{\pwi, TahomaCourier NewÐ/à=ð      â=â@~~,»>#### í#######"######## # #####ò##"##!h#F#i#=M#Ê#%Ô#²#4U#Ç#ü#( #_â #»# ;#Ä#/ó# F#*#Æ#*:#g#0#è#‡##w#Y#/½#<'#¦# b# #@# 8##´#È####$## Ì#!# #°##2#]### #±# è#!Œ#?}##+##A##+#*##H##ƒ#¥#f#ö# O# L##17#7ž#5#4# +#¾# #t# #2#+#¾# +#Š# O#Ê#Ž#…# ú# # #–##Ù##A#$ÿÿ"åæ De Jersey a Granville (1831)ÄB"ð A# ÿÿ"åæ ÄB" A# ÿÿ"åæ Alexandre HerculanoÄB"¬ A# ÿÿ"åæ ÄB" A#Díô ÿÿ"åæ De Jersey a Granville (1831) foi extraído do livro Cenas de Um Ano da Minha Vida e Apontamentos de Viagem, integrado nas Obras Completas de Alexandre Herculano e editado pela Editora Bertrand, que gentilmente autorizou a sua publicação.ÄB"ð Ì „ <  ` Ð „ Ì A# ÿÿ"åæ ÄB" A#$ÿÿ"åæ © 1996, Parque EXPO 98. S.A.ÄB"ð A# ÿÿ"åæ ÄB" A# ÿÿ"åæ ISBN 972-8127-40-5ÄB"ˆ A#ÿÿ"åæ Lisboa, Agosto de 1996ÄB" A# ÿÿ"åæ ÄB" A#")ÿÿ"åæ Versão para dispositivos móveis: ÄB"`   A#$ÿÿ"åæ 2009, Instituto Camões, I.P.ÄB"ð A# ÿÿ"åæ ÄB" A#  ÿÿ"åæ ***ÄB"l A# ÿÿ"åæ ÄB" A# ÿÿ"åæ ÄB" A# ÿÿ"åæ ÄB" A# ÿÿ"åæ ÄB" A# ÿÿ"åæ DE JERSEYÄB" D A# ÿÿ"åæ A GRANVILLEÄB" Œ A# ÿÿ"åæ ÄB" A# ÿÿ"åæ ÄB" A# ÿÿ"åæ ÄB" A# ÿÿ"åæ ÄB" A#Åòùÿÿ"åæ Abandonávamos, enfim, o solo de Inglaterra. Seria pela volta do meio-dia quando saltámos no chasse-marée que devia conduzir-nos de Jersey a Saint-Malo, atravessando aquela estreita porção do canal que nos separava da França. Sentimentos encontrados eram nesse momento os meus. O sol resplandecia brilhante, e o ar estava puro e sereno: era um dia de Outono, tão belo como o que mais o fosse em Portugal. De um lado alteava-se a ilha, com os seus outeiros e vales, solo anfractuoso semelhante ao nosso, e a povoação com os seus edifícios cobertos de telha, que nos faziam esquecer aqueles horríveis tectos ingleses de lousa negra, espécie de tabuletas do spleen, penduradas pelos bretões sobre as suas cidades, e onde parece ler-se a inscrição de Dante: ÄB"Ið „ ` ð ð ¨ „ „ ¬   Ì ð ¨ ¨ Ð „ Ì „ ¨ ¨ ô ¨ ` Ì Ì ô   A# ÿÿ"åæ ÄB" A#")ÿÿ"åæ Per me si va nella città dolente.ÄB"`   A# ÿÿ"åæ ÄB" A#âho!ÿÿ"åæ Do outro lado estendia-se o mal', chão e espelhado, que se interpunha entre nós e a França; entre nós e esse país, que, para a mocidade das nações ocidentais da Europa, é como uma segunda pátria; porque lá está o centro das ideias que hoje agitam os espíritos, tanto no que respeita às questões sociais, como no que interessa à ciência e à literatura; porque lá vivem os escritores que melhor conhecemos; que, até, amamos como se foram nossos: país a cujos hábitos, tradições, sucessos e glórias nos têm associado os seus livros, sem o sentirmos, sem, talvez, o querermos. Ao aproximarmo-nos da França o coração não bate violento, nem se derramam lágrimas, como ao avistar a terra em que nascemos; mas o ânimo desafoga-se e abre-se à esperança: vamos tratar homens que nunca vimos, mas com quem de largo tempo vivemos pelas íntimas relações dos afectos e da inteligência.ÄB"SÌ Ì Ì ` ¨ ` ¨ ` ¨  ` Ð < Ì ` ð ð „ ¨  Ì  ð „ Ì ð  < Ì < ô „ Ô A#šFMÿÿ"åæ Éramos seis portugueses a bordo do chasse-marée, além de dois marinheiros franceses e um grumete, entidades análogas aos nossos antigos desembargadores; porque cada um deles cumulava seis ou sete cargos daquela vacilante e pequena república, cargos disparatados, que, todavia, os três personagens desempenhavam perfeitamente, destruindo assim, em parte, a analogia radical que tinham com esses magistrados de pedante e pesada memória, que não desempenhavam bem nenhum. Um cão e três ingleses completavam a colecção dos animais inclusos entre as quatro tábuas da frágil embarcação. ÄB"7„ Ì  < Ì ð „  Ì Ì ¬ ð  Ì `    ¨ „ <  ° A#£ipÿÿ"åæ O chasse-marée é um transporte marítimo, que, na minha profunda ignorância das cousas navais, me parece semelhante ao iate português, ao menos na imundície e na carência absoluta de tudo o que seja comodidade. Nisto, entre parêntesis, não sou eu ignorante; porque tenho experimentado uns e outros, e posso asseverar que seria mui dificultoso de resolver qual dos dois géneros de navios tem parentesco mais próximo com as rudes e acanhadas galés em que, há sete séculos, Guilherme o Conquistador transportou, através daquele mesmo canal, da Normandia para Inglaterra, os ascendentes da actual aristocracia britânica. ÄB":¬ ð  `  ¨ Ì Ì ð <   ð ¨ Ì ` ô Ð „ ð  ` ` A#œMT=ÿÿ"åæ Cómoda ou incómoda, era necessário aproveitar aquela detestável jangada para passarmos a França, e isto por duas razões urgentíssimas: a primeira, porque nenhuma outra embarcação havia no porto de Saint-Hélier com destino imediato para a costa fronteira; a segunda, porque o preço da passagem era apenas uma libra esterlina, e uma libra esterlina era o fôlego maior que podia sair da boca das nossas bolsas, cuja tísica pulmonar ia já no último período. Tendo-nos, portanto, ajustado com o marinheiro que capitaneava o outro marinheiro, e havendo metido a bordo os nossos baús, que, pelo leve e desimpedido, podiam servir-nos de botes de salvação em caso de naufrágio, saímos da caldeira de Saint-Hélier com uma brisa forte de terra, que brevemente nos arremessou para o largo. Era muito depois do meio-dia. Do lado do poente, algumas nuvens brancas recortavam as suas franjas irregulares sobre o chão do céu, que a luz do sol tornava de um azul desbotado. Raras e diáfanas, aquelas nuvenzinhas balouçavam-se no ar, ao que parecia, mais voluptuariamente do que nós, que sentíamos arfar, pinchando dentre as vagas crespas, o nosso pequeno baixel. Pouco a pouco, esses vapores acumulados, cujos contornos ocidentais barravam orlas de ouro, engrossaram, tomando formas determinadas. Depois, correndo gradualmente mais rápidos e interpondo-se entre os raios do sol, já inclinados, e o vulto rugoso das águas, lhes remendavam o dorso, semelhante à pele mosqueada do tigre. Este jogo da luz dava ao mar um aspecto