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Naufrágio da Medusa

by Maximiano Lemos Júnior

Naufrágio da Medusa

Versão de Maximiano Lemos Júnior

Actualização de texto de António Alves Martins

Naufrágio da Medusa e Naufrágio do Colibri foram extraídos do livro Naufrágios Célebres, cuja compilação de textos é da autoria de Zurcher e Margollé.

© 1997, Parque EXPO 98. S.A.

ISBN 972-8127-98-7

Lisboa, Julho de 1997

Versão para dispositivos móveis:

2009, Instituto Camões, I.P.

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NAUFRÁGIO DA MEDUSA

Segundo a relação dos senhores Correard

e Savigny, náufragos da jangada

Tendo os tratados de 1815 restituído o Senegal à França, foi enviada uma expedição para tomar posse da nova colónia. Levava o governador a bordo com tropas, e compunha-se de quatro navios: a fragata Medusa, de quarenta e quatro canhões, a corveta Echo, a gaharra Loire e o brigue Argus. O comandante-em-chefe era o Sr. Duroys de Chaumareys que, tenente de Marinha antes da Revolução, tinha emigrado e deixado, havia mais de vinte e cinco anos, de exercer a sua profissão. À ignorância juntava um espírito ligeiro e um egoísmo que o fez faltar a todos os seus deveres. Tinha-se feito acompanhar por um oficial estranho ao Estado-Maior, chamado Richefort, cujo conselho recebia para não estar exposto a deixar transparecer a sua inexperiência diante dos seus subordinados, e esse oficial era também tão vaidoso como incapaz.

A flotilha partiu de Rochefort em 17 de Junho de 1816 e o começo da navegação não apresentou incidente de importância. A marcha da Medusa era superior à dos outros navios. O Sr. De Chaumareys, cansando-se de ir a pouco pano para os esperar, deixou-os e lançou-se, a toda a velocidade que podia atingir, para o fim da expedição, faltando assim, em princípio, a um dever importante.

No 1.º de Julho, passou-se o cabo Bojador, e festejou-se a passagem da linha. «A nossa tripulação, diz o Sr. Correard, passageiro da Medusa, cuja relação seguimos em grande parte?, entregou-se, segundo o costume, às burlescas cerimónias do “baptismo” e à distribuição dos confeitos do “bom homem Trópico”. Este uso extravagante tem por fim principal fornecer aos marinheiros, diversamente disfarçados em deuses marítimos, a ocasião de recolherem dinheiro dos passageiros e das pessoas da tripulação que se resgatam assim da imersão. Foi durante estes divertimentos, que duraram três horas que bem se podem chamar mortais, que corremos a nossa perda. O Sr. De Chaumareys entretanto presidia a esta farça com uma rara simplicidade, enquanto que o oficial que tinha captado a sua confiança passeava na proa da fragata e lançava um olhar indiferente para uma costa eriçada de perigos cujo número e iminência escapavam sem dúvida à sua penetração.

As instruções do ministro prescreviam reconhecer o cabo Branco, correr vinte e duas léguas para o largo e voltar depois para terra com as maiores precauções e com a sonda na mão. Foi o que fizeram os outros navios da expedição que chegaram sem acidente a São Luís. Mas o Sr. De Chaumareys, com a ideia de chegar mais depressa, tomou a rota do sul, depois de ter andado só dez léguas para oeste a partir do cabo Branco, cujo reconhecimento se fez muito imperfeitamente.

Muitos passageiros que conheciam os perigos destas costas, começaram a assustar-se, pensando que a derrota seguida aproximava muito a fragata do banco de Arguim, mas os seus conselhos foram desprezados. Sondava-se de duas em duas horas caminhando a todo o pano, e como se julgavam, na manhã de 2 de Julho, por mais de cem braças de água, pôs-se a proa a su-sudeste, o que levava o navio mais directamente para a terra.

Ao meio-dia, um guarda-marinha, depois de ter marcado a derrota, assegurava acharem-se na ponta do banco, e deu parte da sua observação ao oficial que de há muitos dias dava conselhos ao comandante sobre o caminho a seguir. «Não se importe, respondeu este, temos oitenta braças.» «A cor da água tinha mudado completamente, diz Correard; numerosas ervas apareciam ao longo do bordo e agarrava-se muito peixe. Todos estes factos provavam, de modo a não deixar dúvida, que estávamos num baixio; a sonda anunciou efectivamente apenas dezoito braças. O oficial de quarto mandou imediatamente prevenir o comandante que deu ordem de meter um pouco mais a barlavento. Íamos à larga, com os papa-figos a bombordo. Amainaram-se logo estas velas; a sonda foi lançada de novo e deu seis braças. O capitão foi prevenido disto, e a toda a pressa mandou colher todo o vento, mas infelizmente já não era tempo. A fragata, vindo ao vento, deu quase logo uma pancada, correu ainda um pouco e deu segunda, e enfim uma terceira. Parou num sítio em que a sonda só deu cinco metros e sessenta centímetros de água e era o instante da maré-cheia. Achámo-nos nesta posição fatal precisamente na época das marés vivas, tempo que nos era o mais desfavorável possível, porque elas iam desaparecer e nós encalhámos enquanto a água estava mais elevada.»

