Mauro, Fra

Foi monge dos Camaldulenses em Veneza, no Mosteiro de S. Michele de Murano. Aí desenvolveu o seu trabalho de cartógrafo (temos notícia de em 1443 estar a elaborar um mapa da Istria,), chegando mesmo a deixar discípulos importantes, como é o caso de Andrea Bianco. É comumente considerado o melhor cartógrafo erudito me-dieval, mas poderemos dizer que apenas se encontra num estádio de maior avanço técnico e científico que muitos anteriores. A sua obra situar-se-á assim num momento de transição entre a Idade Média e a cartografia do Renascimento.

A cartografia medieval, de um modo geral até ao século XIV, era basicamente esquemática e simbólica, sendo os seus mapas conhecidos por T–O, pois o mundo era apresentado por um circulo, em que no seu interior o T, formado por três rios, divide a Ásia, ao cimo, a Europa e a África, em baixo. Jerusalém situava-se quase sempre no centro. Este tipo de esquema vai-se tornando cada vez mais complexo e começa a surgir o Mediterrâneo mais ou menos correctamente representado, assim como as informações e legendas de carácter económico ou social se vão multiplicando pelos vários continentes representados. Ora, o planisfério de Fra Mauro é profícuo em tais características, o que leva a considerar que o seu autor represente o culminar deste tipo de cartografia, como já dissemos.

O Planisfério de Fra Mauro, terminado em 1459, foi uma encomenda do Rei de Portugal, D. Afonso V. Sobre o seu pagamento temos alguns documentos na Torre do Tombo e no Arquivo de Murano. Em Lisboa temos uma carta de quitação (Chan-celaria de D. Afonso V, Lv. 1, fl.2) onde está inscrita a verba de 30 ducados para pagar aos pintores do mapa de Veneza. Em Murano aparecem 3 assentamentos relativos a pagamentos. Temos um de 28 ducados, de 8-II-1457, e outros dois de 1459 (17 de Março e 24 de Abril), um refere 2 ducados, e o outro afirma que o mapa está pronto.

Vejamos agora as princípais características de tão famoso mapa-mundo. As suas dimensões são bastante grandes, com 196 cm de diâmetro, ainda o podemos considerar um T-O, com a forma circular e um oceano a toda a volta, e invulgarmente está ori-entado para Sul, ou seja o topo do mapa corresponde ao Sul, ou ao fim de África, o que David Woodward considera ser influência árabe. Relativamente ao centro temos o Mediterrâneo que está mais ou menos correcto, o que se deverá à influência dos portulanos e das informações de Ptolomeu. Os desenhos da Ásia, embora incorrectos, aparecendo bastante maior do que na realidade (outro dado de Ptolomeu), têm im-portantes legendas e informações de carácter comercial. Estas devem-se aos escritos de Marco Polo, que influenciam bastante o cartógrafo. Assim, aparecem referenciados o Cataio, o Cipango e a Insulíndia descrita por Polo. Na China aparecem os vários «rei-nos» e indicações acerca da Rota da Seda.

Outra zona a que Fra Mauro atribui bastante importância é a da costa oriental de África, e o Índico em geral, embora a Índia esteja bastante mal representada. Isto deve-se às fontes que utilizou, as informações dos comerciantes e viajantes árabes. Assim, interessa-se bastante pelo comércio e navegação dos muçulmanos até Sofala. Será este conjunto de informações que o levará a pensar que o Índico não é um mar fechado, e é por isso que representa a África, a Sul, desligada de qualquer continente. Ora, tal facto é bastante importante, pois como o mapa se destinou a Portugal, será bem provável que a ele se tenha devido o plano de atingir a Índia das especiarias através da Costa Ocidental Africana, e não apenas o reino de Preste João.

Outro dado importante deste Planisfério é a referência às viagens portuguesas, princípalmente ao Golfo da Guiné. Diz que a exploração daquela zona se deve ao Rei de Portugal, e que recebeu cópias de cartas portuguesas com as novas in-formações geográficas. Tais dados levam Fra Mauro a afirmar, ao contrário de Ptolomeu e outros autores que a navegação e sobrevivência nas zonas tórridas era possivel.

Assim se verifica a importância deste Planisfério, pois mostra aspectos da cartografia medieval tradicional, que tenta conjugar com os novos dados da observação e das viagens que os portugueses e outros iam fazendo.


João G. Ramalho Fialho


Bibliografia

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