Astrolábios

As viagens das Descobertas não seriam possíveis sem o génio e o engenho dos matemáticos e cosmógrafos, que colocaram nas mãos dos navegadores um instrumento tão simples como eficaz: o astrolábio

Astrolábio planisférico de Nicol Patenal 1616 (frente) existente no Museu da Marinha, Lisboa

Astrolábio Náutico de fabrico português existente no Museu de Marinha de Lisboa

O astrolábio consiste no desenvolvimento de uma ideia da antiga Grécia, que nos chegou por via dos árabes. Conhecem-se instrumentos construídos no século X, e há, por todo o mundo, cerca de 1500 astrolábios antigos de vários tipos, incluindo os náuticos. O astrolábio que existia no início da época das Descobertas é o chamado astrolábio planisférico, um instrumento muito complexo e delicado, destinado não só a medir a altura das estrelas e calcular as horas pela posição do Sol, como também a prever a posição dos astros para determinado dia do ano e para determinada hora. Essencialmente, trata-se de uma peça circular, chamada madre, onde se coloca um disco com uma projecção da esfera celeste no plano equatorial, havendo vários discos para várias latitudes. Por cima desse disco, move-se a chamada aranha, que aponta com pequenos bicos artisticamente desenhados para a posição das estrelas de maior grandeza.

Há uma grande variedade de astrolábios planisféricos, mas, no reverso, existe habitualmente uma mira ou alidade, chamada medeclina, que se aponta para os astros, para medir as suas alturas. Também no reverso, estão gravados gráficos para calcular a hora pela altura do Sol ou para medir a altura de um edifício.

O astrolábio planisférico era um instrumento muito sofisticado, um autêntico computador analógico que exigia um grande rigor e cálculos complexos para a sua construção. Julga-se que nunca foram construídos tais instrumentos no nosso país, mas o astrolábio simplificado que os cosmógrafos e navegadores das Descobertas terão inventado, tornou-se num instrumento de grande utilidade para a navegação. É natural que esse astrolábio náutico tenha aparecido no século XV, mas o instrumento mais antigo que se conhece data de 1540.

O astrolábio náutico é constituído simplesmente por um aro graduado, com um eixo no centro, seguro por uma armação em cruz, e uma mira ou alidade, a chamada medeclina, que roda nesse eixo. Trata-se de um instrumento mais pesado e mais robusto do que o astrolábio planisférico. Não oferece grande resistência ao vento e mantém-se mais facilmente na vertical, mesmo nas difíceis condições da navegação de alto mar.

O astrolábio náutico era utilizado para medir a altura de astros, nomeadamente a da Estrela Polar ou a do Sol ao meio-dia. Para o efeito, a medeclina tinha duas pequenas placas, as pínulas, com orifícios nas partes centrais, através dos quais se espreitava para as estrelas ou se projectava a luz do Sol, para alinhar essa mira com a direcção do astro.

Ao medir a altura angular da Estrela Polar, conseguia-se calcular a latitude do lugar. No Pólo Norte, a Polar aparece no zénite, mesmo por cima do observador - a sua altura corresponde à latitude de 90 graus norte. No equador, a Polar aparece no horizonte - a sua altura corresponde à latitude zero do lugar. Todas estas medidas são aproximadas, pois a Polar não se encontrava, e ainda hoje não se encontra, exactamente no Pólo. Para medir a latitude através da Polar, era necessário compensar as alturas, usando um conjunto de regras que constituíam o chamado Regimento da Estrela do Norte.

Quando os navegadores se aproximaram do equador e, por maior razão, quando se deslocaram para o hemisfério sul, onde a Polar deixa de se ver, a medida da latitude pela estrela do norte tornou-se impossível. A sul do equador, não há nenhuma estrela facilmente observável que desempenhe as funções de Polar do sul. Utilizou-se o Regimento da Cruzeiro do Sul, com base na estrela Alfa desta constelação, mas o método não foi muito utilizado, talvez por essa estrela se encontrar bastante afastada do Pólo. Usou-se, isso sim, o regimento do Sol ao meio-dia, pelo que se calculava a latitude pela altura meridiana deste astro, isto é, a sua altura diária máxima, comparando-a com a declinação do Sol, que se conhecia para cada dia do ano pelos almanaques, o primeiro dos quais devemos a Abraão Zacuto.

Os astrolábios náuticos usados para medir a altura do Sol diferiam dos usados para medir a altura das estrelas. Os orifícios da mira eram mais estreitos e, em vez de espreitar por eles, os pilotos suspendiam o astrolábio à altura da cintura e rodavam a medeclina até conseguirem que a luz do Sol passasse através dos dois orifícios e se projectasse no chão ou noutra superfície. No aro graduado mediam então a altura do Sol. Sugestivamente, chamava-se a este processo a «pesagem do Sol». Foi pesando o Sol com astrolábios náuticos que os marinheiros portugueses singraram pelo Atlântico, Índico e Pacífico.

Nuno Crato


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