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A Chegada de Ulisses ao País dos Feaces

by Homero

A Chegada de Ulisses ao País dos Feaces, Canto VI - Odisseia

Homero

O Canto VI da Odisseia, aqui publicado, foi extraído do livro Hélade, Antologia da Cultura Grega – organizada e traduzida do original pela Prof. Dr.ª Maria Helena da Rocha Pereira e editada pelo Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (6.ª edição, 1995), que gentilmente autorizaram a sua publicação.

© 1996, Parque EXPO 98. S.A.

ISBN 972-8127-34-0

Lisboa, Julho de 1996

Versão para dispositivos móveis:

2009, Instituto Camões, I.P.

***

A CHEGADA DE ULISSES

AO PAÍS DOS FEACES

O sonho de Nausícaa

Assim adormeceu nesse lugar o divino Ulisses,

que muito sofreu, vencido pelo sono e pela fadiga.

Entretanto Atena dirigiu-se ao povo e cidade dos Feaces,

que moraram outrora na vastidão da Hipéria,

perto dos Ciclopes, homens insolentes,

que os saqueavam, e os superavam em força.

Saindo de lá, Nausítoo, semelhante aos deuses, os levou

[para Esquéria,

onde se estabeleceram, longe dos homens que buscam seu

[sustento.

Em volta da cidade lançou uma muralha, construiu casas,

erigiu templos aos deuses, e repartiu as terras.

Mas eis que ele, vencido pelo destino, caminha para o

[Hades.

Governava então Alcínoo, homem de pensamentos

[divinos.

A casa dele se dirigiu Atena, a deusa de olhos garços,

preocupada com o regresso do magnânimo Ulisses.

Dirige-se para o tálamo finamente lavrado, no qual

[repousava

a donzela de estatura e beleza semelhante à das deusas

[imortais,

Nausícaa, a filha do magnânimo Alcínoo.

Perto dela, duas aias, possuidoras da beleza das Graças,

guardavam dos dois lados o limiar; fechadas estavam as

[portas polidas.

Tal uma brisa, acercou-se do leito,

colocou-se sobre a cabeça e dirigiu-lhe a palavra,

tomando a aparência da jovem filha de Dimas, navegante

[ilustre.

a qual era da mesma idade, e por quem Nausícaa tinha

[grande estima.

Tomando o seu aspecto, disse-lhe Atena de olhos garços:

«Nausícaa, como pôde a tua mãe criar-te tão desleixada?

Tens para aí sem cuidados a tua roupa lustrosa.

Está próximo o teu casamento. Deves então vestir

belos trajes e proporcioná-los àqueles que forem no teu

[cortejo.

A boa fama de tudo isto corre já entre os homens,

e regozijam-se o pai e a mãe venerável.

Vamos lá então lavar ao despontar da aurora!

Serei tua companheira, para andares mais depressa,

pois pouco é já o tempo que te resta para seres virgem.

Solicitam-te já os melhores entre todos os Feaces.

E desses é também tua linhagem.

Vamos, antes do romper de alva, incita o teu pai ilustre

a mandar-te aparelhar o carro e as mulas,

para te levarem cintos, peplos e vestes brilhantes.

E mesmo para ti, será muito mais bonito

ir assim do que a pé: os tanques ficam longe da cidade!»

(VI, 1-40)

O Olimpo

Depois que assim falou, partiu Atena de olhos garços

para o Olimpo, onde se diz que fica dos deuses a eterna e

[segura

mansão: não a abalam os ventos, nem a humedece a

[chuva;

não se acerca dela a neve, mas um céu brilhante

se abre sem nuvens. Uma luz alvinitente se derrama por

[cima.

Aí se deleitam todo o tempo os deuses bem-aventurados.

Para lá se retirou Atena, depois de falar à donzela.

(VI, 41-47)

Ocupações dos reis dos Feaces

Logo surgiu a Aurora do trono magnífico, que veio

[acordar

Nausícaa, a dos peplos formosos. Admirada com o sonho

[que tivera,

atravessa o palácio, para ir contá-lo aos seus

[progenitores,

ao pai querido e à mãe. Encontrou-os a ambos dentro de

[casa

-a mãe sentada junto ao lar, com suas aias,

a fiar a lã cor da púrpura marinha; ao pai, encontrou-o

quando ia a sair a porta, juntamente com os ínclitos reis,

a caminho do conselho, ao qual o convocavam os ilustres

[Feaces.

