (fachada), 1933-1983, fot. Estúdio Mário Novais [cortesia da Fundação Calouste Gulbenkian].

Edificado nos escombros do Palácio dos Estaús (consumido por um incêndio em 17 de Julho de 1836), onde funcionara a sede do Tribunal do Santo Ofício, este edifício, construído no topo norte do Rossio em estilo neoclássico pelo arquiteto italiano Fortunato Lodi (1805-1883), teve em Almeida Garrett (a par de Joaquim Larcher) o seu maior idealizador, responsável ainda por outras instituições que surgiram no século XIX.

A ideia de criação de um edifício que acolhesse os dramas nacionais surgiu da vontade de alguns literatos de equiparar a nação a outras da velha Europa que tinham já enraizada a tradição de apresentar ao seu público um leque dramatúrgico adequado à sua realidade. Urgia assim “desafrancesar o teatro” português (SEQUEIRA 1955: 47) e criar um repertório romântico – corrente tendencial – com propósitos nacionais para o público português que se queria também ele mais instruído, crítico e seletivo. No entanto, Portugal tinha já pelo menos dois teatros que se digladiavam pelo epíteto de “Teatro Nacional”. Eram eles o Teatro da Rua dos Condes (1765) e o Teatro do Salitre (1782) – “que igualmente se nomeava[m] de “Portuguez”, “Nacional” e “Real” (SEQUEIRA 1955: 20) – mas que, pelo seu repertório, estavam longe de ser teatros portugueses. Assim, incumbiu-se Luigi Chiari da apresentação de um projeto para o novo teatro onde seriam postos em cena dramas originais portugueses simultaneamente aprovados pelo júri do Conservatório. Foi, no entanto, posteriormente descartado por se revelar excessivamente dispendioso. Vários foram os terrenos cogitados para a construção do edifício, mas o já existente conflito de interesses e o escasso orçamento impediam uma decisão definitiva. Decidiu-se então pelo terreno do Rossio pelo qual a Câmara pediu 19 contos de reis.

A vaga romântica e a valorização do que era nacional marcavam o panorama cultural e fizeram com que a escolha final do italiano Fortunato Lodi para o projeto arquitetónico do Teatro Nacional não fosse consensual. Almeida Garrett foi um dos que se insurgiu contra esta nomeação, mas Lodi, enquanto cunhado do conde de Farrobo, era uma “escolha” obrigatória (ainda que não se tivesse submetido ao concurso). Duramente criticado pelos arquitetos concorrentes durante a edificação do teatro, que começou em 1843, o italiano modificou a planta original do edifício inúmeras vezes, muito também por sugestão dos professores da Academia de Belas Artes que com ele colaboraram na parte escultórica do edifício, nomeadamente Francisco de Assis Rodrigues e António Manuel da Fonseca. Desta intervenção surgiu o baixo-relevo “Apolo e as Musas” – que viria a decorar o interior do frontão triangular apenas no ano seguinte à inauguração –, bem como a estátua de Gil Vicente e as figuras da Tragédia (Melpomene) e da Comédia (Tália), que passariam a figurar apenas em 1848. O pórtico de seis colunas jónicas, trazidas do convento de S. Francisco, sugere um templo romano que, repleto de iconografia mitológica, é encimado pela estátua do pai do teatro português. Projetado inicialmente para mais de um milhar e meio de pessoas, este edifício neoclássico possuía, no interior da sala de espetáculos, tubos acústicos para os espetadores poderem chamar os criados do botequim do teatro.

