Mário Silva (1901-1977)

Mário Augusto da Silva nasceu a 7 de Janeiro de 1901 em Coimbra, na freguesia de Almedina. Era filho de José Augusto da Silva, professor de instrução primária e director da Escola Oficial de Santa Cruz, e de Aureliana Augusta Pimenta da Silva. Aos nove anos, após a conclusão do ensino primário, entrou para o Colégio de São Pedro, onde fez os primeiros três anos do ensino secundário. Passou depois para o Liceu José Falcão. Desde muito novo que escrevia contos e poesia, e aos 14 anos começou a colaborar no jornal O Dever, de Montemor-o-Velho, escrevendo contos, reportagens de congressos

pedagógicos, descrições de passeios e visitas, e versos. Os seus melhores resultados escolares verificavam-se em Matemática e Físico-Química. Quando estava no sexto ano decidiu dedicar-se mais ao estudo da Física e, como o ensino no Liceu era quase exclusivamente teórico, inscreveu-se num curso nocturno experimental de mecânica e electricidade, dirigido pelo professor da Universidade e director da Escola Brotero, Francisco Martins de Sousa Nazareth. Acabou o Liceu com dezasseis anos

de idade, com a classificação final de 19 valores. Concluído também o curso experimental na Escola Brotero, foi convidado pelo professor Francisco Nazareth para ser seu assistente.

 

Matriculou-se em 1917 na Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, onde fez todas as cadeiras do grupo de Física nos dois primeiros anos. Concluiu a licenciatura em 1922 com a classificação final de 19 valores. Passou então a segundo assistente e em 1924 a primeiro assistente. Em 1920 tinha fundado com Guilherme Barros e Cunha, formado em Farmácia, a Sociedade Académica de Estudos dos Alunos da Faculdade de Ciências, que promoveu conferências e cursos científicos. No ano lectivo de 1923-1924 apresentou à Universidade, em conjunto com o António Gomes de Almeida, um projecto de saída para o estrangeiro, requerendo apoio da Universidade. Este projecto foi autorizado e Mário Silva escolheu Paris como seu destino.

Entretanto continuou a colaborar com jornais, publicando na Gazeta de Coimbra, e n’A Cidade. Neste último publicou uma série de artigos de carácter científico e filosófico-científico, como por exemplo “A origem da vida”. Estes textos causaram polémica e foram muito criticados pelo Centro Académico de Democracia Cristã, associação católica a que pertenciam Oliveira Salazar (1889-1970), Manuel Gonçalves Cerejeira (1888-1977) e Ferrand de Almeida. Mário Silva era acusado de ofender a consciência dos católicos por não fazer referência à origem divina da vida e foi aconselhado a acabar com a publicação destes artigos. A partir daqui desenvolveu-se uma grande animosidade por parte de Salazar em relação a Mário Silva, o que veio a prejudicar a carreira académica deste último.

 

Chegou a Paris em Setembro de 1925 onde se encontrou com Afonso Costa (1871-1937), para quem levava uma carta de recomendação. Por intermédio de Afonso Costa, foi convidado para sócio da Société de Chimie-Physique em 1925 e da Société Française de Physique em 1926. Ainda através de Afonso Costa conheceu em Paris o General Norton de Matos (1867-1955), António Sérgio (1883-1969) e a escritora Virgínia Lopes de Almeida. Dirigiu-se ao Instituto de Rádio onde foi recebido pela Madame Curie (1867-1934). a quem apresentou o seu projecto de preparação de uma tese de doutoramento. Não sendo então possível matricular-se na Universidade Paris por terem terminado as inscrições sem que a Universidade de Coimbra tivesse feito o pedido apropriado, Madame Curie convidou Mário Silva a trabalhar no seu laboratório pessoal. Neste laboratório desenvolveu diversos trabalhos de investigações e preparou a sua tese de doutoramento que defendeu em 1929.

 

Em 1929 regressou a Coimbra, depois de a Universidade não lhe ter dado autorização para continuar o seu trabalho de investigação em Paris, retomando as funções de 1º assistente. Passou professor auxiliar em Maio de 1929 e requereu a equivalência do doutoramento para concurso a Professor catedrático, que lhe foi concedida. Aberto concurso para Professor Catedrático em 1931, Mário Silva foi o único concorrente, apresentando a tese Sobre dois métodos de determinação da probabilidade h de Thompson.

