Atividades didáticas http://cvc.instituto-camoes.pt/cartografia-e-cartografos-dp6.html Fri, 21 Feb 2025 04:05:46 +0000 Joomla! - Open Source Content Management pt-pt naoresponder.plataforma.cvc@fbapps.pt (Centro Virtual Camões) Martellus, Henricus http://cvc.instituto-camoes.pt/cartografia-e-cartografos/martellus-henricus-48084-dp9.html http://cvc.instituto-camoes.pt/cartografia-e-cartografos/martellus-henricus-48084-dp9.html Martellus, Henricus

Sobre este cartógrafo pouco se sabe, dada a escassez de dados biográficos existentes sobre o mesmo. Sabemos ser de nacionalidade alemã, pois ao seu nome latinizado acrescentava o aposto “germanus”. Henricus Martellus Germanus operou em Itália, na cidade de Florença, no último quartel do século XV, na oficina do gravador e impressor de cartas náuticas, Francesco Rosselli. Alguns autores, entre os quais Roberto Almagià, admitem que Martellus tenha trabalhado em associação com Rosselli, concluindo aquele estudioso italiano que uma parte da obra cartográfica de Martellus Germanus se radica na obra de Rosselli, não obstante Armando Cortesão admitir que “apenas se pode conjecturar” a eventual associação entre os dois cartógrafos. De importância fundamental para a história da cartografia quatrocentista, avulta o planisfério de raíz ptolomaica, da autoria de Henricus Martellus, datado de c. 1489, inserido no Insularium Ilustratum Henrici Martelli Germani, de que se conhecem quatro cópias: no British Museum, na Biblioteca da Universidade de Leiden, no Musée Condé de Chantilly, e na Biblioteca Laurenziana de Florença. A raíz ptolomaica na obra deste cartógrafo foi observada por O. A. W. Dilke a propósito do grande mapa-mundi manuscrito, datado de c. 1490, com assinatura “Opus Henricus Martellus Germanus”, que se guarda na Biblioteca da Universidade de Yale, divulgado em 1963 por Alexandre Vietor. Dilke deduz que o cartógrafo, ao utilizar a Segunda Projecção de Ptolomeu na execução desta carta, foi “aparentemente a primeira pessoa que optou por este procedimento”. Na carta de Martellus, de c. 1489, encontram-se registados os resultados da segunda viagem de Diogo Cão, quando este navegador, em 1486, erigiu o seu quarto padrão em “c. de padrom” e chegou a “serra parda”, bem como as consequências da viagem de Bartolomeu Dias de 1487-88, no decorrer da qual descobriu a costa africana para além do término da última viagem de Diogo Cão, dobrou o Cabo da Boa Esperança e, tendo passado pela “ilha de fonti”, aportou a “rio do Infante” à entrada do Oceano Índico. Neste planisfério, as viagens efectuadas pelos dois navegadores portugueses são evocadas por três legendas. Na legenda inscrita sobre o Golfo da Guiné, diz-se: “Hec est Uera forma moderna affrice secundum discripcione Portugalesium Jnter mare Mediterraneum et oceanum meridionalem”. Esta legenda é bastante ilucidativa da moderna configuração do continente africano, entre o Mediterrâneo e o Índico. Uma segunda legenda ilucida-nos sobre a colocação do referido quarto padrão no Cabo do mesmo nome, quando da última viagem de Diogo Cão, e refere: “Ad hunc usq; montem qui vocatur niger per venit classis secundi regis portugalie cuia classis perfectus erat diegus canus qui in memoriam rei erexit colunam marmorea cum crucis ab mõte nigro et hic moritur”. A terceira e última inscrição, diz respeito à dobragem do Cabo e à chegada de Bartolomeu Dias à “ilha de fonte” e observa a data de 1489, portanto, imediatamente a seguir à viagem deste navegador. Reza a legenda: “ Hunq usq ad Ilha de fonti pervent ultima navegatio portugalesium. anno. d. ni. 1489”. Como refere Inácio Guerreiro, este monumento cartográfico da autoria de Henricus Martellus inscreve-se num grupo de cartas vulgarmente designadas por “luso-ptolomaicas”, que procuram conciliar uma cartografia de natureza prática, que tem por base a observação directa dos lugares e uma cartografia de raíz erudita e humanística, que ainda prevalecia nas oficinas dos cartógrafos onde Ptolomeu era modelo a observar. O facto de Martellus Germanus ter elaborado o seu mapa-mundi a partir de originais portugueses desaparecidos, realça o seu excepcional valor, dada a escassez de monumentos cartográficos portugueses executados no século XV por um lado, e, por outro, vem contribuir para a desmistificação da polémica questão da “política de sigilo”, pois, como observa Luís de Albuquerque, esta tese deve ser apenas encarada como hipótese de trabalho. Dada a abundante presença de estrangeiros na corte de Lisboa, interessados no comércio das nossas espécies cartográficas, o pretenso cuidado dos monarcas portugueses teve limitados ou nulos efeitos. Segundo Armando Cortesão, baseado em estudos de H. Winter e E. G. Ravenstein, Martim Behaim ter-se-á inspirado no mapa de Martellus na construção do seu Globo.

Augusto O. Quirino de Sousa


Bibliografia
ALBUQUERQUE, Luis de, “A Cartografia Portuguesa dos Séculos XV e XVI”, in História e Desenvolvimento da Ciência em Portugal, vol. II, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 1986, pp. 1061-1084.
CORTESÃO, Armando, Cartografia e Cartógrafos Portugueses dos Séculos XV e XVI, Lisboa, Seara Nova, 1935.
IDEM, História da Cartografia Portuguesa, vol. II, Lisboa, 1970, pp. 204-209.
GUERREIRO, Inácio, “A viagem de Bartolomeu Dias e os seus reflexos na Cartografia Europeia Coeva,”, in A Viagem de Bartolomeu Dias e a Problemática dos Descobrimentos, Actas do Seminário realizado em Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e Horta, de 2 a 7 de Maio de 1988, pp. 133-143.

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Cartografia e Cartógrafos Tue, 28 Jul 2009 15:34:45 +0000
Ptolomeu http://cvc.instituto-camoes.pt/cartografia-e-cartografos/ptolomeu-dp12.html http://cvc.instituto-camoes.pt/cartografia-e-cartografos/ptolomeu-dp12.html Ptolomeu

Matemático, astrónomo e geógrafo grego que viveu no século II d.C. (Tebas c.90 – Canope c.168), a sua vida decorre na época dos imperadores «Antoninos». Período particularmente rico para o Império Romano, quer do ponto de vista económico e social, quer do ponto de vista cultural e intelectual. Reina a Pax Romana, e com ela desenvolvem-se as artes, as trocas intelectuais, a difusão das ideias. A obra de Cláudio Ptolomeu abarca, essencialmente, três domínios: Matemática, Astronomia e Geografia. A Mathematik Sintaxis ou Megale Sintaxis é uma das suas obras mais divulgadas. Especialmente a partir dos séculos VIII e IX, quando é traduzida para árabe com o título de Al Madjiristi, mais conhecida pelo nome latino de Almagestum. As teorias expostas por Ptolomeu, neste trabalho composto por treze majestosos livros, tornaram-se a matriz do pensamento astronómico acerca do universo durante 1700 anos.

Quanto à Geografia, facto que aqui importa realçar, o alexandrino concebeu uma obra com o título de Gheograpfiké Uféghesis (tratado ou guia de Geografia ou simplesmente, como passaria a ser conhecida, por Geografia). Um dos problemas discutidos por Ptolomeu é o dos métodos para a elaboração de mapas-múndi. Esboça também vários tipos de projecção cartográfica e critica ainda os trabalhos de Marino de Tiro. Foi no Renascimento que o livro veio a ter maior impacto. Manuel Chrysolorus, um letrado vindo de Bizância para Itália, inicia sua a tradução. Contudo, seria Jacopo de Angiolo, aluno do bizantino, a concluir essa tarefa por volta do ano de 1406. Circulando primeiro com o título de Cosmografia e logo depois de Geografia, o que demonstra uma rápida modificação semântica, como argutamente aponta o Professor Luís de Albuquerque, a obra veio a ser continuamente editada: sete vezes entre 1475 e 1490. A primeira edição, na cidade de Vicenza (1475), não contém cartas, mas logo nas tiragens seguintes são acrescentados os mapas. Afigura-se digno de registo o facto de não sabermos ao certo se as cartas são ou não da autoria de Ptolomeu.