Alguns dos problemas apontados pelos arquitetos acabaram por se revelar fatais, nomeadamente o problema das infiltrações. O facto de as fundações do teatro terem sido edificadas em terreno alagadiço fez com que os opositores da obra do bolonhês alcunhassem o teatro de “agrião”. A acústica da sala também se mostrou um problema complicado, uma vez que, no dia da estreia da peça inaugural do teatro – Álvaro Gonçalves, o Magriço, ou os Doze de Inglaterra (drama histórico em cinco atos), de Jacinto Heliodoro de Loureiro, aprovada pelo júri do Conservatório para este fim – o público não conseguiu ouvir os atores que, de resto, também não agradaram à plateia. Os meses que se seguiram à inauguração não foram particularmente profícuos para o novo teatro lisboeta, reflexo da agitação política que então se vivia. Nem o facto de este teatro ter a primazia nas representações (sendo os outros teatros obrigados a fechar portas em dias de récita) fez com que o público respondesse com a sua adesão. Surgiram, assim, inevitáveis críticas à sua direção e, em 1853, o Estado foi obrigado a assumir a administração direta do teatro. Reflexo das sucessivas mudanças, rivalidades e legislações avulsas que sofreu, foram também constantes as alterações de nome: idealizado como “da Glória”, principiou como “Normal”, passou a “Nacional” e, na sequência da implantação da República, pela portaria de 6 de dezembro de 1910, “Teatro Nacional Almeida Garrett”, prestando assim homenagem ao seu maior mentor. Gerido, por um largo período, por sociedades de artistas como a Rosas & Brazão e a Rey Colaço-Robles Monteiro, teve com esta última a sua mais longa gestão (de 1929 a 1964). Foi durante a administração de Amélia Rey Colaço que, em dezembro de 1964, o teatro foi destruído por um incêndio, obrigando a companhia a retirar-se para outro espaço, deixando para trás todos os seus pertences, transformados então em cinzas. Renovado e reconstruído por Guilherme Rebelo de Andrade e pelo seu filho Ruy Rebelo de Andrade (respeitando os traços gerais do projeto original), o Teatro Nacional voltou a abrir portas a 11 de maio de 1978 (com as peças Auto da geração humana, de Gil Vicente e O Alfageme de Santarém, de Almeida Garrett), não sem as habituais críticas e algumas novidades: as oficinas de construção de cenários passaram a ser subterrâneas e o palco rotativo e com um elevador. No último piso encontra-se a Sala Estúdio que hoje abriga produções mais pequenas.

Considerado imóvel de interesse público, atualmente, o Teatro Nacional de D. Maria II, Entidade Pública Empresarial (E.P.E.), “é dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, que está sujeita aos poderes de superintendência e tutela dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da cultura”, conforme se pode ler no sítio eletrónico da instituição.

 

Bibliografia

AA.VV. (1973). Monumentos e edifícios notáveis do distrito de Lisboa. Vol. 5, 1º tomo: Junta Distrital de Lisboa.

CARNEIRO, Luís Soares (2003). Teatros portugueses de raiz italiana. Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (texto policopiado).

GAMEIRO, Luís (2011). António Pinheiro: Subsídios para a história do teatro português. Dissertação de Mestrado em Estudos de Teatro apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (texto policopiado).

SEQUEIRA, Gustavo de Matos (1955). História do Teatro Nacional D. Maria II: Publicação comemorativa do centenário 1846-1946. 2 vols. Lisboa: Oficinas Gráficas de Ramos, Afonso & Moita.

 

Sitiografia

http://www.teatro-dmaria.pt

 

Consultar a ficha de espaço na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espaco&ObjId=35

Consultar imagens no OPSIS:

http://opsis.fl.ul.pt/

 

Andreia Brito Silva/Centro de Estudos de Teatro

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Destaque Teatro em Portugal - Espaços Teatro em Portugal Wed, 18 Apr 2012 11:11:07 +0000
Teatro Nacional de São Carlos http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-nacional-de-sao-carlos-63547.html http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-nacional-de-sao-carlos-63547.html

(Rua Serpa Pinto, nº 9 – 1200-442 Lisboa, Portugal)

As obras de construção do Teatro Nacional de São Carlos tiveram início a 8 de dezembro de 1792, por iniciativa e proteção do Intendente Geral da Polícia, Diogo Inácio de Pina Manique, cujos esforços para a aceleração do processo burocrático que envolvia a fundação do novo espaço encurtaram substancialmente o tempo de construção do edifício.

  Teatro Nacional São Carlos
  Teatro Nacional S. Carlos (fachada), 1940-1980, fot. Estúdio Mário Novais [cortesia da Fundação Calouste Gulbenkian].

A sua inauguração ocorreu a 30 de junho de 1793, com a ópera em dois atos La ballerina amante, de Domenico Cimarosa, seguida do bailado A felicidade lusitana, de Caetano Gioia. Incluído no programa esteve também um elogio cantado, composto por António Leal Moreira, no âmbito das celebrações da gravidez da princesa Carlota Joaquina, a quem foi dedicado o Teatro de S. Carlos, projetado pelo arquiteto José da Costa e Silva, em estilo neoclássico. O Teatro, cujo estatuto híbrido de teatro público e teatro Real o tornava único no panorama português, foi construído com o apoio financeiro de um poderoso grupo de comerciantes lisboetas, para receber grandes produções operáticas num espaço cuja magnificência era digna da Família Real.

