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A primeira carta de Portugal continental
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Carta de Portugal de Fernando Álvaro Seco, na versão editada no Theatrum Orbis Terrarum de Abraham Ortelius, em Antuérpia, no ano de 1570.
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Primeira representação conhecida do conjunto do território continental português e hoje um verdadeiro ex-libris da Cartografia nacional, a carta de Fernando Álvaro Seco é um enigma para os estudiosos por não se saber com segurança quem a construiu e ainda como e quando foi realizada. Primeiramente impressa para servir de oferta diplomática, foi encomendada por Aquiles Estaço e destinada ao Cardeal Camareiro Guido Ascânio Sforza, aquando da embaixada a Roma para discutir as relações entre Portugal e a Santa Sé. A oração de obediência ao papa Pio IV do jovem rei D. Sebastião, proferida pelo próprio Aquiles Estaço em nome do embaixador, em 20 de Maio de 1560, tem levado a datar a carta desse ano. Pela dedicatória que nela consta também se lhe atribui a data de 1561.
A carta conheceu três primeiras edições, em escalas entre 1:1 200 000 e 1:750 000, todas elas executadas no estrangeiro. A mais antiga, conhecida por “edição de Roma” e com dedicatória de 20 de Maio de 1561, foi impressa na tipografia do veneziano Michaelis Tramezini e gravada por “Sebastianus a Regibus Clodiensis”. A segunda edição, a mais diferente das três e cuja dedicatória remete para 1560, realizou-se em Antuérpia em 1565, tendo sido gravada por João e Lucas de Deutecum e impressa por Gerard de Jode. Finalmente, a última, muito semelhante à de Roma e a mais difundida, foi incluída na primeira edição do atlas de Abraham Ortelius, Theatrum Orbis Terrarum, publicado em Antuérpia em 1570.
Se a primeira edição serviu de oferta diplomática, as duas últimas, flamengas, destinaram-se com certeza a um público mais vasto, embora culto. Foi sobretudo pelo sucesso do atlas de Ortelius, com múltiplas edições em várias línguas (mas nenhuma em português), que a carta de Álvaro Seco percorreu o Mundo, dando a conhecer o nosso país durante pelo menos um século. A sua enorme divulgação ficou também a dever-se ao facto de ter sido incluída, com mais ou menos modificações, em muitos outros atlas europeus depois de 1570. Nas múltiplas edições conhecidas, sobressaem identidades ou modificações, mais fortes nuns casos do que noutros, que parecem explicar-se pelo mercado: cópias integrais mais económicas ou, pelo contrário, fuga deliberada a produtos idênticos em firmas concorrentes, bem como aquisição de espólios de editores que desapareciam ou parentesco familiar entre eles. Talvez que a apetência do mundo culto desta época pelas cartas, mais do que à sua utilidade, desse valor à beleza das peças e prestígio a quem as possuía e coleccionava, e daí a correcção e o rigor não serem necessariamente os aspectos mais importantes.
Sobressaem nesta primeira representação de Portugal inúmeros lugares, reportados com os seus nomes, umas vezes indicados por pequenos círculos, pela sua menor importância, outras por figurações expressivas, no caso de cidades e sedes do poder político ou eclesiástico. Também se destacam inúmeros rios, nalgumas edições atravessados por pontes. O relevo, contudo, tem uma expressão ainda incipiente, como é norma na generalidade das cartas da época. A imagem de um país inserido na Península Ibérica, e não um Portugal-ilha, mesmo se a parte espanhola fronteiriça apresenta uma informação pobre e escassa, é outro aspecto a ressaltar. Por outro lado, a orientação da carta foge ao que é hoje habitual: talvez que olhando para esta imagem de Portugal, com a sua costa ocidental voltada para o topo da folha, Camões, o mais geógrafo dos poetas, tenha escrito em Os Lusíadas (1572; III, 20): “Eis aqui, quase cume da cabeça / De Europa toda, o Reino Lusitano, / Onde a terra acaba e o mar começa...”.