verdadeiramente acorde com a sua natureza. Que é ele, de feito, senão a mais terrível das bestas-feras? ÄB"™< ð < ¨  ¨ Ð ð ` ô ð <  „ Ì ¨  ¨ ` ð Ì `  ¬  ¬   ¬ „ < Ì „ ¨ Ì   „ ð ` ð Ð „ ` ð „  Ì ð  ð „ ð ð `   ð Ì ð ˆ A#;ÊÑÿÿ"åæ E o vento refrescava de instante a instante, e os mastros do chasse-marée principiavam a soltar de quando em quando um gemido doloroso, curvando-se para as velas quadrangulares retesadas diante deles. ÄB"< „ < ` ¨  Ð ` A#ýÔÛ%ÿÿ"åæ O grumete ia ao leme: o marinheiro, que representava e resumia a companha, de bruços e com os joelhos sob o ventre, no ademã do gato que se apresta a saltar sobre o murganho imóvel de terror, parecia examinar os novelos de nuvens tenebrosas que se rolavam no horizonte e cresciam para nós, como visualidade de câmara obscura. A barlavento, o arrais ou capitão (capitaine lhe chamávamos nós, pelo menos), que representava e resumia a oficialidade do navio, com o corpo torcido, e encostado à amurada, firmando a barba nos braços cruzados em cima da borda, também parecia esquadrinhar o céu e o mar. Dir-se-ia que o encapelar das ondas se regulava e media pelas rugas que sucessivamente aumentavam em número e profundeza na fronte tostada do antigo marujo. Um susto vago e inexplicável como que pairava no meio de nós. Era que a postura e o gesto daqueles dois homens tinham um não sei quê sinistro e misterioso, semelhante ao bufar morno do vento que precede e anuncia a procela. ÄB"]< ð `  ð Ì ¨ Ì Ì  < ô ` ð ` ¨ „   Ì ` ð   ð  „ ` <  „ ¨  ¨ ð   D A#µ²¹ÿÿ"åæ Nós os passageiros, assentados numa espécie de canapé mal-afeiçoado, que circundava a coberta à popa, tínhamos insensivelmente caído em completo silêncio; ou, para falar com mais exacção, nós os Portugueses éramos os que nos havíamos calado; porque nem o cão, nem os três ingleses tinham proferido, aquele um só ladro, estes um só grasnido, desde o momento em que saltaram a bordo, na abra de Saint-Hélier. O único ruído que sussurrava era o ranger do baixel e o sibilo do vento, embatendo em nós e abismando-se nos nossos ouvidos, o que nos fazia escutar um som semelhante ao do pinhal que se estorce e verga, ao redemoinharem-lhe por entre as ramas os mil braços da tempestade nocturna. ÄB"D¬ ¨ „ ð ` Ì < Ì ¨  < < ð  ð Ì Ì < „ < ` ð ¨ Ì „ Ð  h A#^U\4ÿÿ"åæ Dos três ingleses, um, velho de cabeça inteiramente branca e rosto inteiramente vermelho, dava certidão, nas cãs, de que a água do baptismo passara por ali havia muitos anos; na cor da tez dava-a de que, também, não havia poucos que ele, levado de um santo respeito pela matéria do principal sacramento, abjurara de coração tocar-lhe com os lábios, contentando-se de humedecê-los com os três líquidos fundamentais de todos os contentamentos possíveis entre os netos dos Kimhris e Saxónios -o rum, o vinho e a cerveja. Dos outros dois, um mostrava ser inglês de cinquenta anos, outro de quarenta; o primeiro, magro, da altura de cinco para seis pés craveiros, faces encovadas, nariz meridional ou antes judaico, isto é, prominente e adunco, tez não tanto morena como macilenta; o segundo, tipo saxónico, isto é, rosto largo e achatado, olhos azuis, guedelhas louras, boca profundamente vincada nas extremidades do beiço inferior, de aspecto aborrido e orgulhoso, como se todo o fumo de carvão de pedra britânico o cercasse com a sua auréola de glória nacional. Demais disso, não havia que duvidar-lhes da pátria: indicava-a o cheiro dos seus vestidos, suavemente impregnados do fartum sebáceo de carneiro e aromatizados com os eflúvios nauseantes da infusão de chá preto, os quais constituem a fórmula odorífera da sociedade política chamada os Três Reinos Unidos. ÄB"‚ð  Ð ð ô ` ð ¨ „ Ì „ < ` „ ` ` < ð ð  ð Ì ð ð Ð Ì „ ð ð „ ô   „ ô  Ì < ¨ ô Ì „ Ì   ¨  ` ¨  `  A#ºÇÎÿÿ"åæ Pois também há cheiros nacionais? -dirá o leitor. Que dúvida! Cada nação tem a sua crença, a sua língua, e o seu cheiro. O credo inglês é representado não sei ao certo por quantos centenares de seitas, que se mandam reciprocamente para o Inferno, desde a Igreja Anglicana, em que os bispos e arcebispos (poetas, anfitriões, milionários e políticos) bradam anátema contra as vaidades, luxo e cobiça de Roma, até os metodistas, que vão para os seus templos caçar as inspirações de cima, inspirações que muitas vezes são papadas por velha fanática e tonta, e ouvidas pelos seus irmãos, com uma compunção que daria vinte comédias a Gil Vicente, se hoje vivesse, e viajasse pelo Might Empire do vapor e da cerveja. ÄB"F ¨ ð  ð  „ ô ô <  ¬ „ „ ¨  Ì ô Ð ð ô Ì ¨ „ ¨  ¨  D A#Çüÿÿ"åæ A brisa, que ao sairmos de Jersey era em popa, rodou sucessivamente para noroeste, e, antes do pôr do Sol, soprava já violenta do lado do oeste. Nós seguíamos, pouco mais ou menos, o rumo do sul, e a mudança do vento, posto que ameaçadora, tinha sido momentaneamente uma vantagem de comodidade: o chasse-marée corria à bolina, e por isso o seu arfar se tornara mais suave. No horizonte, quase pela popa, divisávamos ainda o promontório de Noirmont, e pela nossa esquerda prolongavam-se quase imperceptivelmente as costas de França, como uma linha negra lançada ao través dos mares. O silêncio que reinava a bordo dava certa melancolia solene ao quadro do céu nublado, das vagas revoltas, e da terra que parecia quase desvanecer-se na orla das solidões do oceano. ÄB"I¨ „  < Ì ` Ì  Ì ` „  „  Ì ¬ ¨ ¬ Ð ð „ Ì   < ð ð „ Ð A#  (ÿÿ"åæ O inglês velho, que ia justamente assentado à minha direita, a pouco mais de meia milha de Saint-Hélier, começou a empalidecer. O ar marinho é inimigo figadal do fastio, e por isso, teríamos apenas navegado duas horas, quando começámos a experimental', nós os Portugueses pelo menos, a imutabilidade inflexível desse axioma dietético. Tirámos algumas das nossas provisões, e pusemo-nos a despachar