Após a destruição da opulenta Ópera do Tejo pelo terramoto de 1755, Lisboa carecia de um espaço digno do espetáculo operático, visto que os teatros públicos de então – como o Teatro do Salitre, o Teatro do Bairro Alto e o Teatro da Rua dos Condes – não reuniam as condições exigidas para um espetáculo deste tipo. Esta necessidade foi suprida com o aparecimento do Teatro de S. Carlos, projeto que surgiu numa conjuntura de ascensão de uma burguesia enriquecida sob a égide pombalina. Financiaram a obra do novo teatro abastados comerciantes como Anselmo José da Cruz Sobral, Joaquim Pedro Quintela, Jacinto Fernandes Bandeira, João Pereira Caldas, António Francisco Machado e António José Ferreira (CRUZ 1992: 10).

A figura de Pina Manique foi também essencial para a construção do teatro, uma vez que persuadiu o príncipe regente a autorizar o início das obras, sob o pretexto de uma homenagem à princesa Carlota Joaquina, esposa do futuro D. João VI, que esperava um filho. Foi atribuída ao S. Carlos uma dimensão de solidariedade social, uma vez que faria parte integrante da Casa Pia, justificando assim o seu financiamento. Foi o decreto do príncipe regente de 28 de abril de 1793 que concedeu a autorização oficial para a construção do novo teatro, colocado sob a administração da Intendência da Polícia, mas cuja exploração foi posteriormente entregue a empresários (CARVALHO 1993: 53).

Os primeiros empresários a explorarem o S. Carlos foram Francisco António Lodi e André Lenzi, que aí exerceram funções desde a abertura do teatro até 1799. As temporadas sob a responsabilidade desta dupla foram recordadas por Sousa Bastos como "brilhantes pelo esplendor com que as óperas foram postas em cena", bem como pela qualidade dos artistas estrangeiros que, sob a égide destes dois empresários, marcaram presença no teatro (BASTOS 1898: 795). Empresário de destaque foi também o Conde de Farrobo (em funções entre 1838-40), filho do Primeiro Barão de Quintela, que ofereceu ao S. Carlos "um período de grande esplendor artístico, reflexo do bom gosto e da cultura musical" deste benemérito das artes (MOREAU 1999: 60). O teatro foi comprado pelo estado português em 1854, por iniciativa de Fontes Pereira de Melo, por ser "vantajoso que o teatro não pertencesse a um particular, debaixo do ponto de vista da arte e da conservação do edifício" (BENEVIDES 1993: 250).

No espetáculo de inauguração, a 30 de junho de 1793, a família real fez-se acompanhar de toda a corte para assistir à representação de La ballerina amante, de Domenico Cimarosa, seguida de um bailado e de um elogio cantado, tendo este último sido composto pelo maestro que dirigiu o espetáculo, António Leal Moreira, que foi também o primeiro maestro-diretor do S. Carlos, desde a sua abertura até 1800, ano em que foi substituído por Marcos Portugal.

Aquando da sua inauguração, o S. Carlos era um espaço único na capital, não apenas pela sua dimensão, magnificência e boas condições de funcionamento, mas também por ser um espaço concebido especificamente para a representação de teatro lírico. Todavia, uma característica que o tornava ainda mais especial era o seu estatuto híbrido de teatro público — qualquer cidadão pagante seria admitido quando se apresentava vestido a rigor — com uma função representativa da coroa portuguesa (CARVALHO 1993: 54). Este hibridismo, prova das transformações sociais da época, apresentava-se como uma marca clara do esbatimento da distância entre a burguesia e a aristocracia, possibilitando a socialização entre estas duas classes. Deste modo, o S. Carlos representava para a alta burguesia "o símbolo da sua própria ascensão", uma vez que "eram os grandes negociantes quem fazia construir um teatro que exteriormente não se distinguia da cidade burguesa, mas em cujo interior a corte recebia um exagerado lugar de honra e que o rei passava a utilizar desde esse momento como único teatro da corte" (CARVALHO 1999: 59).