As distorções que a carta apresenta têm sido objecto de inúmeras hipóteses explicativas. A torção do território para Nordeste e os erros na localização dos lugares, quando já se conheciam valores de latitude de diversos locais de Portugal e do continente africano pelo menos desde meados do século XV, não são hoje fáceis de explicar. A comparação de algumas latitudes mostra diferenças inaceitáveis, caso os levantamentos tivessem sido apoiados em observações astronómicas. Mas a escala de latitudes, que surge colocada na margem da carta, foi possivelmente acrescentada ao desenho. Por outro lado, a torção para Nordeste, que afecta toda a carta, provoca ainda um alinhamento errado do Cabo Finisterra com o litoral norte de Portugal. Os erros levam a supor que o levantamento tenha sido efectuado por meios puramente geométricos, embora haja também quem coloque a hipótese de Portugal ter sido o primeiro país europeu a construir uma carta por processos mais rigorosos. Sugere-se até a eventual participação de Pedro Nunes nos levantamentos, nos anos 50 a 60 desse século, para alguns pouco provável pelos erros, ou ainda a utilização de técnicas idênticas às que Lavanha viria a descrever em 1610-11 (intersecções de direcções azimutais, apoiadas em determinações de latitudes).
Nada se conhece hoje de Álvaro Seco e pouco é ainda possível afiançar sobre as suas fontes. Não se sabe se terá sido ele quem recolheu as informações no terreno e concebeu a carta ou se a sua intervenção se teria apenas limitado a tarefas finais de compilação ou simplesmente de desenho, para uma versão de prestígio, a partir de uma carta manuscrita anterior ou de outras informações. Fortes indícios apontam, todavia, para que ela tenha integrado dados cartográficos muito anteriores e que o seu autor tenha tido um papel modesto. Discute-se a contribuição que possa ter tido o Códice de Hamburgo (ca. 1525-1536), uma lista de cerca de 1500 topónimos portugueses, com valores de latitude e longitude que se supõe terem sido determinados a partir de uma representação anterior. Discutem-se também as fortes semelhanças da carta de Álvaro Seco com a parte portuguesa do atlas do Escurial (ca. 1580), atlas este que reúne 21 folhas manuscritas de uma carta da Península Ibérica, 6 das quais representando Portugal de forma mais perfeita que a parte espanhola vizinha. Admite-se que todos possam ter derivado de uma mesma carta anterior manuscrita, remetendo-se esse protótipo para os princípios do século XVI ou mesmo para os finais do anterior. A existência de uma possível relação entre a realização da carta de Seco e a recolha dos dados do Numeramento de 1527-1532, que foi levado a cabo pelo governo central para recensear os moradores das comarcas portuguesas, tem sido também investigada. Haverá, porventura, ainda outras fontes, mais ou menos credíveis.
Muitas são, portanto, as hipóteses colocadas e estudadas, que apontam pistas, mas os enigmas desta primeira carta de Portugal mantêm-se.
Referências
COMISSÃO MUNICIPAL INFANTE 94; COMISSÃO NACIONAL PARA AS COMEMORAÇÕES DOS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES Cartografia impressa dos séculos XVI e XVII. Imagens de Portugal e ilhas atlânticas. Porto, 1994.
CORTESÃO, A.; MOTA, A. Teixeira da Portugaliae Monumenta Cartographica. Lisboa, 1960, vol. II (2ª ed., 1987).
DAVEAU, S. “A rede hidrográfica no mapa de Portugal de Fernando Álvaro Seco (1560)”. Finisterra, Revista Portuguesa de Geografia, XXXV (69), 2000, p. 11-38.
FERREIRA, A. et al. “O mais antigo mapa de Portugal”. Boletim do Centro de Estudos Geográficos, Coimbra, 1956, 12-13, p. 3-66; 1957, 14-15, p. 10-43.
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