O naufrágio teve lugar no dia 4 às três horas e um quarto da tarde. Este acontecimento espalhou na fragata a mais sombria consternação. Quiseram-se tomar as disposições ordinárias para safar o navio; depois de o terem aliviado, fundearam-se sucessivamente as âncoras em diversas direcções e viraram sobre os calabrotes, mas estas manobras, prolongadas durante dois dias inteiros, foram infrutuosas.

Na previsão da perda do navio, reuniu-se o conselho para resolver sobre a maneira de assegurar um refúgio à tripulação. O governador do Senegal deu o plano de uma jangada que julgou susceptível de levar duzentos homens com provisões. Foi-se obrigado a recorrer a um meio desta natureza, porque as seis embarcações de bordo foram julgadas incapazes de se carregarem com os quatrocentos homens presentes. As provisões de boca deviam ser colocadas na jangada, e às horas da comida os tripulantes das canoas viriam buscar as suas rações. Desembarcando nas costas arenosas do deserto, dirigir-se-iam em caravana para São Luís. Os acontecimentos que tiveram lugar depois provaram que este plano era perfeitamente concebido, e que teria sido coroado de bom resultado, se, infelizmente, a execução destas decisões não fosse prejudicada pelas lamentáveis sugestões do egoísmo.

Num momento, a Medusa começou a mover-se de uma maneira sensível; estava quase a nado e na maré alta apenas a popa batia em terra; mas na noite de 4 para 5 o céu escureceu, levantou-se o vento, o mar engrossou, e a fragata foi cada vez mais agitada. «Começou, diz o Sr. Correard, a dar frequentes culapadas que se multiplicavam, aumentando de violência. A cada instante, esperávamos vê-la despedaçar-se; a consternação tornou-se de novo geral, e adquirimos em breve a certeza cruel de que a embarcação estava irremediavelmente perdida. Rebentou pelo meio da noite; a quilha partiu-se em duas partes, o leme desmontou-se e apenas ficou preso à popa pelas cadeias, o que fez causar um mal espantoso. Produziu o efeito de um aríete horizontal que, impelido com violência pelas vagas, feria a golpes repetidos a popa do navio. Assim, uma parte do soalho da câmara do comandante estava levantada; a água entrava de uma maneira espantosa. Dentro em pouco, aos perigos do mar vieram juntar-se as primeiras ameaças do perigo das paixões despertadas pelo desespero e livres de todo o freio pelo sentimento imperioso da conservação pessoal. Pelas onze horas, rebentou uma espécie de revolta, suscitada por alguns militares, que persuadiram os seus camaradas de que os queriam abandonar. Muitos soldados tinham tomado armas e tinham-se colocado na coberta de que ocuparam todas as passagens; mas a presença do governador e dos oficiais bastou para acalmar os espíritos e restabelecer a ordem.

«Logo depois, a jangada, arrastada pela força da corrente e do mar, partiu as amarras que a prendiam à fragata, e foi-se desviando dela. Foi isto anunciado por gritos, e mandou-se imediatamente uma chalupa que a conduziu a bordo. Esta noite foi extremamente penosa. Atormentados pela ideia de que o nosso navio estava imediatamente perdido, sacudidos pelos fortes movimentos que lhe imprimiam as vagas, não pudemos ter um único momento de descanso. No dia seguinte, 5, ao romper da manhã, havia perto de três metros de água no porão e as bombas não podiam dar-lhe saída; decidiu-se que era preciso evacuar o navio, o mais depressa possível.»

A jangada tinha vinte metros de comprido e sete de largura. Era composta dos mastros de gávea da fragata, das antenas, e suas coberturas, vigas, etc. Estas diferentes peças estavam juntas umas às outras por amarras. Dois mastros de gávea formavam as peças principais e estavam colocados dos lados; outros quatro mastros estavam reunidos dois a dois no centro do aparelho. Tábuas pregadas por cima deste primeiro plano formavam uma espécie de soalho. Todavia, esta construção muito imperfeita não estava ainda acabada. Mandaram-se descer cento e vinte e dois militares, vinte e três marinheiros e passageiros. A canoa grande recebeu trinta e cinco pessoas, a lancha maior quarenta e duas, a canoa do comandante vinte e oito, a chalupa oitenta e oito; um escaler de oito remos vinte e cinco e a embarcação mais pequena quinze. Deviam embarcar-se, na jangada e nos barcos, provisões, vinho e pipas de água, mas fez-se tudo com tal confusão que estes objectos, essenciais, foram mal repartidos e uma grande quantidade deles foi deixada no convés do navio ou lançada ao mar durante o tumulto da evacuação.