os requerimentos do estômago. Ofereci ao velho que tomasse parte naquela refeição; mas ele recusou, declarando-se seasick (enjoado); todavia, para não perder, como verdadeiro inglês, os prós da minha boa vontade, entendeu que podia trocar uma obra de misericórdia por outra, e deixando-se escorregar do banco ao convés, fincou-me sobre os joelhos a cabeça estontecida, e cerrou os olhos. Recomendei então a Deus os meus pobres ossos crurais, ameaçados de chegarem a França em estado de para nada prestarem, visto ser a cabeça do velho uma legítima cabeça britânica: dura, pesada e maciça, como o governo da companhia inglesa na Ásia. ÄB"d ð   Ì ð ð Ì ˆ ô „ ` < ¨ „  ¨ „ ¨ ô ð < ð Ì ˆ „ „ ¨ „ ` „ „ ô Ì  „ ¨  ð  D A#â é _ÿÿ"åæ Porque não repelia eu a familiaridade ominosa do bom inglês; de um homem que, como português, tinha obrigação de repelir? Era porque em contrário havia duas considerações graves. Uma cabeça branca é sempre respeitável, ainda que assente sobre o tronco de um filho da Grã-Bretanha. Além disso, o cesto de verga em que iam as nossas provisões estava ali como um espectro, que me embargava sacudir a fronte do ancião para o travesseiro macio do convés gordurento. O porquê desta acção simpática do cesto sobre o meu espírito di-lo-ei em breves palavras. Miss Parker de Plymouth era uma donzela de sessenta anos; excelente criatura, que nos dera cama e luz por dois meses naquela cidade, mediante a bagatela de três xelins semanais por cabeça. A Inglaterra, como todos sabem, é o país da franca e sincera hospitalidade. Éramos aí nove portugueses, em seis camas e três aposentos, o que dava certo ar pitagórico e misterioso à família, que, dirigida por Miss Parker, podia servir de modelo às outras ninhadas de emigrados que ainda viviam em Plymouth. Ninguém tinha uma patroa como nós, e os seus lodgings eram a pérola das albergarias de Plymouth. A princípio, havia-se encarregado de nos preparar a comida; mas poucos dias pudemos resistir aos abomináveis temperos do país. É precisa uma raça de estômagos que ainda fosse antropófaga no meado do quinto século da era cristã para lutar vantajosamente com a cozinha de Inglaterra, e estes estômagos só os Ingleses os possuem, segundo o testemunho do seu historiador Gibbon. Os nossos cederam a tão dura prova, e vimo-nos obrigados a dispensar Miss Parker do mister de nos envenenar. Quanto ao mais, éramos verdadeiramente seus filhos em espírito; em espírito, digo, porque, afora muitas reflexões pias que se dignava fazer-nos, a nós pobres idólatras do catolicismo, obrigava-nos a respeitar o domingo com o inteiro rigor da Igreja Anglicana, isto é, a morrermos de tédio e tristeza, proibindo em sua casa todo o género de divertimento, ainda o mais inocente, desde pela manhã até sol-posto, momento em que, naquele abençoado país, Deus cede ao Diabo o resto do dia dominical, e em que a devassidão e a embriaguez, tripudiando nos prostíbulos e nas tabernas, se vingam das dez ou doze horas de sermões impertinentes dos clergymen e de salmos desafinados pelas vozes roufenhas e prosaicas da turbamulta, debaixo das abóbadas santas, poéticas e venerandas das antigas igrejas católicas, repartidas hoje em camarotes de teatro pela pureza aristocrática e beata do protestantismo inglês. ÄB"î< ð    Ð „   ð Ì ¨ Ì ð ¨ < Ì ¨ `  ` ¨ „ Ì ` ô Ì   ð  ð ¨ ô ¨ „ „ ð   ð Ì  Ì  „  ô „ < Ì  ¨ ô ð ¬  Ì Ð ` `  Ì „ ¨  < „ ¨ Ì ð  ¨ ô ¨ ¨ „ ð  „ ¨  Ì ð  Ì Ì ¨ Ì   Ì Ì <   A#w»Âÿÿ"åæ Miss Parker foi o único fôlego vivo da Grã-Bretanha a quem, na minha estada em Inglaterra, devi um benefício: quando partimos para Jersey, deu-nos um cabazinho, em que levássemos a nossa matalotagem, e derramou algumas lágrimas ao despedir-se de nós. Aquele cabazinho era o que estava ante mim e me sustinha em cima dos joelhos a cabeça do velho. Sobre as vagas procelosas do canal da Mancha, saldava assim as minhas contas com a Inglaterra. ÄB"-<  ` ¬ ¨ < ð  ð ¨ ¨ „ ð ô  ` ¬  ° A#W;B ÿÿ"åæ O vento continuava a rodar para sudoeste, e os nossos dois marinheiros colheram parte do pano e mudaram algum tanto de rumo; depois tornaram a assentar-se na mesma postura em que estavam, e tudo voltou ao anterior silêncio, que só era interrompido pelo marulho das ondas, espalmando-se no costado do chasse-marée. ÄB"¨ ¨ „  ô „  „ Ð  < „ A#9ÄËÿÿ"åæ Mas um flagício, mais abominável ainda que os condimentos ferozes da cozinha inglesa, veio cortar atrozmente este silêncio triste, que representava no meio de nós a previsão de iminente procela. ÄB"ô <  ð ` Ì „ ˆ A#Eóú/ÿÿ"åæ O inglês alto, de gesto esguio e nariz hebraizante, tinha-se assentado ao pé do outro inglês afeiçoado pelo tipo saxónico, no topo esquerdo da banqueta corrida ã popa. Duas ou três vezes, desde que levantámos ferro, ele dirigiu ao companheiro uma rosnadura, a que este respondeu com o estirado monossílabo Yes. À quarta vez, aquela resposta lacónica foi proferida com certa melopeia de resignação, que cortava os fios da alma, e acompanhada de um volver de olhos azuis, onde se pintava uma súplica de piedade. Mas o inglês aguçado carregou o sobrolho e, metendo a mão ao seio, pôs-se a procurar o que quer que era na algibeira interior de uma das quatro sobrecasacas que tinha vestidas. Eu observava esta cena; sabia o que pode o spleen, e o receio de algum anglicídio passou-me pela mente, ao contemplar o aspecto torvo de um e o gesto confrangido e tímido do outro. O vento sibilava violento, as águas começavam a tingir-se de negro, e o céu estava completamente toldado; era meio poema britânico. Um tiro de pistola e um cadáver baldeando ao mar completariam uma epopeia. Nas feições do inglês esgrouviado parecia-me ler duas palavras – Spleen e Poeta – e por isso os meus temores não eram infundados, como, no primeiro momento, talvez os tenha