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Em Lisboa com olhos em África: A fundação da Sociedade de Geografia
É no período compreendido entre 1836 e 1865, sob influência do Marquês Sá da Bandeira, que se dá na política portuguesa uma viragem para África. O interesse governamental pelos territórios africanos depara, no entanto, com a fraca implantação portuguesa no terreno. O interior era mal conhecido, e apenas nas regiões costeiras existiam zonas de ocupação que serviam de meio de escoamento de produtos coloniais. Entretanto, nas décadas de 1870 e 1890, verifica-se um aumento do interesse dos países europeus pelo continente africano. A ocupação de vastas zonas do litoral pelos portugueses era um obstáculo às pretensões dos outros países, mas as zonas do interior eram ainda muito pouco conhecidas. Por outro lado, os problemas políticos e financeiros portugueses facilitavam uma mudança de poderes instalados neste continente e uma alteração da política dominante, que se altera do direito tradicional da prioridade das Descobertas, para um direito de ocupação efectiva, estabelecido internacionalmente na Conferência de Berlim de 1884-1885. A Conferência de Berlim impõe o direito à ocupação de facto, isto é, o reconhecimento, por parte dos régulos indígenas, da soberania de uma potência europeia sobre os territórios tradicionalmente pertencentes a uma ou várias etnias, contra a validação dos direitos históricos reclamados por Portugal.
Por toda a Europa as sociedades de geografia promoviam uma política de exploração geográfica que vinha ao encontro das pretensões políticas de ocupação dos territórios africanos. Países que até então não tinham interesses instalados em África, como a França, a Espanha, a Alemanha, a Bélgica e a Itália, começam a cobiçar as riquezas desse continente. As sociedades de geografia europeias tinham sido criadas durante a primeira metade do século XIX, e tinham desenvolvido trabalhos de exploração geográfica e científica com ampla divulgação nos periódicos e livros da época. As informações obtidas, apresentadas de forma atractiva, com mapas, imagens exóticas com reprodução da fauna e flora, atraíam a atenção de um público cada vez maior. Estas explorações chamavam também a atenção dos poderes políticos para as possibilidades de exploração económica Em Portugal, o empenho político e científico tinha correspondência num sentimento generalizado de curiosidade e de interesse da opinião pública pelos problemas africanos. Em 10 de Novembro de 1875, um grupo de 74 subscritores enviou um requerimento ao rei D. Luís, propondo a fundação da “Sociedade de Geografia de Lisboa, destinada a promover e auxiliar o estudo e progresso das Ciências Geográficas e Correlativas, no país.” Entre os subscritores estavam os nomes de Luciano Cordeiro (1844-1900), António Enes ((1848-1901), Pinheiro Chagas (1842-1895), Sousa Martins (1843-1897), Sousa Viterbo (1845-1910), Cândido de Figueiredo (1846-1925), Teófilo Braga (1843-1924), Eduardo Coelho (1864-1889), Marquês de Sá da Bandeira (1795-1876), e o Visconde de S. Januário. Este último seria eleito em 1876 primeiro presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa, sendo seus secretários Luciano Cordeiro e João Capelo. A Sociedade propunha-se atingir os seus objectivos através da realização de sessões, conferências, prelecções, cursos livres, concursos e congressos científicos, subsídios de investigação, viagens de exploração e investigação científica. As informações obtidas seriam publicadas e disseminadas em arquivos, bibliotecas e museus. Propunha-se ainda estabelecer relações permanentes com outras instituições europeias com as quais pudesse trocar informações e colaborações. Em Dezembro de 1876 apareceu o Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, que actualmente ainda se publica.
Embora a sua actuação não fosse direccionada exclusivamente para o continente africano, logo nos primeiros anos da sua existência foi criada a Comissão Nacional Portuguesa de Exploração e Civilização da África, mais conhecida por Comissão de África. A acção da Sociedade foi determinante, promovendo expedições geográficas e contribuindo para a definição de uma política colonial portuguesa em África.
A primeira expedição promovida pela Sociedade foi levada a efeito por Serpa Pinto (1846-1900), Hermenegildo Capelo (1841-1917) e Roberto Ivens (1850-1898), em 1877. O seu principal objectivo era a exploração do rio Cuango, a região das origens dos rios Zambeze e Cunene e das bacias hidrográficas do Cuanza e do Cuango. Depois de iniciada e expedição, os exploradores dividiram-se e, enquanto Capelo e Ivens se mantiveram fiéis ao figurino inicial, Serpa Pinto seguiu as indicações de Luciano Cordeiro e tentou fazer a travessia de Angola a Moçambique. Não o conseguiu como pretendia, mas chegou a Pretória, e posteriormente a Durban. A ligação entre Angola e Moçambique seria realizada com sucesso em 1884-1885 por Capelo e Ivens. As pretensões portuguesas de ocupação do espaço entre Angola e Moçambique chocaram, no entanto, com as pretensões inglesas, que se materializaram no ultimatum de 1890 e consequente reivindicação dessa zona para o império inglês. Para além das questões territoriais e de política colonial, merece destaque a preocupação da Sociedade e dos seus exploradores em fazerem descrições minuciosas das zonas percorridas, com a elaboração de mapas, fotografias e recolha de informação com interesse científico. Desta forma, cumpriam os objectivos delineados pela Sociedade de Geografia, contribuindo para o conhecimento das zonas efectivamente ocupadas pelos portugueses. Nos anos seguintes as expedições africanas continuariam a ser promovidas, mas com objectivos mais localizados de conhecimento aprofundado de Angola e Moçambique. Ao longo do século XX foram realizados vários trabalhos de exploração e de registo cartográfico, hidrográfico, etnográfico, entre outros. No seio da Sociedade foram criadas várias comissões e secções especializadas, que foram mobilizando esforços no sentido da recolha e tratamento de informações em África e noutros continentes onde os portugueses estiveram e estão presentes. O interesse por terras longínquas, contudo, não levou a Sociedade a esquecer as suas actividades em Portugal, nomeadamente na divulgação e no ensino da geografia. |
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