Martellus, Henricus

Martellus, Henricus

Sobre este cartógrafo pouco se sabe, dada a escassez de dados biográficos existentes sobre o mesmo. Sabemos ser de nacionalidade alemã, pois ao seu nome latinizado acrescentava o aposto “germanus”. Henricus Martellus Germanus operou em Itália, na cidade de Florença, no último quartel do século XV, na oficina do gravador e impressor de cartas náuticas, Francesco Rosselli. Alguns autores, entre os quais Roberto Almagià, admitem que Martellus tenha trabalhado em associação com Rosselli, concluindo aquele estudioso italiano que uma parte da obra cartográfica de Martellus Germanus se radica na obra de Rosselli, não obstante Armando Cortesão admitir que “apenas se pode conjecturar” a eventual associação entre os dois cartógrafos. De importância fundamental para a história da cartografia quatrocentista, avulta o planisfério de raíz ptolomaica, da autoria de Henricus Martellus, datado de c. 1489, inserido no Insularium Ilustratum Henrici Martelli Germani, de que se conhecem quatro cópias: no British Museum, na Biblioteca da Universidade de Leiden, no Musée Condé de Chantilly, e na Biblioteca Laurenziana de Florença. A raíz ptolomaica na obra deste cartógrafo foi observada por O. A. W. Dilke a propósito do grande mapa-mundi manuscrito, datado de c. 1490, com assinatura “Opus Henricus Martellus Germanus”, que se guarda na Biblioteca da Universidade de Yale, divulgado em 1963 por Alexandre Vietor. Dilke deduz que o cartógrafo, ao utilizar a Segunda Projecção de Ptolomeu na execução desta carta, foi “aparentemente a primeira pessoa que optou por este procedimento”. Na carta de Martellus, de c. 1489, encontram-se registados os resultados da segunda viagem de Diogo Cão, quando este navegador, em 1486, erigiu o seu quarto padrão em “c. de padrom” e chegou a “serra parda”, bem como as consequências da viagem de Bartolomeu Dias de 1487-88, no decorrer da qual descobriu a costa africana para além do término da última viagem de Diogo Cão, dobrou o Cabo da Boa Esperança e, tendo passado pela “ilha de fonti”, aportou a “rio do Infante” à entrada do Oceano Índico. Neste planisfério, as viagens efectuadas pelos dois navegadores portugueses são evocadas por três legendas. Na legenda inscrita sobre o Golfo da Guiné, diz-se: “Hec est Uera forma moderna affrice secundum discripcione Portugalesium Jnter mare Mediterraneum et oceanum meridionalem”. Esta legenda é bastante ilucidativa da moderna configuração do continente africano, entre o Mediterrâneo e o Índico. Uma segunda legenda ilucida-nos sobre a colocação do referido quarto padrão no Cabo do mesmo nome, quando da última viagem de Diogo Cão, e refere: “Ad hunc usq; montem qui vocatur niger per venit classis secundi regis portugalie cuia classis perfectus erat diegus canus qui in memoriam rei erexit colunam marmorea cum crucis ab mõte nigro et hic moritur”. A terceira e última inscrição, diz respeito à dobragem do Cabo e à chegada de Bartolomeu Dias à “ilha de fonte” e observa a data de 1489, portanto, imediatamente a seguir à viagem deste navegador. Reza a legenda: “ Hunq usq ad Ilha de fonti pervent ultima navegatio portugalesium. anno. d. ni. 1489”. Como refere Inácio Guerreiro, este monumento cartográfico da autoria de Henricus Martellus inscreve-se num grupo de cartas vulgarmente designadas por “luso-ptolomaicas”, que procuram conciliar uma cartografia de natureza prática, que tem por base a observação directa dos lugares e uma cartografia de raíz erudita e humanística, que ainda prevalecia nas oficinas dos cartógrafos onde Ptolomeu era modelo a observar. O facto de Martellus Germanus ter elaborado o seu mapa-mundi a partir de originais portugueses desaparecidos, realça o seu excepcional valor, dada a escassez de monumentos cartográficos portugueses executados no século XV por um lado, e, por outro, vem contribuir para a desmistificação da polémica questão da “política de sigilo”, pois, como observa Luís de Albuquerque, esta tese deve ser apenas encarada como hipótese de trabalho. Dada a abundante presença de estrangeiros na corte de Lisboa, interessados no comércio das nossas espécies cartográficas, o pretenso cuidado dos monarcas portugueses teve limitados ou nulos efeitos. Segundo Armando Cortesão, baseado em estudos de H. Winter e E. G. Ravenstein, Martim Behaim ter-se-á inspirado no mapa de Martellus na construção do seu Globo.

Augusto O. Quirino de Sousa


Bibliografia
ALBUQUERQUE, Luis de, “A Cartografia Portuguesa dos Séculos XV e XVI”, in História e Desenvolvimento da Ciência em Portugal, vol. II, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 1986, pp. 1061-1084.
CORTESÃO, Armando, Cartografia e Cartógrafos Portugueses dos Séculos XV e XVI, Lisboa, Seara Nova, 1935.
IDEM, História da Cartografia Portuguesa, vol. II, Lisboa, 1970, pp. 204-209.
GUERREIRO, Inácio, “A viagem de Bartolomeu Dias e os seus reflexos na Cartografia Europeia Coeva,”, in A Viagem de Bartolomeu Dias e a Problemática dos Descobrimentos, Actas do Seminário realizado em Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e Horta, de 2 a 7 de Maio de 1988, pp. 133-143.