(VI, 48-55)

Nausícaa pede um carro a seu pai

Parando junto dele, dirigiu-se ao pai amado:

«Papá querido, e se tu me mandasses aparelhar um carro,

alto e de belas rodas, para eu levar a roupa

ao rio, para lavar? Está para aí tudo sujo.

E a ti também não te agrada, quando vais para o

[conselho,

com os primeiros do reino, senão roupa imaculada.

Cinco filhos te nasceram no palácio,

dois já casados, e três jovens florescentes.

Esses querem sempre ter roupa lavada,

para levarem para a dança. Tudo isso está a meu cargo.»

Assim falou. Pejava-se de aludir às núpcias juvenis,

diante do pai querido. Este percebeu tudo e respondeu:

«Não te recuso as mulas, filha, nem nenhuma outra coisa.

Vai. Os servos vão já aparelhar-te um carro

alto e de belas rodas, bem equipado por cima.»

(VI, 56-70)

Preparativos para a partida

Depois de assim falar, chamou os escravos, que logo

[obedeceram.

Prepararam cá fora um carro de mulas, com belas rodas,

trouxeram os animais e atrelaram-nos ao veículo.

A donzela trouxe dos seus aposentos as vestes brilhantes

e colocou-as em cima do carro lavrado.

A mãe pôs-lhe numa cesta a comida aprazível

e variada, manjares e vinho deitado num odre

de pele de cabra. Já a donzela subira para o carro,

e ela ainda lhe entregou num lécito de ouro o húmido

[azeite,

para com ele se ungir, bem como as mulheres, suas aias.

Nausícaa pegou no chicote e nas rédeas brilhantes,

e deu uma chicotada, para fazer andar as mulas. Ouviu-se

[um tropel

e lá seguiram sem detença, levando-a, à roupa e a ela

-mas não só, que a acompanhavam também suas aias.

(VI, 71-84)

À beira-rio

Quando chegaram à corrente límpida do rio,

lá estavam os tanques cheios, com a bela água a jorros,

para lavar a roupa, por mais suja que ela fosse.

Desatrelaram então as mulas do seu carro

e levaram-nas ao longo do torvelinho do rio,

para pastarem a grama doce como mel. As mulheres, por

[suas mãos,

tiraram as vestes do carro, atiram-nas à água sombria,

batem-nas sobre os buracos com presteza e à compita.

Assim que elas lavaram e limparam todo o sujo,

estenderam a roupa ao longo da praia, onde o mar

vinha a miúde à terra firme molhar os seixinhos.

Banharam-se e com óleo se ungiram. Depois,

comeram a merenda junto das margens do rio,

deixando a roupa a secar ao sol que brilhava.

Assim que a donzela e as aias fruíram da refeição,

retiraram os seus véus, puseram-se a jogar à bola.

Comandava a melodia Nausícaa de alvos braços.

Tal como Ártemis lançadora do dardo desce pelas

[montanhas,

pelo extenso Taigeto ou pelo Erimanto,

encantada com os javalis e as corças velozes,

e com ela brincam as ninfas campestres, filhas

de Zeus detentor da égide, para deleite de Latona,

mas, acima de todas, a deusa ergue a cabeça e o rosto,

fácil de reconhecer, entre tanta formosura ...

-Assim se distinguia entre as aias a virgem indómita.

(VI, 85-109)

O despertar de Ulisses

Mas quando chegou a hora de voltar para casa,

depois de atrelar as mulas e dobrar as lindas roupas,

outra coisa resolveu Atena de olhos garços,

para Ulisses despertar e ver a donzela graciosa,

que o guiaria à cidade dos varões da Feácia.

Logo a princesa atirou a bola para uma aia,

a aia não a apanhou, e caiu na corrente profunda.

Soltaram um grande grito. Acorda o divino Ulisses,

senta-se e hesita no seu coração e espírito:

«Coitado de mim, a que paragens dos mortais eu

[abordei?

Serão eles insolentes, selvagens e sem justiça,

ou serão hospitaleiros e de espírito temente aos deuses?

Como chegam até mim vozes frescas de donzelas,

de ninfas, que habitam das montanhas as alturas

ou as nascentes dos rios, e os prados verdejantes?