A lei da honra prescreve ao comandante, de um navio naufragado, ser ele o último a deixá-lo; o Sr. De Chaumareys faltou a esta obrigação, embarcando-se na sua canoa quando havia ainda uns sessenta homens na fragata. Deixaram-se definitivamente dezassete que não puderam embarcar na chalupa muito carregada e em mau estado para resistir ao mar. Teria havido ainda possibilidade, segundo uma relação, de os colocar em outras embarcações e sobretudo na que levava o governador e a sua família.

No momento da partida, quando a jangada levada a reboque pelas seis embarcações se afastou da fragata aos gritos de «Viva o rei!», tinham todos bastante coragem. Os chefes destas embarcações tinham jurado não abandonar a jangada; deviam salvar-se todos ou morrer todos juntos.

Todavia, tinham-se andado apenas duas léguas e já os juramentos estavam esquecidos. «Estava-se no momento da vazante, diz o Sr. Correard, que se achava na jangada, e as correntes levavam as embarcações para o largo. Achar-se no mar largo em embarcações sem coberta poderia inspirar algum receio, mas, em poucas horas, as correntes deviam mudar e favorecer-nos. Seria preciso esperar este momento que teria evidentemente demonstrado a possibilidade de nos levarem até à terra. de que não estávamos afastados mais de dez a quinze léguas. Tanto isto era verdade que à tarde. antes do pôr do Sol, as canoas tiveram conhecimento da costa. Talvez seriam forçadas a abandonar-nos na segunda noite depois da nossa partida. se todavia fossem precisas mais de trinta e seis horas para nos rebocarem para terra. porque o tempo esteve muito mau. Mas ter-nos-íamos achado então muito próximo de terra e ser-nos-ia fácil salvarmo-nos; pelo menos só nos teríamos a queixar dos elementos. Não acreditámos realmente. nos primeiros instantes. que éramos tão cruelmente abandonados. Imaginávamos que as canoas haviam largado. porque tinham avistado algum navio e corriam na sua direcção para lhe pedir socorro.»

Quando se reconheceu que era uma ilusão contar com a volta das embarcações e que tinha havido realmente um «salve-se quem puder». olhámo-nos com profundo assombro. Pouco a pouco os mais inteligentes procuraram reanimar os ânimos e começaram a dar-se contas exactas da situação: era horrível!

Os náufragos estavam de tal modo apertados que era quase impossível mexerem-se. Muitos dentre eles tinham uma parte do corpo mergulhada na água. Vendo-se, no momento da partida, a jangada enterrar-se na água com o peso dos homens, tinham-se lançado muitos barris de farinha ao mar. Ninguém tinha pensado nas provisões, de maneira que se achou somente um saco, contendo perto de vinte e cinco arráteis de biscoito, e, como o saco estava molhado, o biscoito estava reduzido a pasta. Era inevitável a fome. Por bebida, havia apenas seis barricas de vinho e dois pequenos barris de água.

Por outro lado, não havia nem cartas, nem agulha de marear, e a pequena vela que se conseguiu fixar ao mastro só podia servir com o vento em popa.

O biscoito apenas serviu para uma fraca refeição pelo meio-dia. Chegou-se com bastante calma à noite que foi terrível. porque o vento refrescou muito. De cada vez que as ondas levantavam uma das extremidades da jangada, os passageiros caíam uns sobre os outros, e continuadamente se ouviam gritos de desespero. Quando chegou o dia, reconheceu-se que uns vinte homens tinham desaparecido. Alguns tinham os pés entalados nas peças de madeira e o corpo mergulhado no mar; um só dentre eles foi chamado à vida pelos cuidados de seus dois filhos.

Tivemos ainda durante este dia, que foi esplêndido, a esperança de ver voltar as embarcações; mas quando nos vimos enganados, um completo desânimo se nos apoderou da alma. À noite, o céu cobriu-se de nuvens espessas e o mar esteve ainda mais terrível de que na noite precedente. Os homens, não podendo conservar-se nas extremidades, reuniram-se no centro da jangada e os que não puderam chegar-se para lã morreram quase todos. De resto, a junção no meio foi tal que alguns homens foram abafados pelo peso dos seus camaradas que caíam sobre eles.

Os soldados e marinheiros, considerando-se perdidos, começaram a beber em excesso. Então, tornados furiosos, exclamaram que os queriam trair, que todos haviam de morrer e tentaram efectivamente destruir a jangada cortando as amarras. Os oficiais e passageiros, que tinham conservado a razão, opuseram-se a isso. Travou-se um combate terrível a golpes de machado, de sabres, de baionetas, de facas. A Lua iluminava esta cena pavorosa. Só o cansaço trouxe alguns momentos de tréguas. Aos primeiros clarões do dia verificou-se que mais de sessenta homens tinham morrido e reconheceu-se também uma grande desgraça. Os rebeldes, durante o tumulto, tinham lançado ao mar duas barricas de vinho e os dois únicos barris de água; apenas ficara um barril de vinho para distribuir pelos sessenta homens que sobreviviam. Já neste dia se produziram actos de canibalismo. Alguns homens lançaram-se sobre os cadáveres e devoraram pedaços de carne. A noite esteve mais sossegada, e apesar disso, ao começar o quarto dia, contaram-se mais doze mortos.