julgado o leitor. ÄB"v< Ì Ì Ì  ð Ì Ì ¨ „ ` „  < Ì ¨ Ì ð  „ ð  „ ¨  Ì ` Ì „   < < ð   ð ð  Ì  ð ¨ ð ¨ „   A#ÚFM ÿÿ"åæ E o mais era que eu acertara, farejando em Mr. Graham Senior (eram os dois ingleses irmãos, segundo depois soubemos) um fazedor das regrinhas que na língua inglesa correspondem ao que nas línguas do Meio-Dia é e se chama versos. O honrado MI'. Graham não procurava na algibeira o âmago e substância da idealidade e poesia britânicas, a pistola suicida. Não! Era cousa mais atrozmente assassina; era um caderno grosso de letra microscópica, onde provavelmente se continham as suas inspirações inéditas! Estava explicada a longa taciturnidade dos dois. O perverso meditava aquele fratricídio intelectual desde a partida de Saint-Hélier, e os quatro grunhidos abafados que lhe ouvíramos tinham sido quatro tentativas para predispor a vítima. De feito, quando ele sacou o alentado canhenho, Mr. Graham Junior parecia inteiramente resignado. ÄB"P <   ` < Ì Ì ¨ ð ¬ ¨ ð ð ð < ˆ  ¨ ` „ `  ð ð    Ì Ì Ð  Œ A#,–*ÿÿ"åæ Aquele atenazador das orelhas do próximo começou a sua leitura pela primeira página. Era um algoz de consciência, e já se podia prever que tinha a boa tenção de atormentar-nos enquanto durasse o dia, que felizmente se inclinava a seu termo. Como me foi possível, percebi aos trinta ou quarenta versos que era um poeta da escola de Pope ou, como quem o dissesse entre nós, um poeta da Arcádia. Cá teria falado em Jove, Marte e Neptuno, nas musas, nos zagais, nas ninfas, na tuba de Calíope ou na sanfona não sei de que deusa; lá, nas inspirações de Mr. Graham, eram as paixões, os vícios, os afectos personalizados quem fazia o serviço dos seus poemas: aqui a esperança, ali o desalento; ora a temperança, logo a desenvoltura. Aquela poesia frigidíssima fazia-me lembrar do Olimpo, do Pindo e da Castália dos nossos árcades, e de algum modo me consolava das misérias domésticas, ao ver que a poesia cadavérica das formas e convenções não vivia unicamente entre nós, mas ainda ousava, no canal da Mancha, misturar as suas sensaborias académicas com o bramido terrível do vento e com o fervor estrepitoso das vagas, que entoavam acordes a sublime invocação da procela. ÄB"i `  ð ` ô <  „      Ì ¨   „  ð ô Ì   ` Ì  ` ð ð Ì Ì Ì Ì  ` ð Ì ð   A#ºÆÍÿÿ"åæ O poeta esguio declamava as suas regrinhas lentamente e com todos os requebros da melopeia inglesa, género de canto semelhante ao gemer rabugento de uma criança na primeira dentição. O pobre diabo, posto que, provavelmente, acreditasse que nenhum de nós o entendia, pensava, por certo, que, nova espécie de Orfeu, bastavam os sons das suas palavras harmoniosas para nos arrebatarem e extasiarem, a nós selvagens da Europa, como com tanta graça e verdade denominam os escrevinhadores de John Buli os habitantes da Península! Pensava assim, decerto; porque, de quando em quando, volvia para nós os olhos, com aquele sorriso de complacência estúpida que é peculiar na cara de um inglês vaidoso e contente de si. ÄB"AÌ Ì „ Ì „ Ì ¨ d ¨     Ð Ì  „ ð  „  ¨ ð Ì  ¨ A#:A*ÿÿ"åæ Um dos exemplos mais lamentáveis da cegueira do espírito humano é a persuasão em que os escritores de Inglaterra estão de que possuem uma língua literária falada; isto é, que os sons quase inarticulados do seu chilrear e grunhir correspondem suficientemente aos grupos de caracteres alfabéticos de que eles se servem para representarem os próprios pensamentos. Todavia, a língua escrita de Inglaterra nada tem que ver com a linguagem em que a nação se exprime: são dois tipos diversíssimos, que dão forma sensível ao pensamento. Abri um livro escrito em qualquer outro idioma da Europa, e fazei ler por ele um estrangeiro completamente ignorante desse idioma: o natural do respectivo país, aquele que o falou desde a infância, entenderá tudo ou quase tudo, se escutar essa leitura. Fazei a mesma experiência com um livro inglês: o natural de Inglaterra não entenderá provavelmente urna única palavra. É que na realidade entre este povo, em tudo singular, os sinais chamados letras não têm um valor constante e determinado, e por isso não podem corresponder rigorosamente a um som. ÄB"iÐ ¨  < < ð Ì ¨ ˆ ð ` ¨ ð ô ð Ì ` ¨ ð  ` ` Ì ð „ Ì ¨ Ì Ì  ` Ð ` ` Ì ` ð < ¨ ˆ ð   A#¢gnÿÿ"åæ A Inglaterra há visto nascer no seu grémio grandes poetas, Shakespeare e Byron bastariam para lhe dar uma glória imensa. Mas a sua poesia reside toda no pensamento, na essência da arte. As formas externas são rudes, bárbaras, ou flutuantes. Shakespeare e Byron foram dois selvagens, um porque estava além da civilização, outro porque estava aquém dela; mas foram, talvez, as duas almas mais sublimemente poéticas da Europa. Porque, pois, não souberam ajuntar a melodia material às harmonias íntimas das suas ideias? Foi porque não podiam converter em palavras humanas o intolerável grasnido dos seus compatriotas. ÄB":ð   < `  Ì  ð Ì ` „  ¨ ` „ ¨  Ì < ˆ  ø A#I0ÿÿ"åæ Uma cousa que sempre me acontece em ouvindo falar um inglês é notar as misteriosas analogias que há constantemente entre a língua de qualquer povo e os seus hábitos de moralidade. Considerai, por exemplo, a língua alemã: é um idioma perfeitamente acentuado; os vocábulos escritos correspondem rigorosamente aos falados: não há aí luxo inútil de letras: todas se proferem, todas representam um som ou uma articulação. Os caracteres do alfabeto nunca serviram para enganar o estrangeiro. Não achais nisto uma expressão do ânimo leal, franco e singelo daquele povo? A Deutsche Treue, a fé germânica, não se reflecte, como em um espelho, na língua desse país? Agora escutai um inglês: dois terços de cada palavra, como a representam os sinais alfabéticos, não se proferem; devora-os o leitor: são uma armadilha para obrigar os lábios peregrinos a darem silabadas; o Inglês pronuncia com os dentes cerrados, como se temesse que essas palavras-ouriços lhe fizessem, ao perpassarem, os lábios em sangue. Não achais nisto um tipo de cobiça e avareza? Um pensamento enganoso? O algodão tecido à sorrelfa com a lã? Não descobris lá o pensamento do tratado de Methuen, ou do desembarque de Quiberon? Não se revela no coaxar das rãs de Wordsworth e dos poetas dos lameiros o British Interest?