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Luís Tirapicos, Visionarium
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O cometa do vinho do Porto
Foi publicado em 1991, nos Estados Unidos, um livro cujo título poderíamos traduzir livremente por: Cometas - Uma História Cronológica da Ciência, Mito e Folclore. O seu autor é Donald K. Yeomans, astrónomo norte-americano, conhecido especialista no estudo dos cometas. Na referida obra o autor identifica no subtítulo os três principais eixos de relacionamento da humanidade com aqueles objectos. De resto foram marcantes e numerosas as observações dos cometas sob os desígnios da superstição, como marcantes o foram para a ciência. No último caso basta recordar as observações de Tycho Brahe referentes ao cometa de 1577, que em conjunto com as observações da supernova de 1572 (na época Tycho chamou-lhe estrela nova) operaram uma autêntica revolução na astronomia. No domínio do folclore são conhecidas as pílulas anticometa, produzidas em 1910 para obviar à passagem da Terra pela cauda do cometa de Halley, ou a propósito deste, os balões em forma de cometa vendidos no Brasil em 1986.
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"La Comète, tableau de la fin du monde, 13 juin 1857", gravura de C. Mettais publicada na "L'Illustration" de 21 de Março de 1857, numa alegoria ao cometa de 1811
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Curiosamente um dos episódios mais originais relacionados com o folclore à volta dos cometas teve a sua origem em Portugal, mais concretamente entre os produtores de vinho do Porto do século XIX.
Corria o ano de 1811, quando, a 25 de Março, o astrónomo francês Honoré Flaugergues descobriu um cometa brilhante visível a olho nu. Designado por cometa Flaugergues (geralmente os cometas recebem o nome do descobridor) foi visível durante 18 meses, tornando-se num dos cometas de maior período de visibilidade no passado.
Apresentou ainda outros aspectos que o tornaram notável, como o comprimento da cauda (176 milhões de quilómetros), a quarta mais proeminente visível no século XIX. Algumas fontes indicam também o diâmetro da cabeleira, cerca de 1,8 milhões de quilómetros. Sob o ponto de vista científico, o grande cometa de 1811 permitiu alguns avanços, nomeadamente por parte de W. Herschel que através da observação da variabilidade de certas estruturas, concluiu da existência de rotação no núcleo. Muitos outros astrónomos observaram este cometa, como o espanhol J. J. Ferrer, a bordo de um navio, próximo de Cuba, os alemães Alexander von Humboldt, H. W. Olbers, Friedrich W. Bessel ou o russo Wisnieswsky que fez a última observação do cometa, em Agosto de 1812. Em 1825, F. Argelander calculou a órbita do cometa Flaugergues com um período de 3065 anos. Enquanto o cometa foi visível, abateu-se sobre a Europa uma onda de terror, julgando muitos tratar-se do anúncio do fim do mundo, facto que se repetiu várias vezes durante a história, e a que não serão alheias as crenças antigas sobre a imutabilidade dos céus - tal histeria seria mesmo alvo dos caricaturistas da época.
Até Napoleão o considerou um bom presságio, aquando da sua campanha na Rússia, vindo posteriormente a mudar de opinião. Entretanto em Portugal era produzido um Porto que se revelaria de excelente qualidade, classificado em literatura que consultei como um vintage de cinco estrelas (a classificação máxima). A associação do vintage de vinho do Porto de 1811 ao grande cometa do mesmo ano, parecia assim perfeita - uma colheita excepcional e um cometa notável. Segundo H. Warner Allen (A History of Wine, Londres, 1961) entre a fraternidade dos apreciadores do vinho do Porto foi-se instalando o costume de atribuir nomes aos vintage. Ao de 1815 chamou-se Waterloo e ao de 1811 Cometa. O vinho do cometa permitiu aos produtores capitalizar da sua fama até 1880 (Comets, Smithonian Astrophysical Observatory, Cambridge, Mass., 1974) muito embora o ano de 1811 tenha marcado uma viragem nas exportações de vinho do Porto, no sentido de um decréscimo.
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O cometa Flaugergues, de 1811, conhecido como o cometa do vinho do Porto, esteve visível a olho nu durante cerca de 9 meses. De entre os cometas registados, apenas o cometa Hale-Bopp, na imagem, o ultrapassou em período de visibilidade. Este último esteve visível a olho nu durante 18 meses, em 1997 e 1998
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A fama daquela colheita ficaria de tal modo associada ao cometa que Ferdinand Hoefer lhe faz referência na sua Histoire de l'Astronomie, publicada em Paris, em 1873. Leão Tolstoi não quis deixar de assinalar a visão do cometa, e escreveu no seu livro Guerra e Paz: "Para Pedro, contudo, este cometa, com a sua longa cauda luminosa, de forma alguma lhe suscitava qualquer sentimento de terror; ao invés, sentia-se cheio de alegria, os olhos humedeciam-se de lágrimas ante este valente cometa que, depois de percorrer distâncias imensas a velocidade de vertigem, parecia subitamente parado - como uma seta ao atingir o alvo - num ponto escolhido, sustentando com vigor a cauda erecta, espalhando a sua luz branca entre um sem-número de outras cintilantes estrelas."
O autor agradece ao Instituto do Vinho do Porto a amável colaboração prestada na elaboração deste artigo.