Pela tarde houve, felizmente, uma passagem de peixes-volantes, dos quais mais de duzentos se introduziram nos espaços deixados pelas peças de madeira. Com o auxílio de um fúsil e de um pedaço de isca, conseguiram-se acender os fragmentos de uma pipa e formar uma fogueira que serviu para cozer os peixes, mas em que se colocou também carne humana.

Durante a noite teve lugar um novo morticínio: espanhóis, italianos e negros, que até então se haviam conservado neutrais, tinham conspirado lançar ao mar todos os seus companheiros. No dia seguinte, pela manhã, ainda havia trinta homens vivos e entre eles grande número de feridos.

Algumas páginas extraídas da narração da testemunha, já citada, colocam diante dos olhos o quadro das cenas medonhas que se seguiram:

«Quinze náufragos somente parecia poderem resistir ainda alguns dias e todos os outros, cobertos de largas feridas, tinham perdido quase completamente a razão. Contudo, tomavam parte nas distribuições e podiam, antes da sua morte, consumir trinta ou quarenta garrafas de vinho, que, para nós, eram de um valor inestimável. Reunimo-nos para deliberar; colocar os doentes a meia ração, era dar-lhes a morte imediatamente. Depois de um conselho presidido pelo mais horroroso desespero, foi decidido que os lançaríamos ao mar. Este meio, por muito repugnante, por muito horrível que nos parecesse a nós próprios, assegurava aos sobreviventes seis dias de vinho a dois quartos por dia. Mas, tomada a decisão, quem se atreveria a executá-la? O hábito de ver a morte próxima a arrastar-nos, a certeza da nossa perda infalível sem este funesto expediente tinha-nos endurecido os corações, tornados insensíveis a todo o sentimento que não fosse o da conservação individual. Três marinheiros e um soldado encarregaram-se desta cruel execução; desviámos os olhos e derramámos lágrimas de sangue sobre a sorte destes desgraçados. Entre eles estavam a cantineira e o seu marido, que anteriormente tínhamos salvo, na ocasião em que iam a afogar-se. Ambos tinham sido gravemente feridos nos combates; a mulher tinha partido uma coxa, entre as pranchas da jangada, e um golpe de sabre tinha feito ao marido uma profunda ferida na cabeça. Tudo anunciava o seu fim próximo. Tínhamos necessidade de acreditar que, precipitando o termo dos seus males, a nossa cruel resolução apenas tinha diminuído alguns instantes à medida da sua existência.

«Esta mulher, esta francesa, a quem militares, franceses, davam o mar por túmulo, tinha-se associado vinte anos às gloriosas fadigas dos nossos exércitos; durante vinte anos tinha levado aos bravos, nos campos de batalha, os socorros necessários ou doces consolações. E era no meio dos seus, era pelas mãos dos seus, que ela…! Leitores, que estremeceis ao grito da humanidade ultrajada, lembrai-vos ao menos que tinham sido outros homens, compatriotas, camaradas, os que nos haviam colocado em tão terrível situação.

«Um acontecimento veio trazer uma feliz distracção ao profundo horror que nos dominava. De repente, uma borboleta branca, do género das que tão vulgares são em França, apareceu esvoaçando por' cima das nossas cabeças e foi pousar na vela. A primeira ideia que inspirou a cada um de nós fez-nos considerar este insecto como o mensageiro que nos trazia a notícia de um ancoradouro próximo e abraçámos essa esperança com uma espécie de delírio. Mas era o nono dia que passávamos na jangada; os tormentos da fome dilaceravam-nos as entranhas; já os soldados e marinheiros devoravam, com os olhos desvairados, esta mesquinha presa e pareciam na disposição de a disputarem. Outros, considerando esta borboleta como uma enviada do céu, declararam que tomavam o pobre insecto debaixo da sua protecção e impediriam que lhe fizessem mal. Dirigimos pois os nossos votos e olhares para essa terra desejada que julgávamos a cada instante ver aparecer diante de nós. É certo que não devíamos estar afastados, porque as borboletas continuaram, nos dias seguintes, a esvoaçar em torno da nossa vela e no mesmo dia tivemos um indício não menos positivo avistando uma gaivota que voava por cima da nossa jangada.

«Passaram-se ainda três dias em angústias inexprimíveis; desprezávamos já de tal modo a vida, que muitos não recearam banhar-se à vista dos tubarões que nos cercavam a jangada.

«Em 17, pela manhã, o Sol apareceu livre de nuvens. Depois de termos dirigido orações ao Eterno, dividimos uma parte do nosso vinho; cada um saboreava com delícias a sua pequena porção, quando um capitão de infantaria, lançando os olhares para o horizonte, avistou um navio e anunciou-o com um grito de alegria. Reconhecemos que era um brigue, mas estava ainda a grande distância. A vista deste navio espalhou entre nós uma alegria difícil de descrever; todos julgavam certa a salvação e davam a Deus infinitas acções de graças. Contudo, os receios vieram misturar-se às nossas esperanças; endireitámos os arcos das barricas, às extremidades dos quais prendemos lenços de diferentes cores. Um homem, auxiliado por todos, subiu ao topo do mastro e agitava estas pequenas bandeiras. Durante mais de uma hora, flutuámos entre a esperança e o temor; uns julgavam ver aumentar o navio, e outros afirmavam que se afastava de nós. Estes últimos eram os únicos que não tinham os olhos fascinados pela esperança, porque o brigue desapareceu.