ÄB"x< ð  @  ¨  ¨ „ Ì ˆ ¨ Ì ¨ Ì  ð <  ð ` ð Ì  ð Ì Ì    ð Ì <  ¨ ð ð „  ð  ð „ ð Ì ¨   D A#‚èïÿÿ"åæ Tais eram as reflexões em que eu estava embebido, enquanto o poeta mastaréu acreditava ter-nos enleado a todos com as melífluas toadas do seu poético lavor. A noite, entretanto, despenhando-se de castelo em castelo de nuvens, lançava sobre o dorso do mar revolto o seu manto de escuridade. O sectário de Pope cedeu então às trevas: fechou o canhenho e resguardou-o outra vez dos olhos profanos debaixo da meia fábrica de Leeds que fora absorvida na mole imensa dos seus quatro casacões. ÄB"- ð Ì Ì ¨ <   ð  „ Ì ¬ ¨ „ „  ¨ A#*‡Žÿÿ"åæ Mr. Graham Junior, apenas seu respeitável irmão cessou de ler, volveu para ele o rosto melancólico, e murmurou, depois de um suspiro: ÄB"  Ì ð `  A# ÿÿ"åæ -Aye! Very good! ÄB"d A#&w~ÿÿ"åæ Com os três Yes precedentes faziam a conta de seis palavras ou grasnos, que despendera naquele dia Mr. Graham Junior. ÄB" Ì  ` ¨  A#Y`ÿÿ"åæ Dois ingleses ridículos são indubitavelmente as duas cousas mais ridículas deste mundo. ÄB" Ì ` Ì ü A#8½Ä/ÿÿ"åæ O temporal que se preparara durante a tarde desfechou em cima de nós com o cerrar da noite. O vento saltara inteiramente ao sul, de modo que nos ficava ponteiro. As vagas acumulavam-se em serras, que, alçando-se e topando em cheio, se enlaçavam e confundiam, como dois lutadores furiosos. Depois, a mais possante, sumindo debaixo de si o grande vulto da sua contrária, erguia o topo esguio, que vacilava um instante e caía, desfeita em catadupas de espuma, nos vales profundos cavados momentaneamente em volta dela. A luta daqueles vagalhões gigantes, em pé sobre o abismo das águas, estreitando-se e despedaçando-se, como as hienas e tigres num circo romano, vista assim ao lusco-fusco, sob céu achatado e cinzento, era uma sublime peleja! Todos os espectáculos da Terra -dos homens ou da Natureza -que são ou que valem, comparados com a cólera da procela que passa no oceano? Menos que farsa sensabor de títeres, comparada com o Hamlet e com o Otelo representados por Betterton ou por Garrik. O mistério dos mares é de todas as obras da criação aquela em que mais profundamente o Senhor estampou o seu verbo; a inscrição indelével e indubitável que narrará perpetuamente ao género humano o seu infinito poder. ÄB"vÌ ð Ì  ð Ì  „ Ð ð ` ` < ¬ ` < ð ` < ` ô „ „ @ ` „   Ì  ¨ ` < Ì ¨ Ð ð „ ¨   ` ð < < <  A#’'.<ÿÿ"åæ O chasse-marée havia-se posto à capa. O vento não consentia já que surdíssemos avante, e o arrais, depois de breve conferência à proa com o seu companheiro, veio declarar-nos que seria impossível seguir o rumo de Saint-Malo; que era necessário pôr a proa nas costas da Normandia, e dirigirmo-nos a Granville; que, finalmente, só aí poderíamos tocar em terra na manhã seguinte. Recebemos esta desagradável nova com mais heróica resignação, se é possível, que a de Mr. Graham Junior, ao levar a sova poética das inspirações fraternas. E que não nos resignássemos! A imutabilidade do nosso destino proclamavam-na os silvos do vento e, o que mais era, a declaração do arrais. Um capitão de qualquer baixel é o absolutismo encarnado: as suas decisões equivalem à fatalidade moslémica. Em muitos sermões políticos, que é a espécie mais impertinente do género literário -sermão –, tenho lido comparações fulminantes contra os tiranos, buscadas no despotismo asiático. Se eu caísse na miséria de fazer eloquência política, não ia tão longe buscá-las. Saltava no primeiro iate, chasse-marée, ou sloop, e, travando do arrais, dizia ao mundo: ecce homo; eis aqui a flor, a maravilha, o ideal de todos os despotismos possíveis. Os que andam incomodando Átila, Kulikan ou Timur, para aferir por eles os tiranetes quase ridículos da Europa moderna, são dissertadores de água doce, que (para me servir de uma frase do autor de Misser Harold) nunca puseram a mão sobre a juba crespa do oceano. Tirania e arrais são sinónimos: digam o que quiserem os extirpadores implacáveis das sinonímias.ÄB"–  ð „ ð d  Ì ¬ „  ¨  ð „ ¨   < < ` @  „  ð   „ `   Ì „ ô Ð ¨ ¨ Ì ð d ¨ ð ð  Ð <  Ì ð  Ì ¨ ` Ì  ð  ` Ì A#²¦­ÿÿ"åæ Maître Jean Legris era um verdadeiro arrais normando: duro, carrancudo e inexorável, como os piratas do século duodécimo seus antepassados, de que tão pavorosas memórias restam nas costas de Portugal e de Galiza. Ouvimo-lo com mágoa, mas com respeito, porque não havia replicar. O chasse-marée obedecia ao leme, o leme ao marinheiro, o marinheiro ao capitão, e o capitão, pactuando com o vento, resolvera empalmar-nos Saint-Malo e a Bretanha, para nos dar em troco Granville e a Normandia. Por isso, antes de nos comunicar as suas intenções, mestre João tinha dado a popa à tempestade e tomado o rumo de leste. Contava de antemão com a obediência que não lhe podíamos refusar. ÄB"A„ Ì ˆ Ì ` `  < ð ð d `  ¨ `   ð ð ` ð ¨ < `  ˆ A#abi ÿÿ"åæ Enfim, anoitecera: a única luz que víamos nas campinas do céu e das águas era aquela espécie de branquejar fantástico e transitório da escuma, que é para o luar o que um retrato de morte-cor para um vulto original menos que frouxíssima claridade, e mais que o crepúsculo esbranquiçado e indeciso de um corpo alvo e que mal se divisa no meio das trevas. ÄB"!