O espaço original — edificado à semelhança do Teatro di San Carlo de Nápoles, consumido pelo fogo em 1816 — foi projetado pelo arquiteto José da Costa e Silva. As obras de edificação foram concluídas em apenas seis meses com um custo total de 165,845$196 réis (CRUZ 1992: 14), dando origem a uma sala de espetáculos com atributos técnicos perfeitos, de forma elíptica e com cinco planos de espectadores — um primeiro piso composto por plateia e frisas, camarotes de 1ª, 2ª e 3ª ordem, e um último piso com varandas e torninhas. Uma sumptuosa tribuna real, da autoria de Giovanni Maria Appiani, concluída em 1821, erguia-se ao centro da sala, no lado oposto ao palco, ocupando parte dos três pisos que compreendem a área dos camarotes. Esta sala foi inicialmente dotada de um mobiliário pouco confortável que foi, mais tarde, substituído por verdadeiras cadeiras (CRUZ 1992: 20). Ainda hoje a sala apresenta tanto uma visibilidade como uma acústica bastante boas, apesar das modificações levadas a cabo na estrutura original do edifício (1878-79), que encurtaram o palco em cerca de dois metros para ampliar a plateia, afetando a acústica original. O edifício primitivo era composto também pelo Salão das Oratórias — atualmente Salão Nobre —, concluído em 1796 e "comummente utilizado em recepções, exposições, concertos e mesmo em espectáculos de ópera de câmara" (CRUZ 1992: 25), bem como por botequins, oficinas, uma sala de bilhar, arrecadações, salas de ensaio e biblioteca. Muitas destas salas têm hoje um papel distinto do que fora o seu inicial e outras foram anexadas ao Salão Nobre, expandindo-o.

O edifício – ampliado em 1888 pela integração de um edifício contíguo para acolher camarins, salas de ensaio e outras divisões direcionadas ao funcionamento do teatro (CRUZ 1992: 80) – apresenta uma fachada simples, no estilo neoclássico, que “evidencia grande sobriedade e equilíbrio: três arcadas frontais e duas laterais, em cantaria, são cobertas por uma espaçosa varanda […] constituindo a loggia por onde se faz o acesso principal ao interior do Teatro” (ibidem: 25). A elegante aparência inicial do átrio foi transformada pelas obras de 1906, a cargo de Ventura Terra, que fizeram desaparecer a pintura da queda de Faetonte, elaborada por Cyrillo Volkmar Machado. Na estrutura original os arcos do pórtico estavam fechados por meio de portas de ferro que se abriam apenas em noites de espetáculo, característica alterada na década de 1930, altura em que se realizou uma extensa remodelação para a qual foi necessário o fecho do teatro. Para além deste encerramento temporário (1936-40), registam-se outros dois: o primeiro, devido à Guerra Civil (1828-34), e um outro decretado pelo Governo (1912-20). As já referidas obras de restauro ficaram a cargo do arq. Guilherme Rebello de Andrade — por iniciativa do então ministro das Obras Públicas, o eng. Duarte Pacheco — e vieram dotar o S. Carlos da “beleza e do conforto que ele nunca possuíra” (MOREAU 1999: 182), abarcando o átrio, a escadaria, o Salão Nobre, a plateia, os camarotes, o fosso da orquestra e o palco, que foi reforçado.

A iluminação original era feita por meio de velas de sebo, colocadas em lustres e candelabros distribuídos por todo o edifício. A sua utilização era desagradável devido ao cheiro e fumo que produziam. Estas velas foram posteriormente substituídas por umas inodoras e permaneceram, juntamente com um grande lustre central de candeeiros de azeite instalado em 1819, a única fonte de iluminação do teatro até 1850, ano em que foi instalada a iluminação a gás. A luz elétrica chegou ao S. Carlos em 1885, por meio de um complexo processo de adaptação que demorou um ano a completar. A iluminação elétrica, contrariamente à antiga iluminação, era incapaz de manter a sala a uma temperatura agradável (CRUZ 1999: 27-29), o que motivou o eng. António Teixeira Júdice a criar uma máquina que insuflava ar quente para dentro da sala (ibidem: 29).

Para além do espetáculo operático, o S. Carlos albergou também oratórias e concertos – de entre muitos, destaca-se a presença de Franz Liszt, em 1845 – bem como bailados e teatro declamado. No teatro declamado destaca-se a passagem de Sarah Bernhardt e a sua companhia, em novembro de 1895. Relativamente aos bailados, registe-se a passagem da companhia Bolshoi, da Royal Ballet e da Ópera de Paris. Mais recentemente passaram pelo S. Carlos notáveis intérpretes do espetáculo operático entre os quais se destacam Maria Callas, Renata Tebaldi, Placido Domingo, Alfredo Kraus e Monserrat Caballé.

 

Bibliografia

Anon. (1940). Cenários do Teatro São Carlos. Publicação do Ministério da Educação Nacional. Lisboa: M.E.N.

BENEVIDES, Francisco Fonseca (1993). O Real Teatro de São Carlos de Lisboa, 3 vols. Lisboa: Instituto da Biblioteca Nacional e do livro.