Ou estarei eu já perto dos homens dotados de fala?

Vou investigar e saber do que se trata.»

Depois de assim falar, saiu do mato o divino Ulisses,

e com a mão robusta cortou na espessa floresta

um ramo com folhagem, para encobrir a sua virilidade.

Avança, tal o leão das montanhas, fiado na sua força,

que caminha, fustigado pela chuva e pelo vento.

Lampejam-lhe os olhos, ao perseguir bois e ovelhas

ou corças selvagens: o ventre o impele

até a atacar carneiros e entrar em casa cerrada.

-Assim Ulisses intenta juntar-se às donzelas

de belas tranças, apesar de estar nu. A necessidade urgia.

Mostrou-se-lhes todo sujo e maltratado pelo mar.

Atemorizadas, fugiram cada uma para seu lado, até às

[margens

altaneiras. Sozinha ficou a filha de Alcínoo. Atena

[insuflara coragem

no seu espírito, e extirpara o medo dos seus membros.

Ficou parada em frente dele. Hesitou Ulisses,

se havia de abraçar os joelhos da donzela graciosa,

ou se de longe implorá-la com palavras doces como mel,

que lhe ensinasse o caminho da cidade e desse que vestir.

Com estes pensamentos, pareceu-lhe ser melhor

implorá-la de longe com palavras doces como mel,

não fosse a donzela irar-se, se lhe abraçasse os joelhos.

(VI, 110-147)

Ulisses e Nausícaa

E logo proferiu estas palavras, doces e cativantes:

«Eu te suplico, princesa: és deusa ou és mortal?

Se tu fores alguma deusa, das que habitam o vasto céu,

a Ártemis te comparo, à filha do grande Zeus,

pelo aspecto, a estatura e a forma!

Se acaso és mortal, das que habitam sobre a terra,

felizes mil vezes são teu pai e tua mãe venerável,

felizes mil vezes os teus irmãos! Por tua causa o coração

se lhes inunda sempre de júbilo,

quando vêem entrar na dança este formoso rebento.

Mas feliz, mais que todos, em seu coração, aquele que

[vencer os demais

pela riqueza de seus dons, e te levar para sua casa!

Jamais pus os olhos num mortal como tu,

fosse ele homem ou mulher! A tua vista infunde-me

[veneração.

Conheci outrora em Delos, junto do altar de Apolo, uma

[beleza assim:

um rebento de palmeira que se erguia nos ares.

Pois também já lá estive. Seguiam-me muitos homens

pelo caminho, que havia de ser a minha perdição.

Assim como alegrei o meu coração ao contemplá-lo

por longo tempo, pois nunca lenho tão formoso saíra do

[solo,

assim eu te admiro, mulher, e me deslumbro; mas forte é

[o meu temor

de tocar nos teus joelhos. Grande é a aflição que me

[invade!

Só ontem escapei do mar cor de vinho, passados vinte

[dias.

Tal foi o tempo que as ondas e procelas violentas me

[arrastaram

para longe da ilha de Ogígia. E agora uma divindade me

[atirou para aqui

para eu sofrer mais alguma desgraça. Pois não creio

que ela cesse. E quantas ainda me destinam os deuses!

Amerceia-te de mim, princesa! Depois de muito sofrer,

a ti vim primeiro! Não conheço nenhum dos outros

[homens,

que habitam este país e esta terra.

Ensina-me onde é a cidade, dá-me uns farrapos para eu

[vestir,

se tens por aí o pano com que se fez a trouxa, ao vir para

[aqui.

Que os deuses te concedam quanto o teu coração deseja,

um marido e um lar, e uma bela concórdia!

Não há nada melhor nem mais excelente

do que haver um lar onde marido e mulher

têm os mesmos pensamentos! É o desgosto dos inimigos,

a felicidade dos amigos, e deles mais que ninguém.»

Por sua vez, replicou-lhe Nausícaa de alvos braços:

«Estrangeiro, tu que não pareces mau nem insensato,

bem sabes que Zeus Olímpico reparte a felicidade entre os

[homens

bons e maus, dando a cada um o que lhe apraz.

A ti deu-te essa desgraça: força é que a suportes.

E agora que chegaste à nossa cidade e à nossa terra,

não carecerás de roupa nem de mais coisa nenhuma,

que deve dar-se ao pobre suplicante que nos encontra.

