Ptolomeu
Ptolomeu
Matemático, astrónomo e geógrafo grego que viveu no século II d.C. (Tebas c.90 – Canope c.168), a sua vida decorre na época dos imperadores «Antoninos». Período particularmente rico para o Império Romano, quer do ponto de vista económico e social, quer do ponto de vista cultural e intelectual. Reina a Pax Romana, e com ela desenvolvem-se as artes, as trocas intelectuais, a difusão das ideias. A obra de Cláudio Ptolomeu abarca, essencialmente, três domínios: Matemática, Astronomia e Geografia. A Mathematik Sintaxis ou Megale Sintaxis é uma das suas obras mais divulgadas. Especialmente a partir dos séculos VIII e IX, quando é traduzida para árabe com o título de Al Madjiristi, mais conhecida pelo nome latino de Almagestum. As teorias expostas por Ptolomeu, neste trabalho composto por treze majestosos livros, tornaram-se a matriz do pensamento astronómico acerca do universo durante 1700 anos.
Quanto à Geografia, facto que aqui importa realçar, o alexandrino concebeu uma obra com o título de Gheograpfiké Uféghesis (tratado ou guia de Geografia ou simplesmente, como passaria a ser conhecida, por Geografia). Um dos problemas discutidos por Ptolomeu é o dos métodos para a elaboração de mapas-múndi. Esboça também vários tipos de projecção cartográfica e critica ainda os trabalhos de Marino de Tiro. Foi no Renascimento que o livro veio a ter maior impacto. Manuel Chrysolorus, um letrado vindo de Bizância para Itália, inicia sua a tradução. Contudo, seria Jacopo de Angiolo, aluno do bizantino, a concluir essa tarefa por volta do ano de 1406. Circulando primeiro com o título de Cosmografia e logo depois de Geografia, o que demonstra uma rápida modificação semântica, como argutamente aponta o Professor Luís de Albuquerque, a obra veio a ser continuamente editada: sete vezes entre 1475 e 1490. A primeira edição, na cidade de Vicenza (1475), não contém cartas, mas logo nas tiragens seguintes são acrescentados os mapas. Afigura-se digno de registo o facto de não sabermos ao certo se as cartas são ou não da autoria de Ptolomeu.
A difusão do livro, especialmente nos centros eruditos italianos e alemãs ligados à cultura humanista é extremamente importante, sobretudo porque vai obrigar a uma renovação dos estudos de Geografia. O que não foi o suficiente para impedir um choque com as descrições geográficas e cartográficas dos marinheiros ibéricos, que chegavam de paragens longínquas com uma visão diferente daquilo que era descrito na obra do alexandrino. No ano de 1490 interrompem-se as edições da Geografia. Só em 1507 são retomadas as tiragens. Estes dezassete anos, que separam a sétima da oitava edição do livro, são marcados por profundas alterações no quadro mental europeu, no que à imagem do Mundo diz respeito. Não se podia esconder por muito mais tempo os erros e lacunas que a obra do geógrafo alexandrino albergava. Nomeadamente quanto ao cálculo das dimensões terrestres; à ausência de comunicabilidade entre o oceano Índico e Atlântico; tal como uma extensão excessiva em longitude do continente asiático. A viagem que Bartolomeu Dias efectuou em 1487-1488, demonstrando que havia uma comunicação directa entre os dois oceanos (Atlântico e Índico), representa o primeiro golpe de misericórdia na geografia ptolomaica. A viagem de Cristovão Colombo, por seu turno, iniciada em 1492, descobrindo um novo continente vem reforçar a ruptura. Assim, as novas edições da Geografia, que a partir de 1507 retomam o seu curso, passam a conter as "tabulae novae", isto é, a par das cartas tradicionais aparecem novos registos cartográficos actualizando os dados geográficos. Em Portugal a obra de Ptolomeu é seguida com atenção, ao que tudo indica, pelo menos desde o tempo do Infante D.Henrique. Diogo Gomes, um dos navegadores do Infante, aponta já no seu relato alguns erros da geografia ptolomaica. Outros autores ligados à navegações, especialmente os que estão próximos da cultura humanista, vão referir-se a Cláudio Ptolomeu, ora criticando as suas posições, ora tentando encaixar as novas descobertas geográficas na Geografia do alexandrino. Duarte Pacheco Pereira, D. João de Castro e Pedro Nunes são alguns desses vultos que amiúde se referem ao geógrafo grego nos seus trabalhos. Ainda hoje em dia se constata que a primeira e única tradução para português da Geografia de Ptolomeu, o Livro I apenas, é da autoria de Pedro Nunes, que a partir da obra discutia a forma de fazer cartas com os seus alunos.
Carlos Manuel Valentim
Bibliografia
AUJAC, Germaine, Claude Ptolémée, astronome, astrologue, géographe- connaissance et représentation du monde habité, Paris, Éditions du CTHS, 1993.
BROC, Numa, La Géographie de la Renaissance, Paris, Éditions du CTHS, 1986.
CORTESÃO, Armando, "Cartografia portuguesa e a Geografia de Ptolomeu", in Boletim da Academia das Ciências de Lisboa, V. XXXVI, 1964, pp. 388-404.