BRITES, Sara (2011). Gestão dos Corpos Artísticos no Teatro Nacional de São Carlos. Relatório de Estágio da Licenciatura em Estudos Artísticos na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (texto policopiado).

CARVALHO, Mário Vieira de (1993). Pensar é morrer ou O Teatro de São Carlos. Lisboa: IN-CM.

COSTA, Joel (1993). Teatro de São Carlos. Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura.

CRUZ, Manuel  Ivo (1992). O Teatro Nacional de S.Carlos. Porto: Lello Editores.

MACHADO, Júlio César (2002). Os Teatros de Lisboa. Lisboa: Frenesi.

MOREAU, Mário (1999). O Teatro de S. Carlos: Dois séculos de história, 2 vols. Lisboa: Hugin Editores.

NORONHA, Eduardo de (1945). O Conde de Farrobo. Lisboa: Romano Tôrres.

SEABRA, Augusto M. (1993). Ir a S. Carlos. Lisboa: Correios de Portugal.

SOUSA BASTOS, António (1898). Carteira do artista. Lisboa: Antiga Casa Bertrand.

___ (1908). Dicionário de teatro português. Lisboa: Imp. Libânia da Silva (há uma edição fac-similada de 1994, Coimbra: Minerva).

TRINDADE, Arthur (1910). O Theatro São Carlos. Lisboa: Empresa da História de Portugal.

 

Sitiografia

http://www.saocarlos.pt/ 

 

Consultar a ficha de espaço na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espaco&ObjId=195

Consultar imagens no OPSIS:

http://opsis.fl.ul.pt/

 

Eunice Azevedo/Centro de Estudos de Teatro

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Destaque Teatro em Portugal - Espaços Teatro em Portugal Wed, 18 Apr 2012 11:19:05 +0000
Teatro Nacional de São João http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-nacional-de-sao-joao-55592.html http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-nacional-de-sao-joao-55592.html

(Praça da Batalha, 4000-102 Porto, Portugal)

O Teatro Nacional de São João tem uma história longa e atribulada enquanto espaço arquitetónico e enquanto espaço de teatro e de sociabilização, a partir da qual se pode sentir a pulsação da sociedade portuense ao longo dos séculos XIX, XX e XXI.

  Teatro Nacional S. João
  Teatro Nacional S. João (novo), s.d., postal ilustrado [Arquivo Histórico Municipal do Porto].

Inaugurado em 1798, o teatro passou por administrações municipais e gestões privadas, apresentando espetáculos de toda a natureza – de teatro declamado a ópera, passando por concertos, bailes, variedades – que apelaram a um público também ele variado (embora seja a burguesia que a ele mais se associa).

Estabeleceu-se como o principal teatro do Porto, até que, em 1908, um incêndio o destruiu quase por completo. A sua continuidade provou ser um assunto delicado e demorado, mas a reconstrução ganhou forma e o novo teatro abriu as portas em 1920. Durante parte do século XX o cinema tomou conta do espaço mas, em 1992, o Estado português adquiriu o edifício e redirecionou-o para o teatro, revitalizando o espaço e, sobretudo, a instituição – que se tornou uma das maiores promotoras das artes performativas do país.

Foi por proposta de Francisco d’Almada Mendonça que nasceu, em 1796, a ideia de construção de um teatro “digno” na cidade do Porto, que cumprisse o novo modelo de espaço conceituado para as artes e para a sociabilização que era concretizado, em Lisboa, pelo então recente Teatro de S. Carlos.

A escolha do local antecipou, estrategicamente, questões tanto urbanísticas como económicas, e a decisão recaiu sobre um terreno junto à Praça da Batalha, onde estava situada a muralha de fortificação. Embora na altura não fosse particularmente central, esta localização garantia boa acessibilidade tanto na rede urbana da época, como nas previsões de crescimento da cidade e, adicionalmente, assegurava algumas facilidades na aquisição (os terrenos da muralha, públicos, eram cedidos a quem garantisse construção breve). O projeto começou então a delinear-se naquele terreno fora do comum, entre a Viela do Captivo e a Viela dos Entrevados, junto à Real Casa Pia e ao Hospital da Irmandade da Caridade. O desenho da construção adiantava um edifício estreito para o seu comprimento, que procurava otimizar as vantagens económicas de ser implantado na muralha (a tomada de mais terreno público e da pedra nele contida) independentemente de lógicas arquitetónicas ou urbanísticas.