A difusão do livro, especialmente nos centros eruditos italianos e alemãs ligados à cultura humanista é extremamente importante, sobretudo porque vai obrigar a uma renovação dos estudos de Geografia. O que não foi o suficiente para impedir um choque com as descrições geográficas e cartográficas dos marinheiros ibéricos, que chegavam de paragens longínquas com uma visão diferente daquilo que era descrito na obra do alexandrino. No ano de 1490 interrompem-se as edições da Geografia. Só em 1507 são retomadas as tiragens. Estes dezassete anos, que separam a sétima da oitava edição do livro, são marcados por profundas alterações no quadro mental europeu, no que à imagem do Mundo diz respeito. Não se podia esconder por muito mais tempo os erros e lacunas que a obra do geógrafo alexandrino albergava. Nomeadamente quanto ao cálculo das dimensões terrestres; à ausência de comunicabilidade entre o oceano Índico e Atlântico; tal como uma extensão excessiva em longitude do continente asiático. A viagem que Bartolomeu Dias efectuou em 1487-1488, demonstrando que havia uma comunicação directa entre os dois oceanos (Atlântico e Índico), representa o primeiro golpe de misericórdia na geografia ptolomaica. A viagem de Cristovão Colombo, por seu turno, iniciada em 1492, descobrindo um novo continente vem reforçar a ruptura. Assim, as novas edições da Geografia, que a partir de 1507 retomam o seu curso, passam a conter as "tabulae novae", isto é, a par das cartas tradicionais aparecem novos registos cartográficos actualizando os dados geográficos. Em Portugal a obra de Ptolomeu é seguida com atenção, ao que tudo indica, pelo menos desde o tempo do Infante D.Henrique. Diogo Gomes, um dos navegadores do Infante, aponta já no seu relato alguns erros da geografia ptolomaica. Outros autores ligados à navegações, especialmente os que estão próximos da cultura humanista, vão referir-se a Cláudio Ptolomeu, ora criticando as suas posições, ora tentando encaixar as novas descobertas geográficas na Geografia do alexandrino. Duarte Pacheco Pereira, D. João de Castro e Pedro Nunes são alguns desses vultos que amiúde se referem ao geógrafo grego nos seus trabalhos. Ainda hoje em dia se constata que a primeira e única tradução para português da Geografia de Ptolomeu, o Livro I apenas, é da autoria de Pedro Nunes, que a partir da obra discutia a forma de fazer cartas com os seus alunos.


Carlos Manuel Valentim


Bibliografia

AUJAC, Germaine, Claude Ptolémée, astronome, astrologue, géographe- connaissance et représentation du monde habité, Paris, Éditions du CTHS, 1993.
BROC, Numa, La Géographie de la Renaissance, Paris, Éditions du CTHS, 1986.
CORTESÃO, Armando, "Cartografia portuguesa e a Geografia de Ptolomeu", in Boletim da Academia das Ciências de Lisboa, V. XXXVI, 1964, pp. 388-404.

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Cartografia e Cartógrafos Fri, 17 Jul 2009 13:32:29 +0000
Reinel, Pedro e Jorge http://cvc.instituto-camoes.pt/cartografia-e-cartografos/reinel-pedro-e-jorge-dp3.html http://cvc.instituto-camoes.pt/cartografia-e-cartografos/reinel-pedro-e-jorge-dp3.html Reinel, Pedro e Jorge

Com Pedro Reinel dá-se início ao segundo dos quatro períodos ou “escolas” da cartografia portuguesa, estabelecidos por Armando Cortesão. Pedro Reinel, que teve no filho Jorge um continuador da sua obra, marca a transição do século XV para o XVI, no que concerne à evolução da cartografia portuguesa. A sua obra reflecte os avanços científicos originados pelas viagens de descobrimento e expansão dos navegadores portugueses, e inicia o corte com as velhas concepções ptolomaicas na construção de cartas náuticas. Os primeiros documentos que nos dão notícia de Pedro e Jorge Reinel são duas cartas de mercê, datadas de 10 de Fevereiro de 1528, outorgadas por D. João III, concendo uma tença de 15.000 reis anuais a Pedro Reinel, e uma de 10.000 reis a seu filho Jorge. Temos igualmente notícia da presença de Jorge Reinel, como assistente do Dr. Pedro Nunes, no exame para mestres de cartas de marear, feito aos cartógrafos António Martins, em 1563, e Bartolomeu Lasso e Luis Teixeira, em 1564. Para além destes documentos, nos Livros da Vereação, existentes no Arquivo da Câmara Municipal de Lisboa, existem dois autos de ajuramentação, datados de 29 de Agosto de 1551 e 29 de Novembro de 1554, respectivamente, em que aparecem Jorge Reinel e Lopo Homem como “exemjnadores darte de navegar”.

Pedro Reinel, para além de ser o primeiro cartógrafo português de quem se conhece produção cartográfica, foi também o primeiro a assinar um trabalho seu. A sua carta atlântica de c. de 1485 representa a costa ocidental do continente africano, e reflecte já as viagens de exploração levadas a efeito por Fernão Gomes (c. 1474) e por Diogo Cão na sua primeira viagem em 1482-1484, o que lhe confere um elevado significado e valor histórico. Esta carta, que se encontra à guarda dos Archives Departamentales de La Gironde, foi apresentada pela primeira vez em 1960, pelo Prof. Jacques Bernard. A produção cartográfica hoje conhecida, da denominada “escola” dos Reinéis, assegura-lhes um justo lugar na cartografia portuguesa, tanto em termos cronológicos, como pela qualidade técnica, rigor científico e artístico das suas produções. A sua obra é composta por mais oito cartas: a de c. 1504 está assinada Pedro Reinel, a de c. 1517, as duas de c. 1522 e a de c. 1535, são anónimas, atribuíveis a Pedro Reinel; a seu filho Jorge são atribuidas a carta anónima datada de 1510, o planisfério de c. 1519, igualmente anónimo, e a carta de c. 1540, assinada REINEL. Durante muito tempo as cartas que compõem o conhecido “Atlas Miller” foram atribuidas aos Renéis. Contudo, na sequência da descoberta do planisfério de Lopo Homem, datado de 1519, levantou-se o problema da atribuição da autoria, não só do planisfério como do referido Atlas. Assim, um grupo de especialistas reunido em Paris, em 1939, determinou que ambas as obras faziam parte de um conjunto, atribuindo a sua autoria a Lopo Homem e não aos Reinéis, opinião que não teve a concordância de Armando Cortesão, que atribuiu as cartas anónimas do mesmo Atlas a Lopo Homem-Reinéis, como hoje é conhecido.

Em 1519, na sequência de uma contenda com um clérigo de nome Pero Anes, Jorge Reinel refugiou-se em Sevilha, onde, ao que parece, continuou a trabalhar no seu ofício. Seu pai, deslocou-se nesse mesmo ano àquela cidade a fim de trazer seu filho de regresso a Portugal. Porém, no seguimento dos preparativos da viagem de Fernão de Magalhães, pai e filho vêem-se envolvidos numa situação obscura, conforme reza uma carta, datada de 18 de Julho de 1519, enviada pelo feitor de Portugal em Sevilha, Sebastião Álvares, na qual informava D. Manuel que a “terra de Maluco eu vy asentada na poma e carta que ca fez o filho de Reynell, a qual nõ era acabada quando caa seu pay veo por ele, e seu pay acabou tudo e pos estas terras de Maluco e per este padram se fazem todalas cartas...”. Também Bartolomé Leonardo de Argensola, citado por Armando Cortesão e A. Teixeira da Mota, refere que Magalhães, a fim de obter o apoio de Carlos V para a sua viagem, se serviu de “vn Planisferio dibujado por Pedro Reynel”, no qual as Molucas estariam representadas a leste da linha de demarcação estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas, celebrado entre Portugal e Espanha, portanto dentro do hemisfério espanhol. Durante as negociações da Junta de Badajoz-Elvas de 1524, os espanhóis terão tentado obter os serviços de Pedro e Jorge Reinel, oferecendo-lhes avultada soma, conforme Diogo Lopes de Sequeira e António de Azevedo Coutinho informavam D. João III, por carta datada de 9 de Junho de 1524. Não obstante, os dois cartógrafos mantiveram-se ao serviço de Portugal.