¨ Ì  ô Ì Ì Ì ð ð ô Ì ¨ Ì A#N ÿÿ"åæ O chasse-marée, galgando por cima das ondas, no meio do refluxo delas, devia parecer, visto de longe, um baixel misterioso e infernal, perseguido por espectros que surgiam sucessivamente dos abismos e que, em roda dele, dançavam danças malditas, envoltos em seus alvos sudários. ÄB"ð ¨  „  ð ¨ ð „   h A#Ø@Gÿÿ"åæ Bem importavam a Mr. Graham, o fratricida psicológico, aquelas solenes tristezas de uma noite procelosa! Tirou um frasquinho de aguardente que trazia a tiracolo, bebeu um largo trago, e alevantou-se, dirigindo-se à escotilha da espécie de câmara que nos ficava debaixo do tombadilho. Era um pinheiro! Quando o vi em pé, receei que o sul o partisse; mas nem sequer rangeu. Se me não mente um cálculo rápido, Mr. Graham era, ao menos fisicamente, um poeta da força de oitenta cavalos, medida britânica: era um poeta de alta pressão; era um poeta warranted, para me exprimir como os lacónicos letreiros de todas as peças de fazendas inglesas falsificadas. Mr. Graham Junior seguiu Mr. Graham Senior, non passibus aequis, como mais curto que era. Ouvimos lá em baixo ainda dois ou três regougos; depois, tudo caiu de novo em silêncio. ÄB"Nð „ ð  ð Ì ð Ì „  ð „ ` ¨ ¨  „ ¨  ð  Ì Ð ` ` ð ` „  ð  h A#V8? ÿÿ"åæ O velho que se me encostara sobre os joelhos, apenas viu os seus compatriotas buscarem a colheita para a noite, ergueu-se e, cambaleando, chegou à íngreme escada que conduzia à estreita câmara. Pôs um pé no primeiro degrau, pôs o outro no segundo, tornou a pôr aquele no ar, e disse com o corpo no fundo – pam! ÄB"Ì ð  ` „ Ì Ì  < ð ð ´ A#‰ ÿÿ"åæ Era o som de um cask de cerveja caindo de vinte pés de altura. Ouviu-se um grito rouco e mais dois grunhidos dos seus respeitáveis patrícios. Tinha arrebentado o saxónio ou espalmado o poeta? Talvez ambas as cousas. Corremos a acudir-lhes, levados pelo primeiro impulso de humanidade. Os primeiros impulsos, nestes casos, não prestam nem para Deus, nem para o Diabo, porque são estupidamente involuntários. Seja isto dito, com paz do leitor, como desculpa da nossa caridade e como descargo da consciência nacional. ÄB"5< Ì ð Ì ô ð `  ˆ „ ¬ ` Ì ¨ ` ð ¨ ` ô <  h A#u´»ÿÿ"åæ Para clareza desta importante narração, é de saber que, apenas viráramos de rumo, o marinheiro substituíra o grumete no governo do leme, como ministro responsável de mestre João, e o grumete fora assentar-se à proa, no lugar que deixara o seu sucessor, exactamente como um ministro demitido, que vai tomar assento nos bancos da oposição. Dali olhava para o tombadilho, fazendo a segunda, com um assobiar monótono, ao bramido do vento. ÄB"+ „ Ì ` Ì ð  ð Ì ð < ô ð ô ` < ü A#:ÈÏÿÿ"åæ Chegámos dois ou três à escotilha onde soara o baque do velho. Íamos a descer, a risco de nos despenharmos também, quando a cabeça de MI'. Graham Senior começou a surgir, como uma visão de Manfredo: ÄB"< ð Ì „ ¨ ð „  h A# ÿÿ"åæ ÄB" A#ÿÿ"åæ What dost thou see? –ÄB"ô A# ÿÿ"åæ ……………….ÄB"ü A#$+ÿÿ"åæ I see a dusk and awful figure rise.ÄB" ´ A# ÿÿ"åæ ÄB" A#;ÌÓ ÿÿ"åæ À luz da bitácula, que enviava um raio frouxo ao rosto do grumete, o poeta acenou-lhe que se aproximasse, sem se dignar de olhar para nós humildes criaturas, que havíamos parado em roda de sua grandeza. ÄB" „ „ d  < < ô  h A#!(ÿÿ"åæ O rapaz chegou-se a Mr. Graham. ÄB"<   A#I ÿÿ"åæ -Brandy! -rosnou este, com o aspecto temerosamente carrancudo e imperativo de um Nelson, dando a ordem de acometer na batalha de Trafalgar. Dizendo e fazendo, mostrava o seu frasco de aguardente virado de boca para baixo. O rapaz pôs-se de novo a assobiar.ÄB"ð ô  `   ` „  @ A#4°·ÿÿ"åæ Nós então ousámos perguntar a sua extensão se porventura sucedera algum fracasso aos seus compatrícios. Ele lançou-nos um olhar oblíquo, e em voz mais alta bradou ao grumete: ÄB" ¨ Ì  ð ð  D A# ÿÿ"åæ -Rhum! ÄB"ü A#29ÿÿ"åæ -Não há -respondeu o rapaz, entre dois assobios. ÄB"Ì ô A# ]dÿÿ"åæ -Bring rhum, boy! -insistiu o cantor da temperança, já colérico, e fazendo-se desentendido. ÄB"  `  ø A#,—ÿÿ"åæ -Chien d'anglais, não percebes?... -exclamou o grumete na sua língua nativa, com um gesto de impaciência; e acrescentou, voltando-se para nós: ÄB"ô `  ð ¨  h A#ÿÿ"åæ -Que diz este diabo? ÄB"ô A#‹ ÿÿ"åæ -Que lhe ponhas para ali cachaça -ia eu a dizer, parafraseando em francês os três monossílabos britânicos, quando fui interrompido por um mugido, súbito, incisivo, retumbante, que sobrelevou o rugir da tempestade. Soltara-o Mr. Graham, que, cerrando os punhos, com todos os ademanes de um professor de soco, crescia já para o pobre grumete, o qual avaliara erradamente a linguística do poeta. Ele percebera às mil maravilhas as duas personalidades de cão e diabo, que ousara dirigir-lhe o imberbe e enfarruscado normando.ÄB"2` < Ì  Ì ð ð Ð ¨  Ì ¨ ô  „ Ì  ¬ <  A#µ±¸ÿÿ"åæ Felizmente para este, uma onda galgando, exactamente neste momento, à popa, veio lavar o tombadilho, e um forte balanço, fazendo perder o equilíbrio ao filho da Grã-Bretanha, o estendeu ao comprido na água que passava em demanda da proa, com grave perigo do precioso manuscrito do casacão. Estirado sobre a tilha do chasse-marée, e coleando e bufando para se levantar, Mr. Graham representava sofrivelmente o papel de um congro tirado naquele instante do mar. Quando ele, enfim, pôde concluir o plagiato que fizera ao tombo do seu velho compatriota, o grumete tinha-se já retirado ao anterior posto, sobre os escovéns, e continuava o seu acompanhamento de assobio ao estrepitar do vento. ÄB"A„ ¨ Ì `  ` Ì ð   ð ` ¨ Ð ð „ ` < < ð  < ` ð ð ô A#Bèï ÿÿ"åæ Mr. Graham meditou um momento. Parece que o abalo da queda e a frescura da água lhe haviam modificado poderosamente o órgão da combatividade; porque, sem dizer palavra, desceu outra vez para a limitada câmara da frágil embarcação. ÄB"ô Ì  ô ` ¨ Ì  ¬ A#댓!