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O Mar Não tem Cancelas
Joaquim Pedro Celestino Soares
A publicação de A Fragata Pérola, A Presa, O Combate, Naufrágio e O Mar Não tem Cancelas, extraídos do livro Quadros, Navais (edição do Ministério da Marinha), foi gentilmente autorizada pela Comissão Cultural de Marinha
© 1997, Parque EXPO 98. S.A.
ISBN 972-8396-22-8
Lisboa, Setembro de 1997
Versão para dispositivos móveis:
2009, Instituto Camões, I.P.
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O MAR NÃO TEM
CANCELAS
A FRAGATA PÉROLA
Nos últimos dias de Dezembro de 1820, recolhia-se a fragata Pérola de ter com boiado vários navios ao sul das ilhas de Cabo Verde, por causa dos corsários e ter feito longo cruzeiro nos Açores e costa de Portugal, deixando de prosseguir na caça à corveta Heroína, que era de muito melhor pé e tinha entrado para o estreito depois de disparados alguns tiros.
Fez-se o ponto, achava-se a fragata 14 milhas ao su-sudoeste da Roca; todos esperavam ter o ferro no fundo antes da noite, defronte de Belém. O vento era sul a su-sueste?, levantando-se barras grossas do sudoeste a oeste. Dera o gajeiro parte de navio ao sul.
-Ó da gávea, já vês que embarcação é?
-Sim, senhor; brigue-escuna.
Subiram alguns oficiais acima das peças e disseram:
-Ei-la ali, estava cosida com a terra do cabo e vai agora no mar.
-Que horas são? -pergunta o comandante.
-É mais de uma hora.
-Atravesse a gávea: esperemos um pouco a ver o que faz.
Pusemos a gávea sobre e o navio, depois de ir no mesmo bordo coisa de dez minutos, virou, botando em cheio para nós; tendo navegado quase outros dez, ao que pareceu para nos reconhecer, tornou a virar e meteu de ló, cingindo o vento no bordo do sudoeste.
-Será aquilo algum corsário? -disse o comandante para o capitão-de-fragata?.
-Será -respondeu este -, mas que se lhe há-de fazer nestas alturas? Acabámos o nosso cruzeiro, temos apenas mantimentos para quinze dias a meia ração, é Inverno, daqui a bocado é noite, e o tempo mostra aí uma carranca do oeste que não é para graças.
-Mostre o que mostrar -replicou o primeiro -, se ainda hoje ou amanhã aquele navio fizer alguma presa, que dirão de nós em Lisboa? Porque não entra? Que anda fazendo com aqueles bordos? É suspeito e devemos desenganar-nos. Ala braços.
Havia refrescado o vento de maneira que, quando a fragata pôs no outro bordo e orçou, custava-lhe a aguentar os joanetes.
-Amura a vela grande, caça a draiva; manda meter a artilharia de sotavento dentro para a fragata se adriçar melhor: obras de joanetes na mão.
A fragata levava-se bem, mas ia com os batentes das portas e a abatocadura debaixo de água.
-Marinheiro do leme, olha para o pano, não toques.
Teríamos andado obra de 5 a 6 milhas, rompeu a trovoada fortíssima, forrando-se tudo.
-Arria joanetes, carrega, abafa; carrega a vela ré, chega para o estingue grande, punho de sotavento em cima.
A fragata não podia mais, porque a trovoada tinha crescido e o vento era fortíssimo.
-Arria a bujarrona, carrega a vela grande; arria gáveas, mete a gata dentro, mestre Leite.
-Senhor!
-Gáveas aos segundos.
Foi a arriar-se a bujarrona, mas fez-se em tiras; o vento calou duro, muito duro, travessia do oeste a oés-noroeste, com aguaceiros de pedra, sem se ver mais navio, nem terra.
-O tenente da tropa que atraque a artilharia a ficar com peitos de morte, meta os óculos e pregue travessões, isto já. Mestre Leite, em acabando de rizar, bote abaixo as vergas dos joanetes e acachape os mastaréus, que não fiquem muito arriados para poder içar as gáveas: vamos, antes que chegue a noite.
O gajeiro de proa, que tinha ido para o lais do velacho, arrebenta-lhe o impunidoiro, cai com a cabeça em cima do ferro de BB, deixa os miolos e foi-se pela borda fora: a gata desferra-se e atira com o gajeiro entre as bitáculas: não deu um ai e ficou para sempre.
Deram seis ampulhetas, não se via nada; o comandante desce do degrau, enfurna pela escada da meia-laranja, o imediato, Silveira da Mota, fica ao catavento e a fragata vai seguindo bastante em duas gáveas arriadas e traquete, fazendo proa do norte. Chega o cabo do quarto.
-Senhores oficiais à câmara, fique o piloto.
Estava o comandante com a carta em cima da mesa, o criado Manuel Domingues segurando uma das suas pontas e um castiçal, e o comandante com outro na mão; assim que entrámos, retirou-se o criado e ele disse:
-É quase noite, não se descobre a terra, menos se verão faróis, não se pode cometer a barra, precisamos aguentar-nos fora até pela manhã; ao meio-dia demorava a Roca ao nor-noroeste, catorze milhas, andaríamos três a és-sueste, estivemos de gávea sobre meia hora, fomos outra meia no mar andando quatro milhas, temos gasto meia hora em rizar, botar vergas dos joanetes abaixo e arriar mastaréus, tendo caído agora e o tempo que estivemos atravessados talvez três milhas, o que, tudo somado, dá pouco mais ou menos a mesma posição do meio-dia: o vento é de rajadas, entre oeste e oés-noroeste, seguindo neste bordo com bastante pano, podemos montar a Roca; no outro bordo perdemos em virar em roda, variação e abatimento, vamos ficar ensacados, digam a sua opinião.
Ouviram-se todos e concordaram em seguir com a mesma amura; e se o vento escasseasse depois, encalharíamos na Praia das Maçãs.
-Bem, tudo para cima: Senhor Silveira?, mande pregar os encerados nas escotilhas; sirvam-se pela escada da praça de armas.
Subiram todos, o comandante foi para o catavento e mandou:
-A seus postos, quatro marinheiros para o leme, chega para as adriças, iça gáveas; amura a vela grande; chega para a escota.
Diz o imediato:
-A fragata não pode com esse pano.
-Há-de poder -replicou aquele –, o mar é grosso e sem a vela grande não se aguenta o navio para barlavento, não podemos desprezar um décimo; às sete horas devemos estar livres de perigo ou encalhados; caça; um oficial superior para a escota e o estingue na mão para carregar se for preciso.
Tudo assim se fez, sem ninguém dar palavra. Logo que acabou de caçar-se a vela grande, a fragata veio para o ló, adernando toda e metendo a trincheira de estibordo debaixo de água: chaleiras de balas, cabos e gente que não estava agarrada, tudo caiu a sotavento; um mar embarcou pela amura e levou a trincheira, algumas balas rolando pela tolda e castelo caem ao convés?, partem pernas e braços a soldados e marinheiros.
-Homem ao mar!
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