Eu te indicarei a cidade, e te direi o nome do povo;

São os Feaces que possuem esta cidade e esta terra.

Eu sou a filha do magnânimo A1cínoo,

que detém o poder e a força entre os Feaces.»

Dito isto, deu ordens às aias de belas tranças:

«Parem, raparigas! Para onde ides, só porque vistes um

[homem?

Supondes que será um dos nossos inimigos?

Não há, nem haverá mortal tão temeroso

que consiga aportar à terra dos Feaces,

para lhes trazer a ruína! Prezam-nos os imortais!

Vivemos muito longe, no mar varrido pelas ondas,

a tal distância que nenhum dos mortais convive

[connosco.

O homem que aqui está é um infeliz que andou errante,

[no mar,

de que agora devemos cuidar, pois são todos mandados

[por Zeus,

hóspedes ou mendigos. A dádiva é pequena, mas

[estimada.

Vamos, raparigas! Dai de comer e de beber a este

[estrangeiro,

e banhai-o no rio, onde é mais abrigado do vento.»

Assim falou. As aias detiveram-se. Umas às outras

se exortaram e instalaram Ulisses ao abrigo do vento,

conforme mandara Nausícaa, filha do magnânimo

[Alcínoo.

Perto dele pousaram um manto e uma túnica, para se

[vestir,

e deram-lhe o líquido óleo num lécito de ouro.

Levaram-no para o banho nas águas correntes do rio.

Então disse para as aias o divino Ulisses:

«Raparigas, fiquem bem longe! Eu sozinho

lavarei a salsugem dos meus ombros e me ungirei com

[óleo.

Há muito que o meu corpo não sabe o que é ungir-se!

Diante de vós não quero banhar-me. Tenho vergonha

de ficar nu, diante de raparigas de belas tranças.»

Assim disse. Elas retiraram-se, e foram contar à donzela,

O divino Ulisses lavou com água do rio a salsugem do mar,

que se lhe agarrara ao dorso e aos ombros largos,

limpou a cabeça da espuma do pélago estéril.

Depois de se banhar todo e de se ungir com o óleo,

enfiou as vestes que lhe dera a virgem indómita.

Então Ateneia, filha de Zeus, fê-lo parecer

mais alto e mais forte e fez pender da sua fronte

cabelos encaracolados, como as flores do jacinto.

Como um homem habilidoso, ensinado por Hefestos

e Palas Atena com toda a sua arte,

deita o ouro na prata e faz uma obra formosa,

assim ela lhe derramou a beleza pela cabeça e pelos

[ombros.

Voltou então, para se sentar à distância, na orla do mar;

resplandecia de beleza e de encanto. A donzela

[contemplava-o.

E então disse às aias de tranças formosas:

«Escutai, aias de alvos braços, o que eu quero dizer-vos:

Não é contra a vontande unânime dos deuses, habitantes

[do Olimpo,

que este homem veio ter com os divinos Feaces.

Há bem pouco ainda que parecia um miserável.

Agora assemelha-se aos deuses, senhores do vasto céu.

Quem dera que a um homem assim eu chamasse meu

<p>[esposo,

se ele habitasse aqui, e lhe aprouvesse ficar!

Dêem de comer e de beber a este estrangeiro, raparigas!»

Assim falou. Elas escutaram-na, obedientes,

e pousaram junto de Ulisses comida e bebida.

Então o divino Ulisses que muito sofrera comeu e bebeu

com avidez. Há muito que estava privado de alimento.

Mas Nausícaa de alvos braços teve outro desígnio.

Dobrou-se a roupa, colocou-se no belo carro,

atrelaram-se as mulas de cascos fortes, e subiu lá para

[cima.

Incitou então Ulisses, dirigindo-se-lhe com estas palavras:

«Levanta-te agora, estrangeiro, para ires à cidade,

a fim de eu te conduzir ao palácio do meu valoroso pai.

Aí te prometo que verás os mais valentes de todos os

[Feaces.

Mas faz como eu te digo. Não pareces insensato!

Enquanto passarmos pelos campos e pelos sítios lavrados,

seguirás com presteza as minhas aias,

atrás do carro de mulas. E eu mostro-te o caminho.