ÿÿ"åæ Este incidente, que passara com grande rapidez, podia ter dado motivo a uma séria desavença entre o arrais e o poeta, porque mestre João mostrava-se assaz cioso da própria autoridade, para não consentir que um dos seus súbditos fosse punido por haver recusado uma cousa que, talvez, não houvesse realmente a bordo, e por ter dito duas verdades duras a um conterrâneo dos nevoeiros e dos beefsteaks. Mas, porque não se exprimiu Mr. Graham de modo que o grumete o entendesse? Como imaginou ele que o pobre rapaz pudesse perceber os seus três monossilábicos grunhidos? É que o orgulho e o patriotismo britânico andam aninhados em tudo. O que nos outros países se olha como um primor de educação, em Inglaterra é uma indecência. Um inglês parece envergonhar-se de saber algum idioma estranho, sobretudo o francês, que nos países continentais não é permitido ignorar a qualquer indivíduo medianamente instruído. ÄB"SÌ  < ð „ ¨ ð „ „  Ð ð  Ì Ì  Ð  „ ô Ì  ð  „  ð  ð < ð ð ` A#¨}„?ÿÿ"åæ A língua francesa, pela sua simplicidade, regular sintaxe, determinada prosódia, e mais circunstâncias que a tornam fácil para os estrangeiros, tem obtido certa universalidade, que a vai convertendo, por assim dizer, em língua geral, principalmente na Europa. Este predomínio da língua francesa deve ter, talvez, em mais ou menos remoto futuro, graves consequências políticas. É por esta razão que aos Ingleses dói excessivamente tal predomínio. Primeira nação do mundo, como potência material; representando nos tempos modernos uma imagem da antiga Roma, a Inglaterra malsofre ser intelectualmente inferior à Alemanha e à França. A influência moral que, pelos seus livros, esta última exercita na Europa, nomeadamente nos países ocidentais, tende a aumentar aí a sua influência social, na razão directa do progresso de civilização desses países. A França actua pelas ideias, enquanto a Inglaterra o faz pelas esquadras: mas a acção das ideias cria a semelhança de crenças, de costumes e de afectos, enquanto o temor das esquadras, o aparato do poder, as insolências do forte contra o fraco só geram ódios fundos, que se vão legando de pais a filhos; que se vão acumulando no tesouro comum das gerações que vêm surgindo. Estes ódios são um incêndio que lavra e que pode abrasar a Inglaterra, num desses dias aziagos que amanhecem para as nações, como para as famílias. Uma crise basta para perder o Reino Unido, e esta crise é fácil num corpo moral cuja fisiologia é monstruosa e antinómica. A Grã-Bretanha deve saber que os ecos do continente repetem de contínuo a grande voz do povo, que, em mais de um país, murmura aquele terrível verso do poeta italiano: ÄB"žÌ ô Ð @ Ì Ì @ „  @ „ „  ð Ð Ì Ð ˆ  Ð Ì  „  < ¨ ð ¨ < ð Ì   ð Ì ð ð ð  < `  `  ð ¨ ð  „ < „ ¨ „ Ì ¨ „ ¨ „ ô ` `  „ A# ÿÿ"åæ ÄB" A#+2ÿÿ"åæ Siam'servi, si: -ma servi ognor frementi! ÄB"„ @ A# ÿÿ"åæ ÄB" A#™AHÿÿ"åæ Ninguém como os Ingleses tem o instinto da vida política. Nuns, este instinto é ajudado pelo raciocínio; noutros, pelo orgulho nacional. A Inglaterra desejara tirar à França as influências intelectuais: para isso fora necessário generalizar a própria língua. Aí é que bate o impossível. Entretanto o Inglês vai falando o inglês na terra e nos mares, quer o entendam, quer não, e só em casos desesperados recorre a algum idioma estranho, não sem o torcer, estafar e mutilar, com toda a barbaridade de um verdadeiro kimhri! É uma teima perpétua entre a Europa e a Grã-Bretanha: ÄB"7ð ð  „ ` Ì ô ð `  ¨ Ì ð Ì ð ¨ < ¬ ð ð ˆ ø A# ÿÿ"åæ ÄB" A#+2ÿÿ"åæ O mundo a porfiar que os bretões grunhem; ÄB"` d A#*1ÿÿ"åæ E os bretões a teimar que o mundo mente. ÄB"Ì Ô A# ÿÿ"åæ ÄB" A#HOÿÿ"åæ Aquele caso de Mr. Graham fora mais um capítulo desta polémica eterna. ÄB"„ Ì d A#郊#ÿÿ"åæ Nós os Portugueses pensámos então em buscar uma guarida para passarmos a noite, porque algumas pingas grossas de chuva nos anunciavam um aguaceiro iminente. Dirigimo-nos a mestre João, que nos declarou categoricamente ser impossível dar-nos entrada na toca miserável a que ele tivera a ousadia de pôr o nome de câmara; e isto pela razão composta de que os três ingleses a ocupavam inteiramente, e de que não podiam ser dali expulsos, tendo pago trinta xelins por cabeça, enquanto nós pagáramos só vinte. O argumento era de uma solidez irrepreensível. Pedimos-lhe, todavia, humildemente que nos declarasse onde nos poderíamos resguardar da água do mar e do céu; porque, se houvéssemos pretendido passar a nado de Jersey para França, escusáramos ter-lhe pago a mal-aventurada capitação de uma libra esterlina, que nos fazia descer, na escala social, dez xelinz ou dez furos abaixo dos três ingleses. ÄB"XÌ Ì <  ¨ ¬ Ì @ ¬  ` „ Ì  ¬ ¨ „ ð Ð ô ð ð  ¬  Ì   ¨ Ì ð < „ ô  h A#²¥¬ÿÿ"åæ Os selvagens têm mais que os homens civilizados a eloquência do gesto, e o bom do normando, forçoso é confessá-lo, dava todos os indícios de verdadeiro butecudo. Tomando a postura sublime de um seekoenig, o rei do mar dos antigos sagas da Islândia, e com um lá! que podia fazer ainda mui decente papel ao lado do qu'il mourút de Corneille, o arrais, espécie de Bonaparte junto às Pirâmides, nos apontava para a escotilha de avante, a escotilha da boca do porão, e parecia dizer-nos no seu gesto mudo: «Aí quarenta dores reumáticas vos esperam!». Melhor era isso, contudo, do que amanhecer inteiriçados sobre a tolda: e assim, dando-nos por avisados, arremetemos com o abismo. ÄB"Að Ð ð  ¨  Ì ¨ ð    <  ð `  ` ` Ð Ì „  Ð Ì   A#bfmÿÿ"åæ Escada não a havia, e as trevas interiores não eram menos densas que as trevas exteriores, de que reza a Bíblia, onde há o choro e o ranger de dentes. A altura, porém, não devia ser grande. Como os cavaleiros do Palmeirim de Inglaterra, cada um de nós se encomendou ã dama dos seus pensamentos e, do modo que pôde, desceu aquela espécie de bòlgia dantesca. ÄB"#` ¨ ¨ „ Ì Ì ð ô  „ ð ` `  h A#Æöýÿÿ"åæ O chasse-marée, destinado a transportar gado de França para as ilhas do