A formação de uma sociedade de ações, constituída sobretudo por burgueses portuenses, tornou a obra possível e, com desenho do italiano Vicente Mazzoneschi (que se encontrava em Lisboa como cenógrafo do Teatro S. Carlos), nasceu em 1798 o Real Theatro de S. João, em homenagem ao Príncipe Regente. A inauguração foi feita a 13 de maio, dia do seu aniversário, e os jornais referem “hum Elogio em Musica, dedicado a S.A.R., e huma Comedia intitulada A Vivandeira” (Gazeta de Lisboa, 01-06-1798: 4).

O edifício seguia o modelo italiano e, embora o exterior fosse bastante mais sóbrio do que o previsto no projeto – segundo algumas opiniões “a fachada era pessima” (SOUSA BASTOS 1908: 367) –, o interior era alvo de elogios, sendo realçada a beleza da sua decoração – o Archivo Popular indicava não ser esta inferior à do Teatro de S. Carlos “no gosto e na riqueza das ornamentações” e o Archivo Pittoresco mencionava o salão ornamentado “com singela elegância”, que “sem ser rico acha-se bem decorado e guarnecido” (CARNEIRO 2010: 50). No piso térreo situavam-se a entrada, as bilheteiras e os bengaleiros, uma “casa de devertimentos e recreios” e uma “loja de bebidas”, assim como todos os corredores de acesso à sala e ao exterior. Esta entrada não se considerava propriamente um átrio, facto notado e corrigido nas remodelações de 1888. O primeiro piso era constituído pela galeria nobre, a tribuna real e o salão de concertos. O segundo piso era ocupado principalmente pelos espaços laterais do salão (este tinha duplo pé direito) e, provavelmente, escritórios dos empresários e arquivos, enquanto o terceiro piso era inteiramente dedicado à pintura dos cenários. A sala de espetáculos, com uma lotação de cerca de 1200 lugares, tinha, além da plateia, frisas e três ordens de camarotes, marcadas pela tribuna real ao centro. Esta e a sala que lhe servia de anexo eram os espaços onde a decoração era mais cuidada e profusa, apesar de a família real raramente ali marcar presença – as ocasiões solenes, que o Rei celebrava no Teatro de S. Carlos, eram marcadas no Teatro de S. João pela colocação de um retrato do Rei na tribuna real, acompanhada do hino e de todos os protocolos. Possivelmente relacionada com as especificidades da área de construção estava a questão da acústica da sala de espetáculos. Sendo elogiada a sua aptidão para ópera e concertos, são vários os testemunhos que a relataram totalmente inadequada para o teatro declamado: mesmo que os atores gritassem, era difícil acompanhar o espetáculo a partir do fundo da sala, o que pode explicar a ênfase dada à ópera na programação das temporadas, pelo menos até às remodelações de 1866, em que esse problema foi considerado.

Mas o facto é que a ópera foi a principal atividade do Real Theatro de S. João, programando sobretudo companhias estrangeiras. Os cantores eram maioritariamente italianos, mas destacaram-se nos palcos do S. João portugueses como Eduardo Ribas e os irmãos Andrade. Outros percalços levariam ao encerramento do teatro por falta de qualidade dos espetáculos apresentados, o que aconteceu repetidamente com a temporada lírica da companhia Paccini/Chiaramonte, mas que não abalaram o estatuto deste teatro na sociedade portuense. Enquanto a ópera apelava a um público mais erudito, o teatro declamado era acessível a um público mais alargado, o que melhorou consideravelmente com os aperfeiçoamentos acústicos da sala.

  Teatro São João
  Teatro Nacional S. João (antigo), s.d., postal ilustrado.

Foram inúmeras as remodelações de que o edifício foi alvo, tanto para melhoramentos estéticos como para modificações funcionais. São exemplo disso as obras de 1835, após os bombardeamentos das Guerras Liberais; em 1838, a colocação de candeeiros de azeite e casas-de-banho; e em 1888, pela mão do Eng. Araújo e Silva, a abertura do átrio e melhoramentos na segurança (motivados pela tragédia do Teatro Baquet). Estas preocupações de segurança não conseguiram, contudo, evitar o grande incêndio de 1908. Na noite de 11 para 12 de abril, apesar das frequentes fiscalizações que nada haviam apontado, o teatro foi quase totalmente destruído por um incêndio cujas causas nunca foi possível apurar em definitivo.

