D. João de Castro (1500-1548)

Filho de D. Álvaro de Castro, governador da Casa do Cível e vedor da Fazenda, e de Leonor de Noronha, cresceu no ambiente familiar e cultural da corte, tendo sido amigo e discípulo de Pedro Nunes. Iniciou a sua carreira militar em Tânger em 1518, onde esteve até regressar a Portugal em 1527. Uma vez na corte travou relações de amizade com o infante D. Luís, filho do rei D. Manuel I. Em 1535 participou na expedição de D. Carlos V a Tunes, regressando em seguida à sua Quinta da Fonte d'El-Rei, em Sintr
a. Em 1538 partiu na sua primeira viagem à Índia em 1538, acompanhando o cunhado, o vice-rei D. Garcia de Noronha. Regressou a Portugal em 1542, tendo partido de novo para a Índia em 1545, desta vez como governador, passando depois a vice-rei.

Segundo Cortesão e Albuquerque, na introdução às Obras Completas de João de Castro, o Tratado da Sphaera por Perguntas e Respostas e Da Geographia, são, cronologicamente, os primeiros textos com interesse para a história da náutica de D. João de Castro, sendo o primeiro, muito provavelmente, de uma data anterior a 1538. O Tratado da Sphaera por Perguntas e Respostas a Modo de Diálogo, constitui uma introdução à astronomia náutica utilizando como ponto de partida o Tratado da Esfera de Sacrobosco, do século XIII. Neste tratado, João de Castro revelou os princípios que norteavam o seu pensamento filosófico, aliando a teoria à prática e demonstrando como os sentidos podem identificar as aparências com a realidade, não permitindo uma apreensão correcta do mundo físico, para o que seria necessário recorrer aos cálculos da matemática e ao auxílio dos instrumentos de medida. Nesta obra, o mestre responde assim ao discípulo quando este se interroga sobre a razão "que nega o que se vê com os olhos". "É necessário aqui o sentido obedecer ao entendimento, e como cego deixar-se guiar por ele, porque certo está que em muitas coisas nos enganaram os sentidos, se não fossem guiados e examinados pelo entendimento. Julgando somente pelo sentido, todos julgaríamos que o sol é pouco mais ou menos como uma roda de carro, e estas estrelas como umas laranjas, e ficaríamos nisso muito enganados, pois o entendimento tem demonstrado, e está nisso convencido, ser o sol e muitas estrelas muitas vezes maiores que toda a terra. Engana-se a cada passo o sentido dos brutos com as semelhanças das coisas, tendo-as por verdadeiras porque não é ajudado de algum entendimento;(...)" (Castro, 1968-1981, vol. I, 54-55).

Da Geographia por modo de Dialogo, é uma obra com preocupações didácticas, que ficou incompleta, onde o autor dá as definições de Geografia e de Cosmografia.


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Porto de Diu no Roteiro de Goa a Diu, de D. João de Castro.

Para além destas duas obras, merecem destaque três roteiros que escreveu enquanto esteve na Índia: Roteiro da viagem que D. João de Castro fez a primeira vez que foi à India, no ano de 1538, mais conhecido por Roteiro de Lisboa a Goa (1538), Roteiro de Goa a Diu (1538-1539), e Roteiro do Mar Roxo (1540). O primeiro inclui o registo da viagem de D. João de Castro à Índia, com notações das alturas do Sol, e determinação de rotas, com explicação das causas dos erros nas representações cartográficas da distância entre a costa do Brasil e o Cabo da Boa Esperança. Inclui ainda esboços cartográficos e plantas hidrográficas de vários lugares por onde D. João de Castro passou e que descreve no texto. O Roteiro de Goa a Diu inclui também esboços e plantas relativos a diversos lugares, rios, baías e portos descritos no texto. O Roteiro do Mar Roxo, ou Roteiro que fez Dom Joam de Castro da Viagem que Fezeram os portugueses Desda India atee Soez, é a obra mais conhecida de D. João de Castro, tendo sido traduzida em diversas línguas, ao longo dos séculos XVII e XVIII, nomeadamente em latim, inglês, francês e holandês. Inclui diversas tábuas e esboços topográficos, que ilustram as descrições geográficas do texto.

Estes roteiros, tal como toda a obra náutica e oceanográfica de D. João de Castro ficaram inéditos em Portugal até aos séculos XIX e XX, com a excepção do Roteiro do Mar Roxo que foi divulgado nos séculos XVII e XVIII através de diversas traduções, como acima foi descrito.

Sobre as características destes roteiros merece transcrição a explicação que sobre eles dão Cortesão e Albuquerque. "Os Roteiros de D. João de Castro não respeitam o modelo tradicional do (roteiro) português; de facto, o seu autor alonga-se neles por extensos comentários de inegável interesse hidrográfico e náutico, com muitos pormenores que os roteiristas, preocupados em descrever sucintamente uma viagem, por via de regra omitiam. Assim, as três obras de Castro tradicionalmente apontadas como (roteiros), seriam mais apropriadamente designadas por diários, (...)." (Vol. IV, Apêndice VI, pp. 429-431)

D. João de Castro escreveu ainda Uma Enformação que Dom João de Castro, governador da India, mandou a El-Rey Dom João 3º, sobre as demarcações da sua conquista & del Rey de Castella, que consiste num relatório sobre o direito português à posse das Molucas, direito então disputado por Espanha.

Fernando Reis

Bibliografia

BARRETO, Luís Filipe, "Castro, D. João", in ALBUQUERQUE, Luís de, Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, vol. I.
CORTESÃO, Armando; ALBUQUERQUE, Luís de; Obras Completas de D. João de Castro, Coimbra, Academia Internacional da Cultura Portuguesa, 1968-1982, 4 vols. [edição crítica].
MENDES, António Rosa, "A Vida Cultural", in MATTOSO, José, História de Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993, 3º vol. 393-397.
SANCEAU, Elaine, "Castro, D. João de", in SERRÃO, Joel, Dicionário de História de Portugal, Porto, Figueirinhas, 1986, vol. II.

Apontadores

D. João de Castro - Filosofia Portuguesa


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