Augusto O. Quirino de Sousa


Bibliografia
CORTESÃO, Armando, Cartografia e Cartógrafos Portugueses dos Séculos XV e XVI, Vol. I, Lisboa, Seara Nova, 1935, pp. 28-30 e 251-305.
CORTESÃO, Armando, e MOTA, A. Teixeira da, Portugaliae Monumenta Cartographica, Vol. I, Lisboa, INCM, 1987, pp.19-46; Vol. V, 1987, pp. 3-4.
MARQUES, Alfredo Pinheiro, “Pedro e Jorge Reinel”, in Luis de Albuquerque (dir.), Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, Vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pp. 940-941.
VITERBO, Sousa, Trabalhos Náuticos dos Portugueses, Séculos XVI e XVII, Int. de José Manuel Garcia, Lisboa, INCM, [1988], pp. 258-266.

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Cartografia e Cartógrafos Fri, 17 Jul 2009 13:32:29 +0000
Ribeiro, Diogo http://cvc.instituto-camoes.pt/cartografia-e-cartografos/ribeiro-diogo-dp5.html http://cvc.instituto-camoes.pt/cartografia-e-cartografos/ribeiro-diogo-dp5.html Ribeiro, Diogo

Este cartógrafo cujo trabalho prima pela excelente qualidade era português, filho de Afonso Ribeiro e de Beatriz de Olbera. Desconhece-se a data do seu nascimento, tendo falecido a 16 de Agosto de 1533. O ofício não sabemos onde o aprendeu, mas desenvolveu o seu trabalho em Espanha, ou pelo menos a documentação disponível assim o indica. Aqui, além de fazer cartas de marear e instrumentos náuticos, também ocupou as funções de Cosmógrafo do Reino. Alguns documentos fornecem-nos dados sobre a sua vida, mas há muita coisa que ainda não sabemos, e ainda pior, poucas obrass suas chegaram até nós.

Uma carta do feitor português, em Sevilha, de 18 de Julho de 1519, refere que foi Diogo Ribeiro que fez as cartas de marear e instrumentos náuticos para a viagem de Fernão de Magalhães. Estas cartas foram feitas a partir do Padrão Real que se encontrava na Casa de la Contratación, e fora elaborado por outro português, Pedro Reinel.

A 10 de Julho de 1523 é nomeado Cosmógrafo e Mestre de fazer Cartas de Marear. Esta função já a teria exercido antes na Corunha. Aí terá encontrado Martim Centurión, o qual, com a ajuda técnica do cartógrafo, traduziu o Livro de Duarte Barbosa. No ano seguinte participou como perito com funções de aconselhamento dos Delegados oficiais à Junta de Badajoz-Elvas, reunida para tentar resolver o problema da posse das Molucas.

Em 1525 uma carta de António Ribeiro da Cunha para D. João III volta a referir que Ribeiro fazia esferas, cartas de marear, instrumentos náuticos e bombas metálicas para navios. No ano seguinte já estaria ao serviço da Casa de la Contratación, pois o Imperador pede ao responsável, Fernando Colombo, que mandasse Diogo Ribeiro fazer uma carta de marear, um mapa-mundo ou uma esfera redonda, além de instrumentos náuticos. Mas nove anos depois, em 1535, a Imperatriz, D. Isabel insiste para que se termine a carta de todo o mundo conhecido que tinha sido encomendada ao cartógrafo, e que ainda não estava pronta.

Diogo Ribeiro também projectou umas bombas metálicas para retirar a água dos navios que fossem mais eficazes que as utilizadas até então. Em 1531 são testadas em terra com sucesso, mas é exigido que se faça um teste no alto mar, no decurso de uma viagem. Em 1533 decide-se a adopção das bombas, mas à data o seu criador tinha já falecido.

Da sua obra cartográfica só chegaram a nós 4 planisférios. Temos assim: o "De Castiglione, ou de Mântua", de 1525; o de 1527 que se encontram em Weimar; outro de 1529, conservado na mesma cidade, conhecido como o "Planisfério de Weimar"; e o Planisfério "do Vaticano", de 1529. Temos também o que seria parte de um outro planisfério, que supostamente não terá sido acabado, correspondendo à zona da América, de 1532.

Algumas características importantes ressaltam do seu trabalho. Em primeiro lugar, a excelência técnica na representação das várias partes do globo nas cartas, ao que não será alheio o facto de também ser cosmógrafo. Assim, é o primeiro cartógrafo a corrigir a representação do Mediterrâneo no seu eixo longitudinal, o paralelo 36º N, que passa pelo Estreito de Gibraltar e a Leste a Norte de Chipre, enquanto antes passava por Alexandria. O facto mostra que estava bem desperto para o problema da determinação das latitudes, assim como para o da declinação da agulha. Os seus mapas são acompanhados de desenhos, instrumentos náuticos, quadros e regras cosmográficas, o que é uma importante inovação. O traçado das costas da América e do Extremo Oriente, principalmente, vai sendo corrigido à medida que o cartógrafo obtém mais informações, chegando a um elevado grau de correcção. Compreensivelmente insiste em colocar o arquipélago das Molucas na parte espanhola da linha de Tordesilhas. Mas este facto não faz com que desmereça a fama de qualidade e correcção que granjeou.


João G. Ramalho Fialho


Bibliografia
CORTESÃO, Armando, Cartografia e Cartógrafos Portugueses dos séculos XV e XVI, 2 vols., Lisboa, Seara Nova, 1935.
IDEM, História da Cartografia Portuguesa, 2 vols, Lisboa, Coimbra, Junta de Investigações do Ultramar/ Agrupamento de Estudos de Cartografia Antiga, 1969-1970.
IDEM, e MOTA, Avelino Teixeira da, Portugaliae Monumenta Cartpgraphica, Reim-pressão, Vol. 1, Lisboa, INCM, 1987.

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Cartografia e Cartógrafos Fri, 17 Jul 2009 13:32:29 +0000
Teixeira, Família http://cvc.instituto-camoes.pt/cartografia-e-cartografos/teixeira-familia-dp7.html http://cvc.instituto-camoes.pt/cartografia-e-cartografos/teixeira-familia-dp7.html Teixeira, Família

Teixeira é um apelido importante na história da cartografia portuguesa, pois representa uma oficina e escola de cartógrafos que passou por cinco gerações durante cerca de dois séculos.

O primeiro cartógrafo desta família foi Pêro Fernandes. Foi nomeado mestre de fazer cartas de marear a 23 de Maio de 1558, e seria pai de Domingos Teixeira, Luís Teixeira e de Marcos Fernandes (carta de ofício em 1592). Até nós, deste autor chegaram apenas duas cartas, que poderemos considerar da Escola dos Reineis. Temos uma de 1528, que será uma carta atlântica. Na África está desenhado o Castelo da Mina e a Igreja do Manicongo, onde termina a representação deste continente. Temos também o Atlântico, os seus vários arquipélagos e ainda se consegue ver o extremo mais oriental do Brasil. São particularidades desta carta os cinco meridianos graduados e uma rosa-dos-ventos orientada a NW. Outra sua carta está datada de c. 1525. É uma carta da Europa Ocidental, até à Islândia, e do Norte de África.

Um dos filhos de Pêro Fernandes seria Domingos Teixeira, que trabalharia na segunda metade do século XVI. Dele muito pouco sabemos, apenas que o Livro de Lançamentos da Câmara de Lisboa cita, em 1565, um Domingos Teixeira que fazia cartas de marear. Foi pai do também cartógrafo Pêro de Lemos. Terá trabalhado com o irmão Luís, pois no Diário de Bordo da Nau S. Pantaleão, de 1595, refere-se que as cartas que o navio levava tinham sido elaboradas pelos irmãos Teixeira. Assim como acontece com o pai, apenas conhecemos hoje duas cartas suas. A carta atlântica que se encontra na Bodleian Library, em Oxford, não está datada, mas a indicação da cidade de S. Salvador da Bahía de Todos os Santos indica ser posterior a 1549, e comparando-a com o seu planisfério, de 1573, Armando Cortesão e Teixeira da Mota concluíram que teria sido elaborada numa data próxima a este.