O processo de reconstrução foi demorado e delicado: além de as decisões iniciais se terem arrastado, sobretudo no que toca às pessoas e entidades envolvidas no projeto, também as discussões acerca do local e das possibilidades de reconstrução foram sensíveis. Mas apesar das limitações do terreno, o trauma da perda do edifício original impedia que o projeto fosse levado para outro sítio e a decisão assentou de novo no mesmo local – o teatro de S. João havia criado uma identidade e raízes naquele terreno na Batalha. Foi aberto concurso de projetos, com requisitos específicos quanto a área de construção, segurança, decoração e, obviamente, limite de custos. Foram necessários dois concursos para que surgisse o projeto adequado, da autoria de Marques da Silva, aprovado pela Câmara em abril de 1910. As obras também sofreram grandes atrasos (relacionados com financiamentos, a dificuldade de obter materiais durante a Primeira Guerra Mundial e a instabilidade política da Primeira República) e o novo S. João só abriu as portas a 7 de março de 1920, quase doze anos após o incêndio.

O novo edifício combinava a identidade do original com alguns traços do modelo de teatros franceses, o que o tornava popular. Um vestíbulo com as bilheteiras precedia o átrio solene, do qual partiam escadarias que o ligavam a todos os espaços. Mas o verdadeiro núcleo deste teatro era o avant-foyer, de pé direito duplo, que constituía a zona de sociabilidade por excelência. Havia ainda um restaurante, um fumoir e, pela primeira vez em Portugal, instalações sanitárias pensadas estruturalmente com o edifício. A sala de espetáculos, já sem tribuna real, tinha uma decoração abundante que, inovando nalguns elementos, integrava motivos da decoração do primeiro teatro, numa reminiscência que pretendia reforçar a continuidade e ligação de ambos.

Só em 1995 voltaram a fazer-se grandes remodelações no edifício, desta vez já como património público – foi adquirido pelo Estado português em 1992, ano em que adotou o nome Teatro Nacional de S. João e se estabeleceu como instituição pública. As obras de 1995 contemplaram sobretudo o restauro das zonas do público, a modernização das instalações técnicas e a transformação do foyer na Sala Experimental. Como entidade, o TNSJ agrega e é responsável pela programação do TeCA – Teatro Carlos Alberto e do Mosteiro de São Bento da Vitória.

 

Bibliografia

CARNEIRO, Luís Soares (2003). Teatros portugueses de raíz italiana. Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (texto policopiado).

___ (2010). A estranheza da Estípite – Marques da Silva e o(s) Teatro(s) de S. João. Porto: Fundação Instituto José Marques da Silva.

___ (2012). “Vestígios, Permanências e Continuidades” in Sinais de Cena, nº 16. Lisboa: APCT/CET, pp. 119-124.

GRAÇA, Manuela Carmona (1995). Actividades artísticas do Real Theatro de S. João (1798-1908): I. A ópera, separata da Revista Museu, IV série, nº4. Porto: Revista Museu.

___ (1996). Actividades artísticas do Real Theatro de S. João (1798-1908): II. O Teatro, a Música, Diversos, separata da Revista Museu, IV série, nº5. Porto: Revista Museu.

SOUSA BASTOS, António (1908). Diccionário de Theatro Portuguez. Lisboa: Imp. Libanio da Silva (há uma edição fac-similada de 1994. Coimbra: Minerva). 

 

Consultar a ficha de espaço na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espaco&ObjId=38

Consultar imagens no OPSIS:

http://opsis.fl.ul.pt/

 

Joana d’Eça Leal/Centro de Estudos de Teatro

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Destaque Teatro em Portugal - Espaços Teatro em Portugal Wed, 18 Apr 2012 11:24:23 +0000
Teatro Variedades http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-variedades.html http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/teatro-variedades.html

(Parque Mayer – 1250 Lisboa, Portugal) (Parque Mayer – 1250 Lisboa, Portugal)

Idealizado em 1922 para ser a segunda casa de espetáculos do Parque Mayer, em Lisboa, o Teatro Variedades começou a ser construído em 1924 com o traço de Urbano de Castro.

  Teatro Variedades
  Teatro Variedades (fachada), 1961, fot. C. Madeira [cortesia do Museu Nacional do Teatro, cota: 57625].

Foi inaugurado em 1926 com o espetáculo de revista Pó de arroz, assinado pelos “Troianos”, pseudónimo de uma parceria composta por Ernesto Rodrigues e Luís Galhardo, entre outros. Situado onde antes existira o lago dos jardins do palacete Mayer, apresentou espetáculos de revista e de teatro declamado, tendo sofrido também um incêndio, em 1966, à semelhança de outros edifícios do Parque. Com esporádicas apresentações ao longo dos anos noventa do séc. XX, abriu as suas portas pela última vez nessa mesma década. 

