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Goethe no Jardim da Água
Passam por lá muitas pessoas. Aos fins-de-semana são milhares. Os mais jovens brincam com os instrumentos, fazem deslizar água entre obstáculos geométricos, espreitam por um prisma, saltitam entre as pedras e jogam ao toca-e-foge com os salpicos da cascata. Estão no Jardim de Água.
O local merece uma visita. Fica no Parque das Nações, em Lisboa, mesmo junto ao Pavilhão do Conhecimento e ao Oceanário. Aí se encontram várias actividades lúdicas muito bem pensadas. É animador ver como os mais jovens gostam de explorar o que encontram e, com isso, a sua curiosidade desperta para alguns princípios físicos fundamentais. Depois de brincarem com um prisma ou com o parafuso de Arquimedes, alguma coisa fica gravada na sua mente. É a divulgação científica feita através da brincadeira, da actividade lúdica imaginativa, como certamente o conceberam as empresas que construíram os dispositivos.
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Parafuso de Arquimedes (em cima) e parábola de água (em baixo), duas das experiências patentes ao público no Jardim da Água, no Parque das Nações, em Lisboa.
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Entremos no Jardim de Água do lado oposto ao rio, onde aparece uma magnífica cascata. A água jorra do alto, animada de um movimento horizontal, e cai descrevendo uma curva curiosa. A mesma curva pode ser vista a algumas centenas de metros, no átrio inferior do centro comercial Vasco da Gama. Neste último, a água jorra quase verticalmente e descreve um arco, caindo no solo a alguns metros da origem da fonte. Pode-se passar por debaixo do arco de água sem se ser molhado, pois quase não há turbulência. Que curva curiosa é essa que aparece nos dois locais? Parece uma circunferência alongada. Trata-se de um arco de elipse? Na realidade, trata-se de uma curva igualmente interessante. É uma parábola, a curva que resulta de um corte de um cone paralelamente a uma directriz.
A queda da água em parábola resulta da composição de duas forças: a horizontal, com que sai do parapeito, e a força da gravidade, que lhe confere um movimento uniformemente acelerado na vertical. Como resultado, a água sai praticamente na horizontal, curva-se suavemente e atinge o solo quase a pique.
Entrando no jardim, encontram-se alguns aparelhos de elevação de água com que se pode brincar. O mais interessante é uma espécie de parafuso inclinado, com uma calha em hélice. Rodando esse grande parafuso, a calha recolhe a água e eleva-a lentamente até ao topo. Reparando na inclinação da calha, percebe-se que ela sustém a água e impede-a de regressar ao nível de partida. Quem brinque com este dispositivo pode nem sequer suspeitar que se trata de uma invenção muito antiga. Trata-se do célebre parafuso de Arquimedes, atribuído ao matemático grego do século III a.C.
Por perto, encontra-se um prisma de plástico transparente cheio de água. Olhando através de uma das suas faces e orientando-o convenientemente, vêm-se as cores do arco-íris. As mesmas cores podem ver-se na cascata a certas horas do dia e com determinada iluminação solar. Como se sabe, o prisma refracta diferentemente a luz conforme as cores (comprimento de onda). O mesmo acontece com as gotículas de água da cascata. A luz solar branca decompõe-se, revelando tratar-se da sobreposição das várias cores, como o revelou Isaac Newton (16421727).
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Dispositivo, no Jardim da Água, que permite reproduzir a experiência de Goethe (em cima) e painel preto e branco visto através do prisma (em baixo).
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O mais interessante, contudo, é um painel com rectângulos brancos e negros que se encontra junto ao prisma. Também aí não se vê nenhuma explicação, apesar de o construtor do dispositivo saber muito bem o que estava a fazer. O painel reproduz uma experiência clássica de Goethe (17491832), o poeta alemão que escreveu longamente sobre a teoria da cor.
Goethe não compreendeu a descoberta da Newton sobre a composição das cores, nem soube reproduzir as experiências do cientista inglês. Encontrou, contudo, um fenómeno curioso que pretendeu explicar. Olhando através de um prisma para uma superfície metade branca e metade negra, encontrou cores na zona de transição. Mas não viu todas as cores do arco-íris em que Newton tinha sabido decompor a luz branca. Concluiu daí que o físico inglês se tinha enganado e que as cores se originavam por transição entre o claro e o escuro e não pela decomposição da luz. Olhando de determinado ângulo, encontrou o violeta e o azul. Invertendo o prisma, encontrou o vermelho e o laranja. O visitante do Jardim de Água pode reproduzir essa experiência com o prisma e o painel que aí se encontram. Nem precisa de inverter o dispositivo. Olhando através dele para os rectângulos pretos sobre o fundo branco, verá vermelhos de um lado de cada rectângulo e azuis do outro, como se regista na fotografia. O erro de Goethe está em não ter percebido que as cores que faltavam correspondiam a luz decomposta que não se podia observar. Essa teria de ser originada numa zona negra, de onde não provinha portanto luz.
Trata-se de um erro subtil, que iludiu o poeta alemão até ao fim da sua vida. No Jardim de Água, pode-se repetir a experiência que o enganou. Pode-se aprender física e história. Muito mais do que à primeira vista parece.
Nuno Crato
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