Daquele planisfério de 1573 existem dois exemplares, o original português e uma cópia feita por um cartógrafo estrangeiro. Encontra-se em Paris e tem a assinatura do seu autor, e está datado. Está profusamente ilustrado com brasões distribuídos pela Europa, e pelas várias regiões do mundo indicando as possessões ibéricas no Ultramar, e assemelha-se muito aos de Diogo Homem, no que respeita aos traçados da China e do Japão. Porém, neste caso a nomenclatura é mais pobre. Alias, o traçado deste cartógrafo é bastante deficiente e imperfeito, segundo as opiniões de Teixeira da Mota e Armando Cortesão.

Luís Teixeira, irmão de Domingos, com quem terá trabalhado, como já vimos, e será o mais ilustre representante desta família. Foi pai de João Teixeira Albernaz e de Pedro Teixeira Albernaz. Teve carta de ofício a 18 de Outubro de 1564 para poder fazer cartas de marear, instrumentos náuticos e regimentos de altura e declinação do Sol. Tem um estilo muito próprio e trabalhos de grande qualidade. Esta qualidade proporcionou-lhe fama, principalmente no Norte da Europa, onde foram vendidas e publicadas cartas de sua autoria. Podemos dizer que fundou uma nova Escola de fazer cartas, na segunda metade do século XVI. Talvez por estas razões tenha sido nomeado em 1569 para fornecer à Armada Real as cartas e instrumentos que esta necessitasse. O número de obras suas que chegou até nós é bastante elevado, e sabemos que este não corresponde à sua totalidade. Registemos, brevemente, algumas impressões relacionadas com as suas obras mais importantes.

Seguindo uma ordem cronológica, temos primeiro uma carta gravada da Ilha Terceira que foi publicada por Ortélio em 1582. Esta carta tem analogias com a carta dos Açores, também publicada por Ortélio, principalmente no traçado e topónimos. Os nomes estão em espanhol e as legendas em francês (o que não é inédito em Ortélio). Tem bastantes indicações de natureza militar e refere as derrotas sofridas pela Terceira em 1581. Continuando tanto quanto possível a seguir a cronologia, segue-se um fragmento de Planisfério que se encontra em Lisboa, no Museu da Marinha, e que será de c.1585. Embora não esteja assinado, a letra é deste cartógrafo e os nomes dos ventos, na rosa, estão indicados em italiano, o que é repetido pelo autor noutras cartas. Aqui o Japão ainda corresponde ao estilo de Fernão Vaz Dourado, pois começará a desenhá-lo num estilo próprio apenas a partir de 1591-92. Outra particularidade importante deste mapa é o sistema de linhas curvas que contém, com designações relativas à variação da agulha. Corresponderá a uma primeira tentativa de traçar linhas isogónicas.

O Roteiro-Atlas do Brasil, também não datado, será de c. 1586. O texto e as cartas dever-se-ão, provavelmente à mesma pessoa, devido à semelhança de caligrafias. Sabemos que Luís Teixeira esteve no Brasil, levantando dados para futuros trabalhos, ao tempo do Governador Luís de Brito de Almeida (1573-1578), e a inclusão no Roteiro de algumas regiões que pertencem à Espanha, indicarão que a obra é posterior à união das duas coroas ibéricas. Outro importante trabalho é a já referida Carta dos Açores, publicada no Theatrum Orbis Terrarum, de Ortélio, de 1584. Também foi publicada por este autor, mas já mais tarde, uma carta do Japão, em 1595. Este traçado aparece pela primeira vez no mapa-múndi de Petrus Plancius, em 1594, publicado no Itinerário de Linschoten. Esta nova forma de traçar o Japão é considerada um avanço em relação a Vaz Dourado. Infelizmente, não sabemos ao certo quais forma as fontes utilizadas.

Luís Teixeira vai encetar correspondência com Ortélio, enviando-lhe as cartas dos Açores e do Japão e prometendo-lhe outras. Nesta época, vão aparecer na Holanda gravuras com cartas de sua autoria. É o caso da carta da Guiné, de 1602. As informações necessárias para a sua feitura teriam sido fornecidas por alguém da família Rovelasco, que foi arrendatária da Mina. A originalidade desta carta é a representação do interior da Senegâmbia e Costa do Ouro.

Outros trabalhos significativos seus são ainda: uma carta atlântica, de c. 1600, onde a costa ocidental da América do Sul está bastante perfeita; as cartas que acompanham o Roteiro de Gaspar Ferreira Reimão (5 na edição manuscrita, de 1610, e 3 na impressa, de 1612). Podemos também referir duas cartas do Canal da Mancha, que são cópia do Spieghel der Zeevaerdt de Lucas Waghenaer (1584). Por fim, há o Atlas-Cosmografia de 1597 e 1612, cujos planisférios e traçado das linhas de costa e seriam de Teixeira, enquanto o interior e o texto teórico seriam de João Baptista Lavanha.


João G. Ramalho Fialho


Bibliografia
CORTESÃO, Armando, Cartografia e Cartógrafos Portugueses dos séculos XV e XVI, 2 vols., Lisboa, Seara Nova, 1935.
IDEM, História da Cartografia Portuguesa, 2 vols, Lisboa, Coimbra, Junta de Investigações do Ultramar/ Agrupamento de Estudos de Cartografia Antiga, 1969-1970.
IDEM, MOTA, Avelino Teixeira da, Portugaliae Monumenta Cartographica, Reimpressão,vols. I, II e III, Lisboa, INCM, 1987.
DOMINGUES, Francisco Contente, " Teixeira, Domingos", in Luís de Albuquerque (dir.), Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pág. 1019.
LAGARTO, Mariana, " Teixeira, Luís", in Luís de Albuquerque (dir.), Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pp. 1019-1020.
Carta Atlântica de Luís Teixeira, c.1600, reproduzida no CORTESÃO, Armando, MOTA, Avelino Teixeira da, Portugaliae Monumenta Cartographica, Reimpressão,vol. III, Lisboa, INCM, 1987, pag. 61.

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Cartografia e Cartógrafos Fri, 17 Jul 2009 13:32:29 +0000
Toscanelli, Paolo dal Pozzo http://cvc.instituto-camoes.pt/cartografia-e-cartografos/toscanelli-paolo-dal-pozzo-dp9.html http://cvc.instituto-camoes.pt/cartografia-e-cartografos/toscanelli-paolo-dal-pozzo-dp9.html Toscanelli, Paolo dal Pozzo

Nasceu em Florença no ano de 1397, e morreu na mesma cidade, a 10 de Maio de 1482, sendo filho de um médico - Dominic Toscanelli. Estudou medicina na Universidade de Pádua, onde foi condiscípulo de Nicolau de Cusa, bem como matemática e filosofia. Quando Cusa vai para a Alemanha, Toscanelli volta a Florença, de onde sai muito pouco. Foi como geógrafo e cosmógrafo que ficou conhecido até aos nossos dias, o que não é de admirar, pois dedicou grande parte do seu tempo a estas ciências, embora assinasse como físico. Chegou a observar vários cometas deixando cálculos sobre as suas órbitas. Supostamente terá conhecido o Infante D. Pedro durante o seu périplo pela Europa, e seria esse o seu primeiro, mas não único, contacto directo com os problemas que se punham a Portugal nessa época. Iria mais tarde conhecer exactamente o filho do Infante, o Cardeal de Portugal, D. Jaime.

A queda de Constantinopla causou grande consternação na Europa e principalmente no Papa Nicolau V, assim como nos seus sucessores Calisto III e Pio II. Era intenção destes Papas organizar uma nova Cruzada que livrasse a Cristandade da ameaça do muçulmano, e tornasse seguras as rotas comerciais com o Oriente. Ora, a questão das rotas comerciais preocupava também Toscanelli, que como florentino conhecia as dificuldades cada vez maiores do tráfico dos produtos de luxo orientais. É então que conhece em Florença o Cardeal português que aí estava a acompanhar o Papa Pio II; o Papa morre a 15 de Agosto de 1464 e a ideia da cruzada desvanece-se, mas não a preocupação de Toscanelli em encontrar um caminho alternativo para o Oriente. E estando consciente das sucessivas viagens de descobrimento e reconhecimento que os portugueses faziam na costa de África, assim como dos contactos comerciais que já tinham alcançado com os povos africanos, vai reunir-se com o Cardeal português em Julho de 1459. Nesse encontro foi apresentado um mapa do mundo com as suas concepções, e temos notícia de se terem intensificado depois os contactos com a Corte Portuguesa, nomeadamente através de uma carta que Toscanelli terá enviado ao Cónego de Lisboa, Fernão Martins. Aí diz-lhe que sabe como os portugueses estão empenhados em encontar uma via marítima para o país das especiarias, e sugere que o façam pelo Ocidente, via pela qual encontrarão decerto o «Grande Kan». Como argumentos preferenciais da viagem defendia que a distância entre a Europa e o Japão e China era relativamente pequena, pois o continente asiático era bastante extenso. Essas concepções baseavam-se em Marino de Tiro, que avaliou erradamente o grau terrestre e exagera o tamanho da Ásia (Ptolomeu também se engana, mas está mais próximo da realidade), bem como nas notas de Marco Polo e de outros viajantes que tinham ido ao Extremo Oriente. Esta carta, de 1474, foi acompanhada de um mapa feito pelo próprio Toscanelli.