«Do delírio da alegria passámos ao do abatimento e da dor. Para acalmar o nosso desespero quisemos procurar algumas consolações no sono. Durante a véspera, tínhamos sido devorados pelos ardores de um sol esbraseado; neste dia dispusemos a vela em forma de tenda e deitámo-nos todos por baixo. Propôs-se então traçarmos numa tábua um resumo das nossas aventuras, escrevermos os nomes por baixo desta narração e fixá-la na parte superior do mastro, na esperança que chegaria às mãos do Governo ou às das nossas famílias. Depois de termos passado duas horas entregues às mais penosas reflexões, o mestre artilheiro da fragata quis ir à proa da jangada e saiu de debaixo da tenda. Mal tinha posto a cabeça de fora, voltou-se para nós soltando um grande grito. A alegria estava-lhe desenhada no rosto; as mãos estendidas para o mar; respirava com dificuldade. Tudo o que pôde dizer foi: “Salvos! Eis o brigue que vem sobre nós!” E era ele, com efeito, à distância quando muito de meia hora, tendo todo o pano e governando de maneira a vir passar muito próximo de nós. Saímos de debaixo da tenda com precipitação; até aqueles, que enormes feridas nos membros inferiores retinham deitados havia muitos dias, se arrastaram para a popa da jangada para gozarem da vista desse navio que vinha arrancar-nos a uma morte certa. Abraçávamo-nos com transportes que tinham muito de loucura, e lágrimas de alegria sulcavam-nos os rostos dissecados pelas mais cruéis privações.

«Todos agarraram nos lenços ou em diferentes bocados de pano para fazerem sinais ao brigue que se aproximava rapidamente. Alguns outros, de joelhos, agradeciam com fervor à Providência, que nos restituía tão milagrosamente a vida. A alegria aumentou quando avistámos no mastro de mezena uma grande bandeira branca, e exclamámos: «É a franceses que vamos dever a salvação» Reconhecemos quase imediatamente o Argus, que estava então a dois tiros de espingarda.

« ... Em pouco tempo fomos transportados para bordo. Encontrámos o tenente de serviço na fragata e alguns outros náufragos. A compaixão estava pintada em todos os rostos, e fazia-lhes derramar lágrimas quando os olhos se demoravam em nós. Figurem-se quinze desgraçados quase nus, com o corpo e o rosto batidos de um rigoroso sol. Dez dos quinze dificilmente podiam mover-se. Os nossos membros estavam sem epiderme; uma profunda alteração nos estava desenhada nas feições; os olhos encovados e quase ferozes, as barbas compridas davam-nos uma expressão mais hedionda; não éramos uma sombra do que fôramos. Achámos a bordo do brigue muito bom caldo que nos tinham preparado, desde que fôramos vistos. Deram-nos os cuidados mais generosos e mais atentos; pensaram-nos as feridas, e no dia seguinte muitos dos mais doentes começaram a levantar-se ...»

Depois da narração do terrível drama cujo último episódio foi traçado com tanto vigor pelo pincel de Gericault, diremos muito resumidamente o que sucedeu às seis embarcações que tinham abandonado a jangada.

Os escaleres do Sr. De Chaumareys e do govemador chegaram a São Luís, sem se terem exposto a perigo algum sério. A chalupa chegou próximo da costa, ao norte do cabo Mirick, depois de ter garrado várias vezes. Os passageiros, sofrendo cruelmente a sede, pediram que se desembarcasse; quis-se retê-los, expondo-lhes os perigos que teriam a afrontar no deserto, durante uma travessia de perto de cem léguas, para chegar a São Luís, mas sessenta e três obstinaram-se na sua resolução e sofreram horríveis tormentos nos areais ardentes. As provisões e a água faltaram durante uma grande parte do caminho. Felizmente o Argus avistou a caravana e forneceu-lhe mantimentos. Encontrou um bando de mouros que tiraram os vestidos aos náufragos. Só em 30 de Julho é que entrou em São Luís, depois de ter perdido seis pessoas. A chalupa, voltando ao largo, encontrou o escaler mais pequeno e recebeu as quinze pessoas que este levava, porque já não se podia aguentar contra a violência das vagas. A canoa maior e o escaler de oito remos juntaram-se; navegaram durante algum tempo de conserva, mas as três embarcações deram à costa em 8 de Julho e os passageiros tiveram de refugiar-se em terra. A marcha fez-se com ordem para o Senegal, debaixo da direcção dos oficiais, e, em 11 de Julho, comunicaram com o Argus que socorreu esta caravana antes da outra. Os indígenas vieram vender-lhes algumas provisões; mas o trajecto sobre a areia aquecida pelo ardor intolerável do sol foi em extremo fatigante. Chegaram finalmente ao termo, em 12 à noite, sem perda alguma de homens.

