João Jacinto de Magalhães (1722-1790)

Pêndula com assinatura de João Jacinto de Magalhães existente no Museu da Física da Universidade de Coimbra

imagem retirada da página do Museu da Física da UC]

Máquina de Atwood existente no Museu da Física da Univerisdade de Coimbra e enviada por João Jacinto de Magalhães

[imagem retirada da página do Museu da Física da UC]

Físico, químico e projectista de instrumentos, nascido em Aveiro. Tendo começado os seus estudos aos 11 anos, entrou no Colégio da Sapiência em Coimbra, pertencente à Congregação dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho. A esta congregação pertencia também o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, onde se localizava a mais famosa biblioteca portuguesa existente desde a Idade Média. Aí estudou Humanidades, Grego e Latim. Em 1743 tornou-se monge desta congregação e professou com o nome de Frei João da Nossa Senhora do Desterro. Em 1751 tornou-se cónego. Em 1753, em virtude do conhecimento de Magalhães das ciências físicas, foi escolhido para guia do oficial da marinha francesa Gabriel de Bory, quando este visitou Coimbra. Este oficial veio a Portugal para observar o eclipse total do Sol que era esperado ocorrer a 26 de Outubro, em Aveiro, a fim de determinar a longitude desta cidade. Estas observações permitiram reconhecer erros nos cálculos existentes relativamente à determinação da longitude de Aveiro. Em 1754 Magalhães pediu ao Papa Bento XIV autorização para abandonar o mosteiro a fim de fazer uma "viagem filosófica". Antes de deixar o país testemunhou o terramoto que destruiu Lisboa a 1 de Novembro de 1755.

Partiu para França entre 1756 e 1758. Em Paris conheceu Ribeiro Sanches (1699-1783) que se veio a tornar seu amigo para toda a vida. Para sobreviver publicou alguns livros e traduções. Através de Ribeiro Sanches conheceu alguns dos filósofos mais ilustres da época, passando a conhecer em profundidade os ideais do movimento iluminista. Começou também a aprofundar os seus conhecimentos em Astronomia.

Em 1762 regressou a Portugal, tendo voltado a viajar em 1763, ano em que chegou a Londres, onde fixou residência. Aqui contactou com Emanuel Mendes da Costa (1717-1791), bibliotecário e intendente da Royal Society. A partir de Londres viajava com frequência para França e Holanda, tendo-se cruzado com alguns dos mais conhecidos filósofos de então, como por exemplo Alessandro Volta (1745-1827), Lavoisier (1743-1794), Benjamin Franklin (1706-1790) e L. Euler (1707-1783), entre outros.
Não voltou mais a Portugal, mantendo contactos com algumas insituições portuguesas como a Academia das Ciências de Lisboa, a Universidade de Coimbra e com o Governo português a propósito dos pedidos de envio para Portugal de instrumentos científicos que lhe foram feitos.

Obras

Description des Octants et Sextants Anglois ou Quarts de Cercle a Reflection avec la maniere de se servir de ces instruments, pour prendre toutes sortes de Distances angulares, tant sur Mer que sur Terre (...),Paris, 1775; Description d'un appareil en verre pour composer des aux minérales artificialles. Londres, 1777; Description des nouveaux instrumens circulaires à reflection, pour observer avec plus de precision des distances angulaires. Londres, 1779; Description et usages des instrumens d'astronomie et de physique, faits à Londres par ordre de la cour de Portugal en 1778. Adressée dans une lettre á son excellence M. Louis Pinto de Sousa Coutinho, envoyé extraordinaire à la cour de Londres, etc. Londres, 1779; Description et usages des nouveaux barometres pour mesurer la hauteur des montagnes, et la profundeur des mines. Londres, 1779; Description et usages des nouveaux baromètres pour mesurer la hauteur des montagnes et la profondeur des mines. Londres, 1779; Essai sur la nouvelle theorie du feu elementaire, et de la chaleur des corps: avec la description des nouveaux thermometres. Londres, 1780; Notice des instrumens d'astronomie, de geodesie, de physique.... par ordre de la cour d'Espagne. Londres, 1780; Description of a Glass apparatus for making in a few minutes the best mineral Waters of Pyrmont, Spa, London, 1783 Collection de différents traités sur les instruments d'astronomie et de physique. Paris e Londres, 1775 e 1780; Description d'une Machine Nouvelle de Dynamique Inventée par Mr. G. Atwood, (...), Londres, 1780 ; Nouvelle construction d'alambic pour faire toute sorte de distillation en grand. (...), 1781.