Mário Silva só voltaria a Paris em 1931 para assistir ao Congresso Internacional de Electricidade e mais tarde em 1950 e em 1967 no centenário de Madame Curie, a convite do governo francês. Durante a 2ª guerra mundial os meios democráticos de oposição ao regime de Salazar intensificaram a sua actuação de modo a tentar desenvolver movimentos mais amplos de transformação política. Foi neste contexto que Mário Silva começou a desenvolver uma actuação política. Integrou o comité nacional do Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista (MUNAF.) como representante de Coimbra e os comités regionais. Juntamente com José de Magalhães Godinho (1909-1994), Bento de Jesus Caraça (1901-1948), Manuel Mendes e outros, fez parte da Comissão Executiva do MUNAF, responsável pelo Movimento, a convite de Bento de Jesus Caraça. Foi a partir do MUNAF que nasceu o Movimento de Unidade Democrática (MUD). Quando surgiu o MUD, Mário Silva foi membro da Comissão Distrital de Coimbra. Mais tarde integrou também a Acção Democrática Social (ADS) como membro da Comissão Distrital de Coimbra.

 

A actividade do MUNAF era clandestina e quando, por denúncia, foram presos muitos dos seus membros, também Mário Silva foi preso. Em Agosto de 1946 foi preso pela PIDE, polícia política do estado, e esteve dois meses preso no Porto. Em Junho de 1947 foi aposentado compulsivamente, ficando sem ordenado. Ainda neste ano esteve em prisão domiciliária durante três semanas. Passou a dar explicações de Física, a pedido de antigos alunos seus. Para subsistir e garantir a continuação dos estudos dos seus cinco filhos, começou a vender vinho espumante das Caves Vice-rei da Anadia. Mais tarde, em finais de 1947, obteve um emprego na Philips como conselheiro científico, cargo que ocupou até 1966 quando se aposentou com 65 anos. Após a sua aposentação, leccionou dois cursos de explicações. Um de Mecânica Física e outro de Física Complementar. Este curso chegou a ter cerca de 200 alunos.

Só em Fevereiro de 1976, quase dois anos após o 25 de Abril de 1974, foi reintegrado como Professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra. Entretanto, em 1971, tinha sido nomeado Presidente da Comissão de Planeamento do Museu Nacional da Ciência e da Técnica pelo ministro Veiga Simão. Este era um projecto que Mário Silva vinha tentando concretizar de desde os anos 20. Embora em funcionamento, o Museu viveu alguns anos sem ser legalmente concretizado, por falta de publicação do respectivo decreto-lei. Só em 1976 saiu o decreto que formalizou e concretizou o projecto que o Prof. Mário Silva vinha desenvolvendo na prática desde 1971. O Museu Nacional da Ciência e da Técnica  foi inaugurado em Coimbra em 5 de Junho de 1976. Em Julho Mário Silva foi nomeado Director do Museu.

Faleceu em 13 de Julho de 1977.

 

 

 

Actividade Científica

 

Em Paris foi convidado por Madame Curie a trabalhar no seu laboratório pessoal para trabalhar com o seu assistente Marcel Laporte na parte experimental das suas lições. Para além de Laporte, trabalhavam no Laboratório Irene Curie (1897-1956) e Fréderic Joliot (1900-1958), que entrou ao mesmo tempo que Mário Silva.. Em virtude da sua preparação deficiente em Física e Matemática para o alto grau de especialização em que tinha que trabalhar, inscreveu-se na Sorbonne e no Collège de France em cursos de Física e de Matemática, onde foram seus professores nomes como Jean Bequerel (1878-1953), Paul Langevin (1872-1942), Gousat, Borel (1871-1956) e Hadamart. Assistiu ao primeiro curso de Mecânica Ondulatória de Louis de Broglie (1892-1987)na Sorbonne e aos cursos de Madame Curie e de André Debierne (1874-1949), subdirector do Laboratório Curie.