Ao tempo Cristóvão Colombo vivia em Lisboa, terá tido conhecimento da missiva e irá corresponder-se com Toscanelli, fundando assim o seu plano de também chegar à Índia pelo Ocidente, projecto que, como se vê, não é originalmente seu. Ora o monarca português D. Afonso V e seu filho o ainda príncipe D. João II não vão dar crédito aos planos de Toscanelli, nem aos de Colombo. Não será correcto falar já de um plano das Índias, o que se pretenderia era alcançar a «Índia» de Preste João: as viagens pela costa ocidental africana continuavam a bom ritmo para Sul, e o comércio da costa da Guiné apresentava-se rendoso. Em relação à proposta de Colombo, D. João II estava convicto que em breve circundaria a África, sobretudo depois do regresso de Diogo Cão da sua primeira viagem. Além disso deveria ter achado o projecto arriscado e oneroso, sendo por igual muito provável que os seus conselheiros o tivessem por igual rejeitado, considerando-o resultante de um conhecimento geográfico erróneo.


João G. Ramalho Fialho



Bibliografia
BROC, Numa, La Géographie de la Renaissance. 1420-1620, Paris, Les Éditions du CTHS, 1986.
CHAUNU, Pierre, Expansão Europeia. Do século XIII ao XV, São Paulo, Pioneira, 1978.
LEITE, Duarte, História dos Descobrimentos. Colectânea de Esparsos[...], Vol. 1, Lisboa, Cosmos, 1958.
NORDENSKIOLD, A. E., Periplus. An Essay on the Early History of Charts and Sai-ling-Directions, Estocolmo, P. A. Norstedt & Soner, 1897.
SOUZA, T. O. Marcondes de, Toscanelli e a Circunavegação da África pelos Por-tugueses. Separata do vol. 37 da Revista de História, São Paulo, [s.l.], 1959.
STREICHER, Friedrich, «Paolo dal Pozzo Toscanelli». The Catholic Encyclopedia, vol. XIV.
SUMIEN, N., La Correspondance du savant florentin Paolo dal Pozzo Toscanelli avec Christophe Colomb, Paris, Société d’Éditions Géographiques, Maritimes et Coloniales, 1927.
UZIELLI, G., Colloquio Avvenuto in Firenze nel Luglio 1459 fra gli Ambasciatori del Portogallo e Paolo dal Pozzo Toscanelli, Roma, Società Geografica Italiana, 1898.

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Cartografia e Cartógrafos Fri, 17 Jul 2009 13:32:29 +0000
Albernaz, Família http://cvc.instituto-camoes.pt/cartografia-e-cartografos/albernaz-familia-dp3.html http://cvc.instituto-camoes.pt/cartografia-e-cartografos/albernaz-familia-dp3.html Albernaz, Família

Esta família de cartógrafos entronca-se na dos Teixeira, sendo os irmãos João Teixeira Albernaz (I) e Pedro Teixeira Albernaz filhos de Luís Teixeira. Além de outros autores de trabalhos menores, como Estevão Teixeira, integra também esta família João Teixeira Albernaz (II), neto do seu homónimo.

O primeiro membro referido, João Teixeira Albernaz I, terá desenvolvido o seu trabalho já no século XVII, tendo recebido carta de ofício a 29 de Outubro de 1602, tendo sido examinado pelo cosmógrafo-mor João Baptista Lavanha, e três anos depois é nomeado cartógrafo da Casa da Mina e Índia. No Arquivo das Índias, em Sevilha, um documento regista a presença deste cartógrafo e de seu irmão Pedro em Madrid, a fim de executar as cartas náuticas representando os Estreitos de S. Vicente e Magalhães. Numa relação de viagem levada a cabo pelos irmãos Bartolomeu e Gonçalo Nodal, aos referidos Estreitos, existe uma carta executada por Pedro Teixeira Albernaz, que contou com a colaboração de seu irmão João Teixeira. Ainda em relação ao seu percurso profissional, poderemos acrescentar que em 1622 apresenta uma petição para ser provido do lugar de Cosmógrafo-Mor, tendo sido preterido a favor de Valentim de Sá, com quem colabora no ano seguinte ao fazer parte do júri que passará carta de ofício a João Baptista de Serga. Em finais do século XVII, num parecer emitido por Manuel Pimentel sobre o Atlas do Brasil de 1642, existente na Biblioteca da Ajuda, este advertia para erros constantes na primeira carta do referido Atlas, o qual não respeitava a linha de demarcação acordada entre Portugal e Espanha. Concluía Manuel Pimentel que o livro não tinha mais que boas pinturas e iluminações.

A obra deste cartógrafo tem um acentuado interesse, tanto pela sua amplitude e variedade, como pelo registo do progresso dos descobrimentos e explorações, quer marítimas quer terrestres, mormente, no que respeita ao Brasil. A sua produção conta 19 Atlas, um grupo de 4 cartas, 2 cartas soltas, para além de uma incluida num Atlas de outra origem. Existem mais 8 cópias de dois dos 19 Atlas, num total de duzentas e quinze cartas, mais duas gravadas. Algumas destas obras são dignas de registo: na Biblioteca Pública Municipal do Porto, existe uma cópia do códice intitulado “Rezão do Estado do Brasil”, de c. de 1616, de autor anónimo, mas atribuido a João Teixeira Albernaz I. Segundo a opinião de Varnhagen, Köpke e Hélio Viana, apenas as cartas deste códice são da autoria de JoãoTeixeira, sendo o texto da autoria do sargento-mor Diogo de Campos Moreno; o “Livro que dá Rezão do Estado do Brasil”, de c. de 1626, contém 22 cartas, constituindo uma cópia do anterior, mas de maiores dimensões; o Atlas do Brasil, de 1631, existente, em 1960, no Ministério das Relações Exteriores do Rio de Janeiro, abrange 36 cartas, que têm a particularidade de exibir quadros para legendas, e para escudos dos donatários ou da Coroa, que não estão preenchidos. Terá sido mandado organizar por D. Jerónimo de Ataíde, donatário da Capitania dos Ilhéus. Contém muitos elementos que nos dão informação sobre a indústria açucareira, para além de representar os estuários dos rios Prata e Amazonas, evidenciando os padrões de demarcação entre Portugal e Espanha; composto de 32 cartas, um outro Atlas do Brasil, de 1640, do qual existem sete cópias, encontra-se à guarda do Arquivo Histórico do Ministério das Finanças. Tem a particularidade de cada carta ser precedida de uma folha com texto explicativo; o Atlas Universal, de 1643, com 8 cartas, é uma obra de excepcional valor artístico, e é bastante diferente dos outros Atlas do mesmo autor, porque tem um carácter basicamente hidrográfico. Estas são algumas das obras mais significativas da autoria de João Teixeira Albernaz I.

Seu irmão Pedro Teixeira, nasceu em Lisboa nos finais do século XVII, tendo desenvolvido a sua actividade em Espanha, a partir de 1619, quando aí se dirigiu com seu irmão João, a fim de cartografarem os locais constantes da relação de viagem dos irmãos Nodal. Enquanto seu irmão regressou a Portugal, findo o trabalho, Pedro optou por ficar em Madrid, onde viria a falecer em 1662. É escassa a sua produção conhecida, mas sabemos que desapareceram várias cartas deste cartógrafo. Entre elas, é justo destacar uma que continha a representação do Delta do Amazonas, para além da descrição da costa de Espanha, da qual existem várias cópias, mas que não incluem as cartas. Em 1623 vêmo-lo, juntamente com seu irmão, a examinar João Baptista de Serga. Dedicou-se principalmente a executar levantamentos topográficos, talvez por influência de João Baptista Lavanha.