Foi em 26 de Julho apenas que se pensou em mandar um navio na direcção da Medusa, a bordo da qual se sabia, no entretanto, que tinha ficado um grupo de homens. A goleta encarregada desta missão teve ventos contrários e chegou próximo da fragata naufragada cinquenta e dois dias depois do seu abandono. Apenas se acharam três dos dezassete desgraçados que não tinham podido embarcar na chalupa. Dez dias antes, doze dentre eles, vendo exaustos os víveres, tinham procurado salvar-se numa pequena jangada que construíram; mas, segundo todas as probabilidades, tinham morrido. Dois tinham sucumbido depois. Transportaram-se os sobreviventes para o Senegal, onde recuperaram a saúde.

O Sr. De Chaumareys, chamado a França, foi julgado em conselho de guerra. Declarado responsável da perda da Medusa por imperícia, foi riscado da lista dos oficiais de Marinha, julgado incapaz de todo o serviço e condenado a três anos de prisão militar.

NAUFRÁGIO DO COLIBRI

Relatório do Sr. Anquez, voluntário,

ao comandante da estação Naval de Bourbon

A bordo do Berço, 23 de Abril de 1843

Senhor Comandante,

Aproveito o primeiro momento de descanso, que me deixa a febre, para cumprir o penoso dever de apresentar um relatório, tão circunstanciado quanto possível, sobre os acontecimentos que precederam, ocasionaram e seguiram o terrível sinistro do brigue Colibri, a bordo do qual me tinha embarcado como voluntário de Marinha.

Em 25 de Fevereiro, pelas cinco horas e meia, tendo fundeado no ancoradouro de Mourounsanga, a corveta Berço fez o sinal de aparelhar: os três navios, o Berço, o Explorador e o Colibri, fizeram-se de vela com bom tempo, pequena brisa de noroeste variável, conservando-se perto uns dos outros para dobrarem as ilhas Radamas. Pelas seis horas, a corveta fez o sinal de forçar as velas, elevando-se a barlavento, sem perder a almirante de vista. A brisa refrescava e o mar tornava-se agitado. À uma hora e meia o capitão fez o sinal de reunião, secundando-o com um tiro de peça; apercebemo-nos então que o Berço acabava de fundear e deixámo-nos arribar imediatamente para nos juntarmos a ele?.

Tendo a brisa refrescado muito, o capitão mandou colher dois rizes às velas de gávea e o riz da vela grande. Às duas horas e quarenta e cinco minutos, deram-nos o sinal de passar à popa da corveta e o capitão recebeu ordem de sondar governando para sudoeste, a compasso; executámos a ordem recebida, e aumentando gradualmente o fundo de seis a vinte e cinco braças, demos conhecimento disto ao Berço que se pôs a capa, e continuámos a conservar-nos perto para nos elevarmos a sotavento; o mar estava muito agitado, o tempo tinha má aparência e a chuva caía em torrentes. Os últimos sinais de que tive conhecimento foram a ordem de reunião em Mayotte, em caso de separação, e a última vez que vi o Berço, foi no momento em que os três navios viraram de bordo ló para ló, próximo da ilha mais ao norte de Radamas que procurámos costear. Estive de quarto até às oito horas; o mau tempo aumentava e o mar estava agitado. Às oito horas entreguei o quarto ao Sr. Maureau e fui deitar-me. Ouvi, mas indistintamente, «virar de bordo» repetidas vezes, porque, estando fatigado dos trabalhos de dia, dormi profundamente.

Às quatro horas da manhã rendi o Sr. Burger (o tenente) que me disse que o Explorador tinha dobrado a ilha e que não devíamos tardar muito a dobrá-la também.

O capitão, Sr. Orcel, acabava de descer ao seu quarto, depois de ter passado a noite na coberta.

Mandei lançar ao mar a barquinha, andávamos duas milhas e meia por hora, e desci ao quarto do capitão para receber as suas ordens; disse-me que virasse de bordo e passasse para a proa, para me assegurar se dobrávamos a ilha, e fosse dar-lhe conta do que sucedesse. Subi de novo à coberta e amurei a bombordo; fui à proa, mas o tempo estava de tal modo escuro que não pude ver a ilha. Mandei um gageiro em vigia, com ordem de me prevenir logo que tivesse conhecimento dela, e fui dar contas ao capitão do que se passava. Disse-me que estava bem, recomendou-me que o prevenisse se acontecesse alguma coisa de novo, e que exercesse uma extrema vigilância para terra.

Subi novamente ao convés; a brigantina batia com força e ameaçava rasgar-se. Mandei subir o gageiro grande acompanhado por um malgache a fim de ferrarem a respectiva gávea.

Navegávamos amurados por estibordo, debaixo das gáveas nos segundos papa-figos (pois a vela grande, rizada no quarto do tenente, havia sido deitada fora dos rizes) e da vela de estais. O navio tinha muito desvio e fatigávamo-nos muito pela violência do balanço.