 

Em 1926 publicou o seu primeiro trabalho, em colaboração com Laporte, a comunicão à Academia de Ciências de Paris, Mobilité des ions négatifs et courants d’ionisation dans l’argon pur, que foi apresentada por Jean Perrin (1870-1942). Foi a partir deste trabalho que veio depois a realizar a sua dissertação de doutoramento sobre a electroafinidade dos gases. Sob orientação de Madame Curie, Mário Silva verificou que o valor até então indicado nos livros sobre o período de várias substâncias não era correcto, como acontecia com o polónio. Em 1927 publicou o texto Sur une nouvelle determination de laperiode du Polonium. Também em 1927 publicou o trabalho Sur la déformation de la courbe d’ionisation dans l’argon pur par addition d’oxygene. Em 1928 são publicados mais dois trabalhos, Sur laffinité de l’oxygène pour les électrons, e Electrons et ions positifs dans l’argon pour.. A partir do ano lectivo 1926-1927 Mário Silva substituiu Marcel Laporte como assistente das lições de Madame Curie apresentando a parte prática das lições no anfiteatro. Até voltar para Coimbra, Mário Silva fez sempre as demonstrações práticas das lições de Madame Curie, havendo demonstrações práticas em todas as lições. A sua dissertação de doutoramento intitulou-se Recherches expérimentales sur l’électroaffinité des gaz e foi orientada por Madame Curie e apresentado na Sorbonne. O júri foi constituído por Madame Curie, Debierne e Jean Perrin. A dissertação foi publicada, a pedido de Madame Curie nos Annales de Physique, X série, tomo XII, de Setembro de 1929. No Instituo do Rádio conheceu pessoalmente Einstein (1879-1955) e Niels Bohr (1885-1962), que frequentavam o Laboratório.

 

Por proposta de Madame Curie foram atribuídas a Mário Silva pela Faculdade de Ciências da Universidade de Paris várias bolsas da Fundação Arconati-Visconti.

Madame Curie pediu à Universidade de Coimbra para que o Dr. Mário Silva continuasse a trabalhar no Laboratório Curie onde estavam a decorrer trabalhos relativos à fissão atómica e à libertação da energia atómica. Em resposta a Universidade de Coimbra considerou ser necessário que Mário Silva voltasse para Coimbra para retomar as suas funções docentes. Mário Silva voltou então para Coimbra, com a esperança de criar o primeiro Instituo do Rádio português em Coimbra.

Em 1939 foi eleito sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa. Tentou em vão criar um Instituo do Rádio em Coimbra, mas nunca teve apoios. A partir de 1942 organizou, no Laboratório de Física da Universidade de Coimbra, um Curso de Filosofia da Ciência, subordinado à temática “Introductio Physique et Philosophique à la Théorie des Quanta”. Em 1940, aproveitando a estadia em Coimbra de alguns dos melhores cientistas de então, fugidos à segunda guerra mundial teve a ideia de criar uma Escola de Física Nuclear. Estavam em Coimbra os físicos Sergio de Benedetti, Guido Beck e A Proca. Todos tinham trabalhado no Instituto do Rádio em Paris. Mário Silva propô-los para professores da Universidade de Coimbra, mas a proposta não foi aceite.

A polícia política expulsou Benedetti e Guido Beck, que chegou a estar preso por ser refugiado de guerra. Benedetti seguiu para os Estados Unidos onde se notabilizou como professor e investigador no Carnegie Institute of Technology. Beck foi para a Universidade de Córdoba, na Argentina. Proca regressou a Paris.

 

Com o apoio do Prof. Álvaro de Matos elaborou um projecto de criação do Instituto do Rádio que apresentou ao Governador Civil de Coimbra que por sua vez os encaminhou para o Ministro das Finanças da época, Sinel de Cordes. Foi deferida uma verba e 600 contos, com a qual se fizeram obras no rés-do-chão do Laboratório de Física e se adquiriram alguns materiais para as secções de Física e Medicina.

Quando soube da notícia, Madame Curie prontificou-se a estar presente em Coimbra quando o Instituto fosse inaugurado. Em 1931 o Instituto estava instalado e pronto a funcionar. Havia quatro salas, uma com aparelhagem de diagnóstico por raios X noutra sala uma aparelhagem de terapia por Raios X. As outras duas salas serviriam para aplicação dos sais de rádio e da emanação do rádio.