A sua produção compõe-se: da Carta dos Estreitos de S. Vicente e Magalhães, de 1621, executada em colaboração com seu irmão; de uma Planta de Madrid, de 1656, existente na Biblioteca Nacional de Paris; e da Carta de Portugal, gravada em Madrid em 1662. Em 1722 Manuel de Azevedo Fortes, afirmava que esta última ainda era a melhor carta de Portugal. Foi acabada no ano da sua morte, mas os levantamentos necessários teriam sido executados entre 1622 e 1630. Desconhecemos porque motivo levou tanto tempo a elaborar esta carta, que serviu de modelo a várias cartas de Portugal impressas no estrangeiro.

São escassos os dados biográficos sobre o cartógrafo João Teixeira Albernaz II, sendo que alguns já foram referidos quando tratamos de Albernaz I, que, por vezes, se confundem na documentação. No parecer de Manuel Pimentel a que já fizemos referência, este indica que João Teixeira Albernaz II, é neto de Albernaz I, dizendo, também, que fazia cartas com perfeição. Sabemos igualmente que ainda se encontrava vivo em 1699.

Na sua obra, nota-se a grande influência recebida de seu avô, que foi seu mestre, mas o traçado da letra e iluminuras são menos cuidados. Os Atlas do Brasil repetem, embora com alguns progressos, o que seu avô já tinha desenhado, embora tenham o mérito de ter influenciado a cartografia holandesa. A sua obra mais importante é o Atlas de África de 1665, única no seu género, tendo sido encomendada por um francês, o que demonstra a procura da cartografia portuguesa no estrangeiro, ainda nesta época. Uma carta sua foi usada na Conferência de Badajoz (1681), a propósito da questão da Colónia do Sacramento, afirmando os seus membros que João Teixeira Albernaz II era conhecido em toda a Europa.

É bastante vasta a sua produção cartogáfica, sendo de destacar as seguintes Cartas: a Carta de 1655; a Carta de 1665; a Carta de 1667, que terá influenciado, possivelmente, o desenho holandês da Terra Nova; a Carta de 1675; a Carta de 1676, que tal como a de 1655, representa o Atlântico e o Índico, na qual estão marcadas as posições de um navio, o que indica que foi usada para a navegação; a Carta de 1677; a Carta de 1679, que foi usada na Conferência de Badajoz; e um fragmento de uma Carta de 1681, existente em Évora.

Para além das cartas atrás referidas, vários Atlas são da sua autoria: o Atlas de África, de 1655, que se encontra em Paris, é bastante preciso e o seu levantamento foi feito por ordem Real. Esta obra de 62 folhas e 29 cartas foi usada para publicações francesas; o Atlas do Brasil, de 1666, com 31 cartas, encontra-se no Ministério das Relações Exteriores do Rio de Janeiro; o Atlas de c. de 1666 contém 29 cartas, fez parte do códice de Diogo Barbosa Machado, Mappas do Reino de Portugal, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. É muito semelhante às outras obras deste autor, mas não está assinado; um Atlas de c. de 1675, composto por 32 cartas, que pertenceu ao Cosmógrfo-Mor Manuel Pimentel.

Os quatro Atlas são muito semelhantes, abrindo com uma carta geral do Brasil, seguindo-se depois as particulares. João Teixeira Albernaz II segue em geral o padrão desenhado por seu avô, João Teixeira Albernaz I.


Augusto O. Quirino de Sousa


Bibliografia
CORTESÃO, Armando, e MOTA, Avelino Teixeira da, Portugaliae Monumenta Cartographica, Vols. IV, V, Lisboa, INCM, 1987.
MOTA, A. Teixeira da, Cartas Portuguesas Antigas na Colecção de Groote Schuur, Lisboa, Centro de Estudos de Cartografia Antiga/Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1977.
VITERBO, Sousa, Trabalhos Náuticos dos Portugueses, Séculos XVI e XVII, Lisboa, INCM, 1988.

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Cartografia e Cartógrafos Fri, 17 Jul 2009 13:29:37 +0000
Cartografia náutica medieval http://cvc.instituto-camoes.pt/cartografia-e-cartografos/cartografia-nautica-medieval-50144-dp8.html http://cvc.instituto-camoes.pt/cartografia-e-cartografos/cartografia-nautica-medieval-50144-dp8.html Cartografia náutica medieval

A concepção que os homens medievais tinham do mundo era bastante condicionada por factores de ordem religiosa. Como consequência deste facto, a maioria das representações do planeta, naquela época, eram essencialmente simbólicas. São exemplo dessa visão os famosos mapas T‑O, nos quais se representava mundo conhecido como um círculo, “O”, com um “T” no seu interior. Este último representava o Mar Mediterrâneo e os rios Nilo e Don que separavam os três continentes conhecidos, Europa, Ásia e África. No centro do mundo estava a cidade santa de Jerusalém.

Carta Portulano

Os mapas acima referidos não tinham, como é óbvio, qualquer utilidade prática. Ainda durante a Idade Média foi‑se desenvolvendo um tipo de cartas com grande utilidade para os navegadores, as chamadas cartas‑portulano. Estas não são mais do que a representação gráfica, de informação náutica que circularia numa forma descritiva, nos portulanos. Embora “descendendo” de uma tradição já existente na Antiguidade, nos chamados périplos, podemos constatar que este género de informação, direcções e distâncias entre diversos pontos das costas do Mediterrâneo é contemporâneo das cartas‑portulano. Estes elementos, que circulavam em suporte escrito ou era transmitidos por via oral, e as cartas eram complementares entre si. O mais antigo portulano conhecido, Il Compasso da navigare, teria sido redigido em 1296.

Da mesma época que o portulano referido, finais do século XIII, será a mais antiga carta‑portulano conhecida. Designada por “Pisana”, pelo facto de ter sido encontrada na cidade de Pisa, teria no entanto sido desenhada em Génova. Tendo como suporte o pergaminho, nela está representada a bacia do Mediterrâneo e parte da costa atlântica até à região da Flandres. Contudo, verifica‑se que o rigor da representação do Mediterrâneo é muito superior ao rigor da parte atlântica.

O carácter prático e com um objectivo bem definido destas cartas, que era o de facilitarem a navegação marítima, pode ser deduzido do facto de nelas não existir praticamente nenhuma informação sobre a parte terrestre. Apenas encontramos registado o nome dos diferentes locais costeiros, não existindo qualquer género de informações sobre o interior.

Uma das características mais típicas das cartas‑portulano é a “teia” de linhas, irradiando a partir de determinados pontos da carta, característica esta que se manteve na cartografia náutica da Idade Moderna. Estas linhas não são mais que os diversos rumos possíveis, correspondendo portanto às direcções indicadas pelas bússolas. O desenvolvimento desta cartografia estará certamente ligado à introdução das bússolas a bordo, facto que permitiu aos navegadores determinarem com muito mais rigor a direcção para onde dirigiam os seus navios. Numa primeira fase, esta rede de rumos era composta por dezasseis linhas irradiando desses pontos, mas posteriormente passaram a ter trinta e dois rumos, número que se manteve por vários séculos.

Outro aspecto importante a registar relativamente a este tipo de cartas é a inexistência de um qualquer tipo de projecção subjacente às mesmas. Alguns autores tentaram propor vários tipos de projecção a partir dos quais estas cartas seriam construídas. Alguns quiseram relacioná‑las com a projecção de Marino de Tiro, sobre a qual dispomos de pouca informação credível. No entanto, estas cartas não seriam construídas obedecendo a um qualquer sistema matemático de projecção. A informação nelas registada seria simplesmente a direcção, conforme fornecida pelas bússolas, e a distância, estimada pelos navegadores, entre os diferentes locais. Estamos perante uma representação semelhante àquela que se utiliza para efectuar levantamentos topográficos expeditos. Dada a relativamente pequena área da superfície terrestre coberta por estas cartas, os erros cometidos ao ser adoptado este procedimento eram pequenos.

Os principais centros produtores deste género de cartas situavam‑se no Mediterrâneo, conforme já indicámos. Génova, Maiorca e Veneza foram os principais centros náuticos onde foram elaboradas cartas‑portulano na época medieval. A partir destes locais foram sendo difundidas as técnicas tendo as mesmas chegado a outros locais do Mediterrâneo e inclusivamente das costas do Atlântico.