O tempo estava muito negro e, como caíam, de vez em quando, algumas gotas de água, isso podia dar aviso da chegada de algum aguaceiro, coloquei quatro homens aos rizes da vela grande a sotavento e um homem à escota. A guarnição de quarto era pequena; compunha-se de quinze homens, mas havia dois isentos de serviço (o cozinheiro e um doente), dois ao leme, dois à brigantina e um de vigia, mais um malgache de sentinela ao farol; restavam-me sete homens dos quais três eram brancos.

As precauções relativamente à vela grande estavam tomadas havia pouco tempo, quando senti caírem algumas gotas de água e refrescar a brisa. Mandei ferrar as velas imediatamente, a sotavento; este trabalho fazia-se devagar e era preciso animar os homens. Enquanto assim estávamos ocupados, o aguaceiro caiu a bordo, tão rapidamente e com tanta força que, conquanto mandasse pôr o leme a barlavento e amainar a grande vela de gávea, dando também ordem com relação à pequena, a inclinação tornou-se perigosa e a água, passando por cima das pavesadas, entrou pelas escotilhas. Não vendo o navio arribar, perguntei ao timoneiro se o leme não estava a barlavento; disse-me que sim e que o navio não obedecia. Saltei à tampa da grande escotilha e chamei toda a gente à coberta, para me desembaraçar da grande vela de gávea e da vela grande; mas, lançando os olhos em torno, percebi que já era muito tarde e mandei largar as escotas das velas de gávea. Infelizmente esta ordem não foi executada e a água começou a entrar nos caixilhos.

O timoneiro chamou o capitão e não teve resposta. Vendo o navio alagado, dirigi-me para a popa e ajudei os senhores Maureau e Burger a subirem ao flanco do navio. Chamei o capitão e não tive resposta. O patrão do bote ocupava-se em cortar-lhe as peias quando o sentiu abaixar-se-lhe debaixo dos pés e desaparecer. Apenas chegámos, Burger, Maureau e eu, ao flanco do navio, submergiu-se e tudo desapareceu.

Como sabia nadar conservei-me na água chamando pelo capitão. Estava desesperado por não obter resposta. Dispunha-me para me afastar, quando alguém me agarrou pelos dois pés e afundámo-nos ambos. Fazia todos os esforços para voltar à tona de água; vã esperança; o desgraçado que reconheci por um malgache apertava-me com toda a força e arrastava-me com ele. Vim três vezes à flor da água e três vezes nos afundámos. Enfim, depois de muitos esforços, consegui soltar-me e voltar à superfície. Comecei a desembaraçar-me da roupa e dirigi-me para um ponto negro que não estava longe de mim.

Era uma barrica vazia, agarrei-a com ânsia e tomei alguma força. Começava o dia a aparecer e tive conhecimento do Sr. Maureau. Perguntei-lhe se tinha alguma coisa para se conservar à flor da água; respondeu-me que tinha metade de uma antena de joanete, que se tinha desprendido dos mastros. Fizemos caminho juntos.

Pouco tempo depois, um terceiro, Lavaquaire, juntou-se a nós, tendo um cavalete da chalupa, e pela manhã tivemos a felicidade de salvar um dos nossos companheiros, Cuviller, que estava próximo de nós e ia afogar-se. Recolhemos também um dos mastros da embarcação dos oficiais. Depois de termos ligado os mastros com pedaços da camisa do Sr. Maureau, fizemos todos quatro caminho para terra, de que estávamos afastados próximo de quatro léguas e para onde o mar, os ventos e as correntes nos levavam. Mais tarde, avistámos sete dos nossos companheiros que se tinham agarrado a uma barrica vazia; mas, como não faziam movimento algum e nós nadávamos em direcção à terra, perdêmo-los de vista, em pouco tempo.

Os aguaceiros eram menos frequentes, mas muito fortes, e a chuva, que era excessivamente fria e caía em torrentes, fazia-nos tremer de frio. Tivemos conhecimento de uma praia de areia que estava diante de nós e da qual parecíamos aproximar-nos bastante rapidamente. As nossas forças diminuíam insensivelmente e estávamos muito cansados. Pelas quatro horas da tarde, depois de termos descansado um momento, achando-nos próximo dos recifes, decidimos separar-nos, tomando cada um um dos pedaços de mastros. Eu agarrei no mastro da embarcação dos oficiais e dirigi-me para terra. Faltam-me as expressões para descrever todos os sofrimentos experimentados neste trajecto. Inteiramente coberto por cada onda que vinha partir-se de encontro à minha cabeça, fazendo-me largar o mastro que considerava como a minha única tábua de salvação, nadei com força para o agarrar de novo. Logo que o pude agarrar, fiquei a seco nos corais que me rasgavam o peito e os braços. Arquejante e quase sem forças, tentei por vezes levantar-me; a dor ocasionada pelo coral, que me entrava pelos pés, não me permitia conservar-me em pé e forçava-me a esperar outra onda que me levava ao fundo e causava dores atrozes. Enfim, depois de duas horas de sofrimentos inexprimíveis, consegui chegar à costa. Completamente ensanguentado e semimorto, dei dois ou três passos e caí, sem poder ir mais longe.