Principais contributos científicos

A sua reputação nos meios científicos europeus foi aumentando de tal modo que trocou correspondência com inúmeros cientistas, nomeadamente com os astrónomos Charles Messier (1730-1817), Bochard de Saron (1730-1794), Joseph-Jérôme de Lalande (1732-1807), Pierre Méchain (1744-1804) Nevil Maskelyne (1732-1811), N. Pigott (?-1804) e Thomas Hornsby (1733-1810). Produziu diversas comunicações sobre Astronomia relativas à divulgação de resultados de observações que lhe eram transmitidos, à divulgação de fenómenos e a informações sobre instrumentos ópticos. Eram-lhe encomendados com frequência instrumentos como lentes, telescópios, máquinas paralácticas, relógios astronómicos, micrómetros, e ele próprio supervisionava a concepção e construção desses instrumentos junto de construtores reconhecidos, como Dollond e Ramselen. Também enviava periódicos, tabelas logarítmicas e cartas para apoio das observações. Em 1772 foi nomeado pelo Board of Navigation para verificar as agulhas de marear dos navios ingleses, tendo ficado a par das técnicas mais avançadas de magnetização de agulhas da época.
Muito conhecido como projectista de instrumentos, agia também como disseminador das mais recentes inovações técnicas e científicas. Publicou muitos artigos em periódicos sobre asssuntos como a Astronomia, a Medicina, a Física e a Química. Teve um papel muito importante na comunicação científica do seu tempo, estabelecendo uma autêntica rede de correspondentes em toda a Europa. Foi membro de diversas Academias como a Royal Society, a Académie Royale des Sciencies de Paris, Academia de S. Petersburgo, Academia Real das Ciências de Lisboa, Academia de Madrid, Académie Royale des Sciences, des Lettres et des Beaux-Arts em Bruxelas, American Philosophical Society em Filadélfia, a Royal Society of Arts, entre outras. Em 1780 fundou, com Richard Kirwan (1733 - 1812) e Adair Crawford (1748-1795), uma pequena sociedade filosófica, a "Chapter Coffee House Society", onde se pretendia discutir temas de Física e Química. Publicou artigos em diversos periódicos científicos como as Philosophical Transactions da Royal Society e o Journal de Physique de Rozier. É reconhecida a importância do seu papel enquanto divulgador dos instrumentos científicos ingleses e do trabalho de Joseph Priestley junto da comunidade científica francesa, num momento chave para o desenvolvimento da Química pneumática.

Enquanto instrumentista propôs alterações e melhoramentos em instrumentos de observação astronómica e náutica como os quartos de círculo (sextantes e octantes ingleses), no círculo de reflexão, no sextante e no relógio de pêndula. Quanto aos instrumentos meteorológicos, propôs melhoramentos em barómetros, termómetros e apresentou um meteorógrafo. Quanto a instrumentos físicos, são de destacar os seus aperfeiçoamentos nas máquinas de Atwood e na balança de precisão, muito importante para os avanços da ciência Química.

Aceitou encomendas de instrumentos científicos para os governos português, espanhol, francês e prussiano. Para Portugal enviou instrumentos que foram usados para a resolução do problema das fronteiras do Brasil entre Portugal e Espanha e ainda para diversas instituições, tais como a Universidade de Coimbra, a Companhia de Guardas-Marinha, a Casa Pia e o Colégio Real de Mafra. Ainda existem alguns destes instrumentos em Portugal, nomeadamente no Museu da Física da Univesidade de Coimbra e no Observatório Astronómico de Coimbra. Também é possível encontrar alguns instrumentos assinados por Magalhães em diversos museus e bibliotecas europeias.

Em 1785 Magalhães propôs numa carta à American Philosophical Society a instituição de um prémio científico destinado à melhor descoberta ou desenvolvimento útil nas áreas da Navegação e da Filosofia Natural. O fundador e então presidente da Sociedade, Benjamin Franklin, agradeceu e aceitou a proposta. Desde 1790 até 2000 foram atribuídos 32 prémios com o nome de Magalhães: The Magellanic Premium.

Fernando Reis

Apontadores

Museu da Física da Universidade de Coimbra

American Philosophical Society - America's First Scientific Award

Bibliografia

CARVALHO, Rómulo de, A Física Experimental em Portugal, Lisboa, ICLP, 1982.
CARVALHO, Rómulo de, "Magalhães, João Jacinto de (1722-1790)", in SERRÃO, Joel, Dicionário de História de Portugal, Porto, Liv. Figueirinhas, 1981, Vol. IV, p. 138.
CARVALHO, Rómulo de, A Astronomia em Portugal no século XVIII, Lisboa, ICLP, 1985.
Conference on Physical Sciences in the XVIII Century, João Jacinto de Magalhães John Hyacinth de Magellan, Coimbra, Universidade de Coimbra - Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.
MALAQUIAS, Isabel, A Obra de João Jacinto de Magalhães no Contexto da Ciência do Século XVIII, Aveiro, 1994, [Tese de Doutoramento - Texto policopiado].
MALPIQUE, Cruz, "Joäo Jacinto de Magalhäes, natural de Aveiro sócio da Academia das Ciências de Paris e da Real Sociedade de Londres", Sep. Arq. Distrito Aveiro, Aveiro,1971, 37.
SILVA, Inocencio da, ARANHA, Brito, Diccionario Bibliographico Portuguez, Lisboa, Imprensa Nacional, T. III, pp. 385-386.
VILAS-BOAS, Manuel, João Jacinto de Magalhães: um empreendedor científico na Europa do século XVIII, Aveiro, Fund. João Jacinto de Magalhães, 2000.


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