Quando chegarmos à cidade, cercada de altas muralhas,

há, de cada um dos lados, um belo porto,

com uma entrada estreita: os navios recurvos

estão em seco, ao longo do caminho; cada um tem seu

[abrigo.

Aí é a praça pública em volta do belo templo de Poséidon,

feita com pedras arrancadas da pedreira,

[meio-enterradas no solo.

Aí também se preparam os aprestos das negras naus,

amarras e cordagens, e tratam de polir os remos.

Os Feaces não se importam com arcos nem com aljavas,

mas com mastros e remos e com navios seguros,

com que percorrem, felizes, o mar cinzento.

Ora eu tenho de evitar os seus ditos cruéis, não vá alguém

ficar para trás a murmurar -e muitos são os insolentes

[neste povo –

e então algum malicioso, que nos encontrasse, diria

[assim:

- «Quem será aquele estranho alto e formoso, que

[acompanha

Nausícaa? Onde é que ela o achou? Será seu futuro

[esposo?

Ou trará ela algum náufrago, vindo

de terras longínquas -pois aqui perto não mora

[ninguém?

Ou tanto pediu a um deus, que ele desceu do céu

para aqui e será dele para sempre?

Melhor será, se encontrou noutro lugar um marido,

em suas andanças, já que despreza os Feaces do país,

que a solicitam. E esses são muitos e nobres!»

-Assim dirão. E eu cobrir-me-ia de vergonha.

Eu mesma censuraria outra que assim fizesse:

contra as ordens do pai e da mãe querida,

correr atrás dos homens, antes de celebrar o casamento.

Estrangeiro, tu compreendes as minhas palavras. Assim

obterás mais depressa de meu pai uma escolta que te leve

[a casa.

Encontraremos um bosque esplendoroso de choupos,

[junto do caminho.

É o bosque de Atena. Aí corre uma fonte. Em volta

[estende-se um prado.

Aí tem o meu pai um recanto cheio de vinha florescente.

Fica à distância da cidade de se ouvir a voz.

Senta-te aí, e aguarda o tempo de nós atravessarmos

a cidade e chegarmos à morada de meu pai.

Quando tiveres calculado que chegámos ao palácio,

então vai à cidade dos Feaces e pergunta

pelos paços de meu pai, o magnânimo Alcínoo.

É fácil dar com eles, ainda que fosse teu guia

uma criança pequena, pois não há entre os Feaces

moradia construída como o palácio do herói Alcínoo.

Assim que estiveres oculto no pátio do palácio,

atravessa depressa o mégaron, para encontrares minha

[mãe.

Estará sentada à lareira, à claridade do lume,

fiando em sua roca cor de púrpura marinha - maravilha

de se ver - encostada a uma coluna. As servas sentam-se

[atrás.

Aí fica também o trono de meu pai, voltado para o clarão.

Aí sentado é que ele bebe o seu vinho, como se fora um

[imortal.

Passa adiante dele, e lança os teus braços

aos joelhos de minha mãe, se queres ver o dia do

[regresso,

regozijando-te em breve, ainda que sejas de longe.

[Se ela te quiser bem em seu coração,

podes esperar que voltas a ver teus amigos

e tornarás à bem construída casa, e à terra ancestral.)»

Depois de assim falar, fustigou as mulas

com o luzidio chicote. E elas deixaram depressa

a corrente do rio. Umas vezes a correr, outras estugando

[o passo,

Nausícaa conduzia bem, para que pudessem segui-la

as aias e Ulisses, que iam a pé; e reduzia as chicotadas.

(VI, 148-320)

Ulisses no bosque de Atena

O sol se pôs, quando chegaram ao glorioso bosque

[sagrado

de Atena. Aí se sentou o divino Ulisses.

Então dirigiu esta prece à filha do grande Zeus:

«Atende-me, filha de Zeus detentor da égide, Atritona!

Escuta-me agora ao menos, já que antes não me ouviste,

quando eu naufraguei, perseguido pelo ínclito deus que

[abala a terra.

Concede-me que os Feaces sejam amigos e compassivos!»

Tal foi a sua prece, e ouviu-o Palas Atena,

mas sem se lhe mostrar; pois que receava ainda

o irmão de seu pai, violentamente enfurecido

com o divino Ulisses, até que ele chegasse à pátria.

(VI, 321-331)