Eu moro no prédio onde trabalho e amo os banheiros. Mas odeio mictório. Eu não mijo em mictório. Nunca. Não quero ser punido pela intransigência de alguns projetistas-de-banheiro (ou seja lá qual for o nome que se dá a quem pensa nos banheiros) que os decidiram pendurar perto dos boxes dotados de latrinas. Já é uma estupidez colocá-los próximos, quem irá resistir ao costume de mijar na privada tal como no lar? Eu, eu sempre mijo nos mictórios e conheço muita gente que o faz. Muito bem, espertinho. Continue a fazê-lo, você e seus amigos. Pratiquem a infâmia de mijar naquele que já foi obra de arte e esqueça-se, como todos os ineptos, de abrir um pouco aquela torneirinha que está logo acima de sua barriga. É, a torneirinha responsável por dissipar o fedor de sua urina alaranjada.
Não quero e não vou ser punido por mijar nos mictórios porque simplesmente não o faço e não o farei. O motivo? O motivo, já disse: amo os banheiros e odeio os mictórios. E isso me dá um pretexto para me estender e continuar a falar neste tonzinho irritante. Pois eis que o motivo está em todos vocês, mijadores de mictórios. Vocês que nasceram com salitre nos pés, vocês que comeram feijão, vocês que herdaram genes que interagiram com o ambiente e resultaram em vocês mijadores de mictórios. Respondam-me então: vocês conhecem, refiro-me aos que nasceram nas proximidades do início dos anos 80, um jogo de PC 386 (aquela máquina que o vizinho bem-dotado ostentava orgulhosamente diante de nossos olhinhos maravilhados pela tela verde e preta, o monitor CGA, quando éramos pivetes) que consistia num simples desafio de destruir o canhão do oponente por meio de um tiro que era direcionado por uma coordenada x, y dada pelo jogador? Aquele em que se olhava com expectativa se a parábola finalizaria bem em cima do quadradinho branco do oponente? Não? Bem, mesmo assim você pode imaginar como era o jogo. Pois então, é mais ou menos assim que se mija num mictório quando se é como eu e os muitos eus que precisam mijar durante o expediente pelo saldo positivo de cada mês. É, graças a vocês, que nós desenhamos uma bela parábola líquida quando não há mais remédio que mijar no mictório. Nós, que no decorrer da infância e a adolescência não acumulamos mais de um metro e sessenta centímetros. Graças a vocês que perpetuam o uso do maldito mictório, mijando desenfreadamente, sem sequer pensar na dimensão do ato. É graças ao vosso costume doentio que os projetistas-de-banheiro, no exercício de seu labor pensam: Duas privadas, pois poucos cagam fora de casa, e quatro mictórios, pois uma mijadinha todo mundo precisa dar. E lá vai o pedreiro fixar quatro mictórios e duas latrinas, para que vocês mijem tranqüilos e nós, quando há dois infelizes que sim cagam fora de casa, façamos nossa boa e velha parábola e destruamos o canhão oponente com uma explosão de pirotecnia tal que, com graça, os fragmentos do oponente vêm a pousar sob o tecido de nossas calças e camisas. É isso aí! Mijar em mictório respinga até na cara, não na de vocês, ó altos mijadores, mas na nossa, os baixos, que vestimos P, no máximo M. E para nossa alegria, em muitos mictórios sequer há a famosa torneirinha, pois esta foi retirada em vista do gasto de água que decorre de sua apertura e constante fluxo. Sim! Além de saborearmos nosso próprio mijo também o fazemos com o vosso, afirmo, delicioso sumo!!!!
Por isso tudo, que pode parecer pouco, eu não mijo em mictório. Não. Eles fazem dos banheiros, que tanto adoro, um nojo. Para mim, desde que conheci Duchamp, mictório é decoração, objeto de gozo estético. Algo para se admirar enquanto sobe-se o zíper depois de uma boa, segura e irrespingada mijada na privada do querido banheiro da vez.
|