Em relação à sua introdução em Portugal é difícil definir uma data, uma vez que não são conhecidas cartas portuguesas anteriores ao final do século XV. No entanto, existe um facto documentado, que nos permite afirmar que certamente se produziriam cartas‑portulano em Portugal, pelo menos a partir do início desse século. Estamo-nos a referir à vinda para o nosso país, cerca de 1420, por iniciativa do Infante D. Henrique, de um mestre cartógrafo, Jaime de Maiorca. Certamente que o principal objectivo do convite que lhe foi dirigido seria que ele ensinasse a portugueses as mais avançadas técnicas cartográficas da época, para que elas fossem aplicadas no registo das novas terras que iam sendo descobertas pelos portugueses. E essa aplicação era certamente realizada pois são diversos os cronistas que fazem referência a esse registo, em suporte cartográfico, de novas terras conhecidas pelos portugueses.


António Costa Canas


Bibliografia
ALBUQUERQUE, Luís de “Cartografia da Idade Média”, in Luís de Albuquerque [dir.], Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, vol I, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pp. 212‑213.
JOURDIN, Michel Molat du, RONCIÈRE, Monique de la, Les Portulans. Cartes Marines du XIIIe au XVIIe siècle, [s.l.], Office du Livre, [s.d.].
RANDLES, W. G. L. Da Terra plana ao globo terrestre, Lisboa, Gradiva, 1990.

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Cartografia e Cartógrafos Fri, 17 Jul 2009 13:29:37 +0000
Cartografia náutica portuguesa http://cvc.instituto-camoes.pt/cartografia-e-cartografos/cartografia-nautica-portuguesa-dp8.html http://cvc.instituto-camoes.pt/cartografia-e-cartografos/cartografia-nautica-portuguesa-dp8.html Cartografia náutica portuguesa

Carta de Lopo HomemArmando Cortesão definiu quatro grandes marcos na história da ciência náutica e da cartografia: o desenvolvimento da carta‑portulano, no século XIII, no Mediterrâneo; a invenção da navegação astronómica e consequente introdução da escala das latitudes nas cartas, em finais do século XV; a descoberta da loxodrómia e a sua representação por uma linha recta na carta desenhada segundo a projecção de Mercator; e por último o aperfeiçoamento do cronómetro, pelo inglês Harrisson, em finais do século XVIII, que permitiu a determinação da longitude no mar. Entre estes passos, o segundo é quase exclusivamente português, enquanto que em relação à projecção de Mercator podemos afirmar que ela deve muito aos estudos realizados pelo grande matemático Pedro Nunes, que descobriu o conceito de loxodrómia e cuja obra seria certamente conhecida de Mercator, que nela se teria inspirado para conceber a projecção que celebrizou o seu nome.

A representação cartográfica dos lugares, que iam sendo descobertos pelos navegadores dos séculos XV e XVI, foi fundamental para o estabelecimento de viagens regulares para esses mesmos locais. Só com um conhecimento mais ou menos rigoroso das condições de navegação se pode realizar esta em segurança. A cartografia foi, entre diversos outros factores, um dos elementos fundamentais para o sucesso dos Descobrimentos portugueses.

Herdeira das escolas cartográficas do Mediterrâneo, centro a partir do qual se desenvolveu a cartografia na Idade Média, a cartografia portuguesa teria recebido essa influência a partir da vinda de Mestre Jaime de Maiorca, a pedido do Infante D. Henrique, durante o primeiro quartel do século XV. No entanto, deste século são conhecidos poucos exemplares cartográficos de origem portuguesa, embora existam diversas referências nos textos da época que nos permitem deduzir que as cartas eram uma das ferramentas ao dispor dos homens do mar de então para garantirem uma navegação mais segura.

Se em relação ao século XV os dados disponíveis sobre a cartografia produzida em Portugal são escassos, a situação relativa ao século seguinte é completamente diferente. São conhecidas centenas de cartas, reunidas por Avelino Teixeira da Mota e Armando Cortesão na obra Portugaliae Monumenta Cartographica. Está identificada a maioria dos autores destas obras, embora ainda existam algumas desenhas de cartas sobre as quais não foi possível descobrir a identidade do cartógrafo que a realizou.

Sendo a cartografia uma arte, no sentido medieval de trabalho de artesão, não admira que as técnicas utilizadas no desenho e reprodução fossem transmitidas de pais para filhos. Por esta razão encontramos diversas famílias de cartógrafos como a família Reinel, a família Homem ou a família Teixeira.

Podemos considerar a existência de duas grandes vertentes na cartografia daquela época. Por um lado, uma cartografia de características eminentemente práticas, destinada a uma utilização a bordo dos navios que, todos os anos, em largo número, viajavam nas diversas carreiras praticadas pelos Portugueses. Estas cartas teriam na sua grande maioria destruídas pela sua utilização normal a bordo desses navios. O outro tipo de cartas que seriam produzidas teria um fim diferente. Eram destinadas a uma utilização sumptuária e decorativa. Tratava‑se de autênticas obras de arte. São deste último género praticamente todas aquelas que chegaram até nós, uma vez que como não foram usadas a bordo e como eram consideradas preciosidades pelos seus detentores, foram devidamente conservadas, facto que impediu a sua destruição.

Uma análise atenta de todos os exemplares cartográficos portugueses conhecidos datados daqueles séculos permite‑nos conhecer alguns elementos sobre a evolução das técnicas de construção utilizadas e sobre o rigor da informação contida nas cartas. A técnica base de construção era a das cartas‑portulano, caracterizadas por terem uma “rede” de direcções irradiando a partir de determinados pontos da carta para que os seus utilizadores pudessem facilmente conhecer a direcção que unia quaisquer dois locais representados na carta. A posição de um navio no mar, em qualquer instante, pode ser conhecida se soubermos qual a direcção em que ele navegou e qual a distância percorrida desde uma posição anterior. Este método é conhecido entre os historiadores da náutica com de rumo e estima. Daí que fosse fundamental que as cartas possuíssem os elementos necessários para que os marinheiros conseguissem marcar essa direcção.

No entanto, com a progressão das navegações portuguesas, ao longo da costa africana, as distâncias percorridas no alto‑mar, sem avistar terra para rectificar a posição, foram sendo cada vez mais extensas. Os erros associados à determinação da direcção e da distância percorrida vão‑se acumulando ao longo do tempo. Assim, as posições obtidas recorrendo apenas ao rumo e estima eram afectadas por erros tanto maiores quanto maior fosse o intervalo de tempo decorrido para rectificação da posição. Os Portugueses resolveram este problema, ainda durante o século XV, adaptando técnicas astronómicas para uso a bordo dos navios, técnicas essas que permitiam um conhecimento rigoroso da latitude do navio. As cartas passaram a reflectir este avanço que se verificou a nível da Arte de Navegar, passando a conter uma escala apropriada para determinação da latitude dos diversos lugares nelas registados.

A introdução da escala das latitudes e a recolha sistemática de elementos “hidrográficos” para inserir nas cartas levou a um aumento do rigor da informação contida nas mesmas. A representação do mundo herdada da obra de Ptolomeu foi completamente ultrapassada. As concepções do grande sábio grego, baseadas em elementos que em muitos casos não tinham sido confirmados por observações práticas, foram substituídas por outras que resultavam da observação directa realizada pelos Portugueses que viajavam com uma frequência cada vez maior por quase todo o mundo.

Além da sua principal função que seria a marcação das posições dos navios no mar, as cartas teriam outro tipo de utilidade. Nelas eram representadas informações diversas, com intuitos decorativos ou com um interesse prático bastante acentuado. Serviam, por exemplo, como suporte para representação de imagens dos habitantes, da fauna e da flora das terras que iam sendo descobertas. Ou seja, as cartas eram uma das formas possíveis de representação do exótico, desses mundos novos, tão ao gosto do homem do Renascimento. Por outro lado, nas cartas eram inseridos muitos dos elementos que serviam para a condução da navegação, tais como representações gráficas ou tabelares dos regimentos e das regras práticas de que os pilotos se serviam para determinação de elementos de interesse náutico. Em muitas delas eram ainda representadas vistas de algumas regiões costeiras ou ainda informação de interesse político como é o caso dos elementos que atribuíam a posse de um determinado território a um dado reino europeu.