O decreto-lei de criação do Instituto do Rádio de Coimbra que criaria os quadros de pessoal técnico e auxiliar nunca foi publicado e pouco depois surgiu o Instituto de Rádio de Lisboa, pelo que o Instituto planeado e preparado por Mário Silva nunca chegou a funcionar. Outro projecto de Mário Silva foi a criação da Emissora Universitária de Coimbra que chegou a ter emissões, com recurso aos geradores não utilizados do instituto do Rádio, mas não foi autorizada pelo governo que proibiu a sua actividade.

 

Em meados dos anos 30 Mário Silva dedicou-se à reconstrução do Museu pombalino de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra. Recuperou muitos dos equipamentos, e em 1938 apresentou à Academia das Ciências uma comunicação sobre os trabalhos efectuados: Um novo Museu em Coimbra: o Museu pombalino de Física da Faculdade de Ciências da Universidade. Dedicou-se a este trabalho até ser afastado da Universidade de Coimbra, em 1947. O Museu esteve fechado durante décadas, até ser reaberto em 1997.

 

 

Publicações

 

Mobilité des ions négatifs et courants d’ionisation dans l’argon pur, 1926. [em colaboração com Marcel Laporte]

Sur une nouvelle détermination de la periode du polonium, 1927.

Sur l’affinité de l’oxygène pour les electrons, 1928.

Electrons et ions positifs dans l’argon pour, 1928.

La radioactivité des gaz spontanés de la source de Luso, 1930.

Sur une méthode de détermination de la vie moyenne d’un ion négatif, 1931.

Sobre dois métodos de determinação da probabilidade h de Thompson, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1931.

Lições de Física para uso dos alunos do curso de preparatórios médicos da Faculdade de Ciências de Coimbra, 1932.

Sur la charge électrique du recuel radioactif, 1933.

L’ionisation dans l’hydrogène très pur, 1933.

Lições de Física, Coimbra, Imprensa Académica, 1940.

Lições de Física – Campo electrostático e magnético no vazio, 3ª parte do I Livro, 1940.

Lições de Física – Campo electromagnético estacionário, 3ª parte do I Livro, 1942.

Algumas considerações sobre: A forma complexa das leis de Kirchhoff aplicável aos circuitos, em corrente alterada, Coimbra, Tip. Atlantida, 1942.

Le champ electromagnétique variable, 1942. (em colaboração com Guido Beck]

Mecânica Física (princípios fundamentais) (Newton-Einstein) vol. I, Editorial Saber, Coimbra, Coimbra Editora 1945.

Teoria do Campo Electromagnético(Maxwell-Lorentz-Einstein), vol. 1, Coimbra, Coimbra Editora 1945.

Teoria do Campo Electromagnético (Coulomb-Oersted-Ampère), vol. 2, Coimbra, Coimbra Editora 1947.

Teoria do Campo Electromagnético (Faraday-Steinmetz-Hertz), 1947.

Importância das Novas Técnicas Radiológicas para Diminuir o Perigo das Radiações, 1958.

Niels Bohr, um cientista da era atómica / Mário Augusto da Silva .- Lisboa, 1964, Sep. Seara Nova, 42.

Problemas resolvidos de Física Geral, Cálculo Vectorial e Cinemática, 1967.

Curso Complementar de Física, vol. I, 1967.

Curso Complementar de Física, Vol. II, 1967.

SILVA, Mário A. da Silva, Elogio da Ciência, Coimbra, Coimbra Editora, 1971.

Publicou ainda diversos textos literários, artigos, contos, versos, ensaios, bem como traduções de algumas obras científicas no domínio da Matemática e da Física.

Fernando Reis



Bibliografia

CAETANO, Eduardo, Mário Silva, Professor e Democrata, Coimbra, Coimbra Editora, 1977.

SILVA, Mário A. da Silva, Elogio da Ciência, Coimbra, Coimbra Editora, 1971.

Trincão, Paulo Renato e Ribeiro, Nuno Gomes (coordenadores), Mário Silva: Uma Fotobiografia, Coimbra, Instituto de História da Ciência e da Técnica/Museu Nacional de Ciência e da Técnica, 2001

Apontadores

Homenagem ao Prof. Mário Silva
Museu Pombalino de Física da Faculdade de Ciências de Coimbra – Mário A. Silva
Mário Silva
Museu de Física da Universidade de Coimbra


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