Estava nesta posição, quando senti que a água chegava até mim; o mar subia e queria reaver a presa. O estado de fraqueza em que estava apenas me deixava uma ténue esperança, e a noite chegava. Tentei um último esforço, e rojando-me sobre as mãos e joelhos consegui subir até à altura bastante que o mar não pudesse atingir-me. Fiquei nesta posição durante muito tempo e foi só quando vi um dos nossos marinheiros, Lavaquaire, sair da erva, próximo de mim, que consegui levantar-me. Agarrei num pau e fomos juntos até uma pequena aguada que estava a cinquenta passos. Depois de nos termos banhado, passámos a noite debaixo de uma árvore, tremendo de frio porque a chuva caía sempre.

No dia seguinte, pela manhã, sentindo-nos com alguma força, fizemos caminho para Mourounsanga, a uma légua do sítio em que desembarcáramos. Encontrámos um dos nossos companheiros, Cuviller, que estava connosco nos mastros e teve a felicidade de salvar-se. Exprimir a alegria que senti é-me impossível; pus-lhe algumas folhas de árvore na cabeça e todos três continuámos o caminho. Um soldado hova, que nos viu tão desgraçados, teve a bondade de nos conduzir a casa do Sr. Ramos?, português, residente havia muito tempo entre os Hovas. Fomos muito bem recebidos; já tinha em sua casa quatro dos nossos marinheiros, chegados na véspera à noite. O último de nós que encontrou o Sr. Maureau, depois de nos termos separado dos mastros, foi Cuviller, a quem disse que não o esperasse mais para ir a terra e que se sentia muito fatigado; foram as suas últimas palavras. No dia 28 pela manhã vieram dizer-nos, a casa do Sr. Ramos, que estava o corpo de um homem branco na areia. Depois de termos agarrado num lençol e em qualquer coisa com que pudéssemos fazer uma cova, fomos todos sete para reconhecer quem era e prestar-lhe os últimos deveres. Reconhecemos o Sr. Maureau, que não estava desfigurado, e não parecia ter-se afogado, porque se achava afastado do sítio mais alto a que as ondas podiam chegar. Estava coberto de sangue, que lhe saía pelo nariz, boca e ouvidos, e não tinha nem ferida nem contusão aparente no corpo. É de supor que foi no trajecto dos recifes para terra, em que tanto sofremos, que o Sr. Maureau recebeu alguma pancada, provavelmente pelo choque muito violento das ondas que vinham despedaçar-se em cima de nós e que não podíamos evitar. Uma dentre elas, certamente o lançaria no fundo com tanta força que o faria perder os sentidos e só pela noite adiante poderia ter chegado a terra onde teria morrido por falta de socorros. O que me faz supor isto, é a relação de dois soldados hovas que, estando de sentinela perto de cem passos do sítio em que encontrámos o corpo, dizem ter ouvido gritos durante a noite. O Sr. Maureau foi enterrado; uma cruz feita por Thibaut e na qual gravei o seu nome, serve-lhe de pedra tumular.

O chamado Marco, deixando o navio depois da sua desaparição, teve a felicidade de encontrar Thibaut e dois outros a que se juntou. Tinham uma tábua para se sustentarem e fizeram caminho imediatamente para terra, onde abicaram pelas quatro horas, sem terem feridas graves, mas muito fracos. Puseram-se a caminho para Mourounsanga onde chegaram às seis da tarde; foram perfeitamente recebidos em casa do Sr. Ramos, onde os encontrámos no dia seguinte à noite.

Não posso terminar este relatório, senhor comandante, sem dar parte a V. Ex." da recepção que nos fizeram em Mourounsanga. O Sr. Ramos acolheu-nos e tratou-nos de uma maneira que merece todo o nosso reconhecimento. Muito pobre e muito infeliz, sustentou-nos, hospedou-nos, emprestou-nos roupa e deu-nos o lençol que serviu para enterrar o Sr. Maureau.

O chefe da Alfândega, um rapaz hova, mostrou-se igualmente benevolente; deu-me a mim pessoalmente um fato completo e fez todos os esforços para nos ser útil. Foi a ele que devemos a piroga que levou a Nossi-Bé a notícia do nosso desastre.

Enfim, o governador hova, sem mostrar grande interesse para connosco, mandou-nos dar, todavia, uma pouca de vaca e arroz.

Sou, etc.

Augusto Anquez.

? Naufrágio da Fragata Medusa, por A. Correard, engenheiro geógrafo, e H. Savigny, cirurgião da Marinha.

? A corveta que ia à capa com a sonda na mão acabava de encontrar-se inopinadamente no meio dos recifes de corais, por quatro braças de água. Tinha ancorado para mandar os escaleres sondar este escolho que não é indicado por carta alguma, e saber se o navio o podia passar.

? O original diz Renous.