A cartografia portuguesa da época das grandes descobertas servia perfeitamente para as exigências das técnicas de navegar daquele tempo. No entanto, apresentavam duas grandes limitações que só posteriormente foram resolvidas, fora de Portugal. A primeira tem a ver com a existência duma escala de longitudes. As cartas portuguesas não apresentavam esta escala pelo simples facto de a determinação desta coordenada não ser possível naquele tempo. O problema apenas foi resolvido no século XVIII.

Quanto à segunda limitação prende‑se com a representação de uma superfície esférica num suporte plano. Uma vez que a Terra tem uma forma aproximadamente esférica a sua representação sem distorções apenas é possível sobre um globo. No século XVI esta foi uma das hipóteses consideradas pela cartografia. No entanto, o uso de globos apresenta duas grandes limitações. A primeira tem a ver com as dimensões. Como num globo se representa sempre a totalidade da superfície terrestre o seu tamanho teria que ser bastante grande para que fosse possível representar essa superfície com o detalhe suficiente para que o globo tivesse alguma utilidade, o que tornava impraticável o seu uso. Por outro lado, a medição ou o traçado de direcções ou distâncias sobre uma esfera, fundamental para o conhecimento da posição do navio, é bastante complexo, razão pela qual os globos nunca tiveram qualquer utilidade prática no mar.

Pedro Nunes identificou praticamente todas as limitações que as cartas daquela época apresentavam na representação da superfície terrestre. A ele se deve a noção de que a distância mais curta entre dois pontos da superfície terrestre é uma linha curva. Percebeu que a técnica utilizada para marcar direcções nas cartas implicava que os meridianos fossem paralelos entre si, quando na realidade eles convergem todos nos pólos. Compreendeu que devido a essa convergência uma linha recta representada numa carta, ou seja uma direcção que faça sempre o mesmo ângulo com todos os meridianos, não corresponde a uma recta sobre a superfície do globo mas sim a uma espiral que termina nos pólos. O resultado dos estudos de Pedro Nunes tiveram certamente influência no trabalho de Mercator que concebeu uma projecção que permitiu ultrapassar essas limitações das cartas daquele tempo.


António Costa Canas


Bibliografia
ALBUQUERQUE, Luís de “Cartografia Portuguesa”, in Luís de Albuquerque [dir.], Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, vol I, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pp. 213‑216.
CORTESÃO, Armando, História da Cartografia Portuguesa, 2 vols., Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1969‑1970.
MOTA, Avelino Teixeira da, “Cartografia e cartógrafos portugueses”, in Joel Serrão [dir.], Dicionário de História de Portugal, vol I, Porto, Livraria Ferreirinhas, [s.d.], pp. 500‑506.

MOTA, Avelino Teixeira da, CORTESÃO, Armando, Portugaliae Monumenta Cartographica, 6 vols, Lisboa, 1960.

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Cartografia e Cartógrafos Fri, 17 Jul 2009 13:29:37 +0000
Dourado, Fernão Vaz http://cvc.instituto-camoes.pt/cartografia-e-cartografos/dourado-fernao-vaz-dp3.html http://cvc.instituto-camoes.pt/cartografia-e-cartografos/dourado-fernao-vaz-dp3.html Dourado, Fernão Vaz


A África no atlas de 1571 de Fernão Vaz Dourado
A África no atlas de 1571 de Fernão Vaz Dourado
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O Historiador da Cartografia Armado Cortesão inclui este cartógrafo no que chamou o "terceiro período da cartografia portuguesa". Este período receberia o nome de Lopo Homem, e caracterizar-se-ia pelo fim da influência de Ptolomeu na representação do Extremo Oriente, e por um maior rigor na representação das terras e continentes. As grandes legendas desaparecem para surgirem nomes de locais e pequenas indicações e descrições históricas. Aparecerem agora os Atlas e quarteirões, enquanto que as grandes cartas se vão tornando cada vez mais raras. Ora esta escola, segundo o mesmo autor, teria início em Lopo Homem (que lhe dá o nome), mas podemos dizer que o seu expoente máximo é Fernão Vaz Dourado, cuja obra denota a presença de todas as características imputáveis à escola..

Da sua biografia sabemos pouco, sendo as as datas extremas dos trabalhos que lhe conhecemos 1568 e 1580. Sabemos ainda com certeza que foi Fronteiro da Índia, pois é assim que se identifica em alguns frontispícios dos seus Atlas. Alguns outros documentos dão-nos pequenas indicações do que poderá ter sido a sua vida: Assim, supõe-se que seria filho de Francisco Dourado, que aparece num documento como indo para a Índia em 1513, casando-se aí em 1519. Teria pois Fernão Vaz nascido pelos anos de 1520. Em 1547 temos a certeza que está presente no 2º Cerco de Diu, pois é ferido na explosão do baluarte de S. João (a documentação aponta-o como ferido nas pernas). Por esta altura viaja até Bengala com Vasco da Cunha, ou em 1543-44, ou em 1547; o certo é que a viagem é referida nas "Derrotas de Portugal para a Índia e desta para Malaca, Java, Sunda, Molucas, etc", do Livro de Marinharia de João de Lisboa. As indicações dos frontispícios dos seus Atlas dão-nos algumas informações, como já foi dito: se de alguns temos a certeza que foram feitos no Estado da Índia, o de 1575 foi feito no Reino, e dedicado a D. Sebastião. Aqui terá corrigido alguns erros junto de colegas e cosmógrafos, pois neste Atlas apresenta já as preiamares em horas e quintos, em vez de quartos, como antes fazia.

Em relação às obras que nos legou, podemos ainda salientar a firmeza e perícia do seu traço e o elevado gosto artístico das suas iluminuras. Opta pela produção de Atlas com cartas regionais em vez de grandes cartas de todo o mundo. Outra característica importante da sua obra é que apresenta, pela primeira vez, cartas especiais do Ceilão de do Japão. Em relação ao arquipélago japonês terá utilizado as mesmas fontes de Lázaro Luís, mas Dourado é mais pormenorizado a representá-las. Estas cartas aparecem no primeiro Atlas que lhe conhecemos, de 1568, e que terá sido feito para D. Luís de Ataíde. Segue-se cronologicamente outro de 1570, e aqui, em relação ao Brasil, apresenta os sistemas hidrográficos do rio da Prata Amazonas e Maranhão interligados, formando este território uma ilha. Em 1571 terá feito um novo Atlas, que pertenceu à Cartuxa de Évora, embora na folha de rosto apareçam as armas dos Costa. Encontra-se actualmente na Torre do Tombo. Infelizmente já não está completo, mas Varnhagem descreve-o em 1851, antes de estar mutilado e assim ficamos a saber que lhe falta a folha correspondente ao Mediterrâneo. O desenho deste Atlas não é tão perfeito em relação a outros seus trabalhos. Em 1575 faz o seu Atlas mais belo e ricamente iluminado. Dedicou-o a S. Sebastião e destinar-se-ia ao Monarca com o mesmo nome. Temos no ano seguinte um Atlas que lhe é atribuido, mas que não está assinado. É o que se encontra na Biblioteca Nacional de Lisboa. Em 1580 faz outro trabalho, já na Índia mas de muito menor qualidade; podermos dizer que já não estaria na posse das suas melhores capacidades. No entanto vemos que continuou a evoluir e a aperfeiçoar-se, pois conseguiu seccionar melhor as várias partes do globo representadas, fazendo um número menor de cartas, evitando assim repetições de lugares.


João G. Ramalho Fialho



Bibliografia
CORTESÃO, Armando, Cartografia e Cartógrafos Portugueses dos séculos XV e XVI, 2 vols., Lisboa, Seara Nova, 1935.
IDEM, História da Cartografia Portuguesa, 2 vols, Lisboa, Coimbra, Junta de Investigações do Ultramar/ Agrupamento de Estudos de Cartografia Antiga, 1969-1970.
IDEM, e MOTA, Avelino Teixeira da, Portugaliae Monumenta Cartographica, Reimpressão, vol. III, Lisboa, INCM, 1987.
COUTO, Monsenhor Gustavo, O Cosmografo Fernão vaz Dourado Fronteiro da Índia e a sua Obra, Lisboa, Tipografia Carmona, 1928.

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cvinagre@instituto-camoes.pt (Cláudio Vinagre) Cartografia e Cartógrafos Fri, 17 Jul 2009 13:29:37 +0000