Kapapa Pássaros e Peixes JWX$.À.À BOOKMOBIÿÿÿ~ ž (ž 8ž Hž Xž hž xž ˆž ˜ž ¨ž ›- MOBI ýéZB–
Kapapa “Pássaros e Peixes”
José Luandino Vieira
Esta narrativa fez parte do romance, Águas-do-Mar, o Guerrilheiro, inédito por incineração.
© 1998, José Luandino Vieira e Parque EXPO 98. S.A.
ISBN 972-8396-43-0
Lisboa, Maio de 1998
Versão para dispositivos móveis:
2009, Instituto Camões, I.P.
***
KAPAPA
A VERA V.
Kapapa, meu nome de agora e sempre – eu, e meus peixes. Isto era: ele. Porque chegou a hora de emboscar aquele medo da manhã de fevereiro que eu tinha de ir quebrar as algemas de meu remo, procurar sereia ou peixe-mulher, fugir na mata.
Acordei o dia, o ano era de sessenta-e-cinco, um céu azul demais, meu coração embranqueceu. Verifiquei os largos pés do Kapapa, o pescador, as asas da arraia do nome que me nasceram naquelas águas, e vi a minha enorme sombra escorrer como um rio para dentro da maré. A cor do céu faiscava, o sol era branco -empurrei a canoa; eu tinha de ir dar encontro o que o sonho tinha falado, o que andava dormir no meu coração. E levantei o remo emendado de duas metades, meti o punho dele no dormente do fundo, mestre Zé-Nogueira tinha-lhe pregado lá para eu poder embora içar vela. Era meu mastro, de ir nos fundões, nas pedras. Encaixei-lhe bem; levantei, a pá vi lhe enegrecer, arder no sol por cima dos morros vermelhos, longe, para onde que assentava a cidade. Mas estiquei firme, dei amarração de cegos e corridos, nós nos brandais de mateba bem entrançalhada. Vela, os sacos-de-açúcar emendados cosidos, sem testa nem valuma, redonda; pau caranguejo e seu moitão de madeira de mufuma; adriças e escotas de sisai -leme nada, só meu pau de ximbicar, um bordão das margens de lagoa, no Kalumbu tinha comprado por troca de peixe meia-cura. E senti o sal no ar ia começar a se endoçar, as ondas arrefeciam aquele azulão, a água amarelava para cá as espumas brancas, roubava para lá a areia de meus pés de raia. Um soprar quente, saído nos capins do cimo da praia, escameou a cava duma ondazinha, descanso de duas diquimbas mais fortes e se levantou a voar: azulinos, os peixagulhas fugiam a macoa submarinha. «Tão perto da praia?...» interroguei aquele voo de pássaros do mar e senti formigar nas minhas pernas as escamas das matonas-burras, na fuga para cima da rebentação. As águas vungutavam, a canoa já dava de dançar, aproada; saltei, ximbiquei só de passar aqueles sete dibucos, ondas de senga do baixio, até a canoa ficar menguenando no princípio do mar: o céu, por cima, esbranquiçava de lento; para lá, acinzentava. Vi sol amarelar no ar, minhas mãos tremiam quando levantei a vela e um vento de oessudoeste, muito húmido, ainda não soprava, se sentia era só no nariz. «Kene Vua...», eu pensei, não há azar, vai rondar para norte, para terra, posso correr com ele e a praia à vista, entrar a barra, dar encontro com o que eu quero pescar em vida minha, despedida: dicunji, o peixe-mulher. No arranque do vento, meu coração se encheu de ar bazófio: eu era o Kapapa, o que sabia muito bem o que não era peixe agulha...
«Sabes lá o que é peixe-agulha?!....» – emendava minhas mãos indígenas se baralhando a inda num simples nó de três voltas. Mas nunca me bateu, sempre só sô meu mestre de cabotagem, o Lopo Cravinho. Que, com ele e seu cachimbo é que eu amarinhei todas as águas de rio, de mar e ar, a carta de marear, agulha e arte de marinhar toda a vela mas, mais tarde, o vento dera de refrescar, encarneirava a superfície da onda larga e enrijava as escotas, meu leme de ximbico já não riscava os quissequeles do fundo. As tainhas-largas, da foz de rio, correram por fora do pau de ximbicar se dividindo, o rebanho delas desencardumava, certo sinal de trovoada e raio. Para sotavento, nosso céu perdia a branquez, o cinzento dera de correr com depressa no rasto do vento do mar e as macoetas, em bando, refulgiam nas águas, em fuga para mais longe. Fimbavam os agulhas-voadores, ficou o ar sem asas de peixe. As barracudas afiadas que andavam muito fundo, de onde vinha o vento, de novo, agora em curtas rajadas de sacudir o caranguejo de bordo a bordo. Não se via vivave, nem um esvoaçar de penas, o ar se enchia de salsugem, a canoa corria na esteira do vento, meu esforço no ximbico era só de lhe levar, num largo, para o largo muxito que espreitava por cima da ondulação. Por um bater de pano, desenfunanço, o sol se apagou e a escuridade me torceu meu coração -eu não dera conta o negro de mar e céu em minhas costas, isto é: à popa, meus olhos fixos no rumo do rio, onde que o peixe-mulher estava me esperar, do sonho. E eu não queria nem essas ver em anzol, as macanhas, de finíssima escama, facas de cortar os olhos em criança descarnadora do peixe a seco, sem cuidado de acrescentar areia ou água de beira praia; os linguados areentos, espinhosos; muito menos as bundas redondas do peixe-mataco, comida só mesmo de dia de fome e chuva. Esqueci corvinas, aqueles espalmados malessos, com seus primos deles, os galos, peixes de mufetar que Deus fez, vi se esvaziar o mar de seus pássaros em minha cabeça assustada: o vento dera então de soprar rijo, e as nuvens quase negras baixavam as grossas copas enoitecendo as águas e chupando a chuva. Nem pungos nem pratas, era fevereiro, peixes de cacimbo ainda longe dos massanganos de mar e rio -só o dicunji eu queria, o que tem mamas e chora lágrimas por cima de seus bigodes, olhos de cachorro batido, boi.
«Só o mar é que maravilha na minha vida...» -abria o outro livro de bordo, o das gravuras, ele lia aquelas palavras duma língua que serve só para falar com deus e chamar a peixes e pássaros.
Apontava: «zeus faber» -o que outro deus tinha feito; fazia, ou que fazia ele mesmo esse deus, era? O peixe-galo, era esse seu nome de guerra? Meu pai reclamava, do leme, que ele estragava a minha cabeça com essa ignorância de latim; que galo era mais é dicolombolo, desde o princípio das águas. O caximbo do outro fumejava à popa o não -que dicolombolo podia ser tudo o que ele queria: galo de capoeira; cata-vento de telhado; cabaça de malavo, mas que nunca que podia ser ave…Mestre Lopinho só perdia a palavra à proa, levadas no vento verde da mata, ficavam as do profeta simples marinheiro, avançando para a guerra santa: «Os peixes foram feitos para voar, só que a maioria parte deles só sabe nadar…» E que eu era diferente; eu era peixe, eu era o Kapapa, eu era dos que ia voar, um belo dia. E se você, seu Lopito, queria saber, não tenho medo a guerra dos sete mares, a batalha dos sete nomes. Que começava toda a viagem e de novo ali assim na cara de meus ouvidos, o Ndalagando tossindo a asma de subir o rio:
1.º) - Gravinho, O Lopo de Caminha e dos mares: que não era nada disso, qual mão esquerda, qual mão direita. Que isso &e