O Teatro Variedades, construído no Parque Mayer – com projeto de Urbano de Castro –, foi o segundo a ser edificado neste recinto, tendo sido inaugurado a 8 de julho de 1926, quando o primeiro teatro do Parque – Maria Vitória – apresentava a sua sexta revista. Foi com o espetáculo Pó de arroz, encenado por [Artur] Rosa Mateus, que esta casa abriu as portas ao público, apresentando no cartaz Vasco Santana como primeira atração e Augusto Costa (Costinha) como compère. Desde a sua inauguração, o Teatro Variedades foi regular na produção de espetáculos, apresentando uma média de cinco por ano até à década de sessenta, altura em que se registou uma visível quebra produtiva.

Neste teatro, no ano de 1931, celebrizaram-se êxitos da canção popular como o “Burrié”, da revista O mexilhão, interpretado por Beatriz Costa e “O cochicho”, da revista Pim! Pam! Pum!, protagonizado inicialmente por Maria das Neves, mas popularizado por Beatriz Costa. Nos anos sessenta Giuseppe Bastos e Vasco Morgado asseguraram em conjunto a exploração do Teatro Variedades, tendo então promovido uma série de renovações no seu interior.

Aqui se apresentaram artistas cómicos como Vasco Santana e Raul Solnado e atores e atrizes do teatro declamado como foi o caso de Eunice Muñoz, no espetáculo Lições de matrimónio (1965) de Leslie Stevens. Na mesma década e na revista Zero, zero, zero, ordem para matar (1966), José Viana interpretou o “Fado do cacilheiro”, tema que se tornou conhecido do grande público. Nesse mesmo ano o Variedades sofreu um incêndio quando estava em cena o espetáculo Descalços no Parque, com Irene Isidro no elenco.

Foi com a revista Ó pá, pega na vassoura, de 1974 – a primeira depois da revolução de Abril de 1974 – que o autor José Viana apresentou um texto de forte componente política, em que defendia a união das forças de esquerda e fazia um louvor aos intervenientes do 25 de Abril (PORTO/MENEZES 1985: 34).

Na década de noventa, os empresários Hélder Freire Costa e Vasco Morgado Júnior investiram na renovação do interior deste teatro e foi a partir deste espaço que, em 1992, o encenador Filipe La Féria gravou para a RTP1 o programa semanal Grande noite – uma série de 26 episódios, com um leque de artistas convidados que se tinham distinguido nalguns dos espetáculos do Parque Mayer, para além de um elenco fixo que contava com a presença de atores mais jovens. A necessária recuperação deste teatro, várias vezes prometida, ainda não se concretizou.

 

Bibliografia

FRANCISCO, Rui / RAMOS, José (1992). “Mayer, o Parque Triste”, in AA.VV, Arqueologia e recuperação dos espaços teatrais: compilação das comunicações apresentadas no colóquio. Lisboa: ACARTE/ Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 277- 288.

NEGRÃO, Albano Zink (1965). O Parque Mayer: cinquenta anos de vida. Lisboa: Editorial Notícias.

PORTO, Carlos / MENEZES, Salvato Teles (1985). 10 anos de teatro e cinema em Portugal : 1974-1984. Lisboa: col. Nosso Mundo, ed. Caminho.

REBELLO, Luiz Francisco (1984). História do Teatro de Revista em Portugal. Vol.I. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

___ (1985). História do Teatro de Revista em Portugal. Vol.II. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

SANTOS, Vítor Pavão (1978). A revista à portuguesa: uma história breve do teatro de revista. Lisboa: O jornal.

TRIGO, Jorge e REIS, Luciano (2004). Parque Mayer, (1922/1952), vol.I. Lisboa: Sete Caminhos.

___ (2005). Parque Mayer, (1953/1973), vol II. Lisboa: Sete Caminhos.

___ (2006). Parque Mayer, (1974/1994), vol III. Lisboa: Sete Caminhos.

 

Consultar a ficha de espaço na CETbase:

http://ww3.fl.ul.pt/CETbase/reports/client/Report.htm?ObjType=Espaco&ObjId=66 

Consultar imagens no OPSIS:

http://opsis.fl.ul.pt/

 

Andreia Brito Silva/Centro de Estudos de Teatro 

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luis.morgado@instituto-camoes.pt (Luís Morgado) Destaque Teatro em Portugal - Espaços Teatro em Portugal Tue, 14 Aug 2012 15:21:08 +0000