canal, ia em lastro, e o lastro era de areia. Se não fossem os terríveis balanços da embarcação, a pocilga em que nos achávamos poderia passar ao tacto, único sentido de utilidade naquela situação, por uma praia deserta. Depois de apalparmos por largo tempo em volta de nós, achámos por fim uma vela e alguns cabos, lançados para uma extremidade do areal flutuante. Ao menos, tínhamos um leito, se não mais macio, ao menos mais enxuto que esse com que já contávamos. Uma pouca de areia húmida por pavimento, algumas braças de lona por leito, e por agasalho e cobertura a tolda de um miserável barco eram, com as trevas que nos rodeavam nesse momento, toda a nossa consolação e abrigo. ÄB"FÌ ¨  „ < ô ð ð ¨ Ì   ð ð   „ „ ¨ ` Ì ¨ < < ð  ô ô A#ÜOV ÿÿ"åæ Se esta recordação escrita, humilde e obscura, como seu autor, passar ante os olhos do major C..., ele há-de por certo lembrar-se de que essa noite foi uma das bem dolorosas e tristes da sua larga vida de sofrimento e abnegação; da sua vida de honesto e valente soldado. Padecimentos antigos haviam crescido com os trabalhos e estreitezas do desterro, e posto que o seu ânimo de ferro lhe não consentisse o soltar um só queixume, o incêndio lavrava lá dentro, e a dor, que não podia subjugar-lhe o espírito, às vezes se lhe revelava no gesto confrangido. O seu estado gerava em nós, que sinceramente o amávamos, sérios receios. Mas como o padecer se não traduzia em gemidos, no meio da escuridão, e entretidos com a cena ridícula do poeta da temperança e da aguardente, havíamo-nos persuadido de que esse padecimento diminuíra consideravelmente. ÄB"PÌ Ì Ì ð ð ô ¨ ¨ „ ¨ Ì Ì ¨ ` Ì `  Ð Ì ` ` „ ` ¨ ¨ ¬  „ Ì  ¨ ¬ A#[LS ÿÿ"åæ Deitados em cima da vela convertida em colchão, os meus companheiros breve adormeceram. Quando a consciência está tranquila a mocidade encontra facilmente o repouso, ainda no mais duro leito. Só eu velei; porque lhes levava urna vantagem, talvez antes desvantagem, urna imaginação mais ardente. O major C... também parecia dormir. ÄB"!` „ < ô ð ð  ¨ ¨ „  Ì   A##ÿÿ"åæ Achava-me, finalmente, só! ÄB"Ì A#V7>1ÿÿ"åæ Havia muito que para mim não existia a vida íntima, senão no silêncio da noite. O dia, esse passava-o corno embriagado na agitação tumultuosa do peregrino, vendo fugir diante dos olhos, na terra e nos mares, os quadros e as cenas de urna natureza e de urna sociedade diversa daquelas que me tinham cercado na infância e na primeira juventude. Era de noite que a imagem da pátria, terribilíssima de saudades, se me assentava, corno pesadelo, sobre o coração e me espremia dele bem amargas lágrimas! Aos vinte anos, a nossa alma, viçosa e virgem, tem afectos para derramar com mão larga por tudo o que nasceu e cresceu junto de nós; por todos aqueles que nos ensinaram a balbuciar as primeiras palavras e nos guiaram os primeiros passos no caminho da vida. Para achar deleite em vaguear fora do nosso ninho paterno, é preciso haver passado a idade das esperanças; é preciso ter já calcado aos pés, inteiramente sugado, o pomo das ilusões, e assistir ao drama da existência, não corno actor possuído do seu papel, mas como espectador indiferente, que sabe ser esse drama um embuste, algumas vezes atractivo, mas sensabor as mais delas; é preciso ser homem; e eu tinha então vinte anos. Por isso, este errar entre estranhos teria para mim sobejo tédio e tristeza, quando se lhe não ajuntassem outras mágoas e privações de muitos géneros. ÄB"{ð ð ð Ð  `  ` ¨ ð < ð   Ì  Ì ð Ì ð  ` „ ¨ ð ` Ì `  „   ¬ Ì ¨ ` Ì ¨ „  ð „  Ì ¨  Ì ¨  A#pž¥7ÿÿ"åæ O desterro é uma das mais profundas misérias humanas; mas a pobreza, no desterrado, é o tormento mais intolerável do espírito, porque é um composto monstruoso de saudade, de humilhação, de abandono, de desesperança, que vos lembra cada dia, cada hora, cada instante, a vossa situação desgraçada; que vos recorda sem cessar que sois uma espécie de Aasvero, de judeu errante, que a maldição de Deus guia, em meio do desprezo dos homens, em meio dos vitupérios e dos trabalhos, por uma peregrinação sem termo e sem horizonte. Tendes de experimentar a afronta e calar, os maus tratos e sofrer, a fome e a nudez e não ousar pedir uma esmola, porque o pobre estrangeiro é um ente médio entre o homem e o animal, a sua linguagem ininteligível e ridícula, a sua dor e o seu sentimento quase um impossível, o nome do seu país a fábula e o escárnio das gentes, sobretudo se esse país é fraco, limitado e obscuro. Então vem o comparar tudo isso com os cómodos e gasalhado do lar doméstico, com o amor e a amizade que vos cercavam de suavidade o viver de outro tempo, e a comparação vos converte em fel e lágrimas o sangue mais puro das veias. Tombastes de pedra em pedra e caístes no fundo de um abismo: lá acharam os vossos membros pisados e feridos um leito de sarças; e daí medis de contínuo a altura da queda, porque vos luz lá em cima o céu da pátria, e a saudade vos mede palmo a palmo a distância que vai do despenhado a essa imagem querida.ÄB"Š„ Ì   `  ¨ ¨  ð ð Ì ¨  ` ð Ð ˆ ð Ð ` < ¨ Ì ð  „ Ì ¨ Ì ` Ð ` ¨ „ ô Ì ¨ Ì „ ¨ ð ð Ì  „   Ì Ì ¨ ` Ð `   A#Ö5<ÿÿ"åæ Que todos aqueles que nunca saíram de sob o tecto da sua infância; que nunca buscaram debalde o sol esplêndido da terra ocidental para o saudar na manhã de Primavera; que nos remansos do seu rio natal não imaginam o enovelar-se e o bramir das vagas do oceano; que nunca viram o céu chato do norte pesar sobre a campina, estendida como cadáver e coberta do seu sudário de neve; que esses alguma vez se recordem e compadeçam do pobre foragido, a quem as intolerâncias insensatas e ferinas de paixões políticas arremessaram para estranhas regiões. Seja qual for a vossa crença, a vossa parcialidade, doei-vos dele; porque as doutrinas podem ser erros, mas não são crimes. E demais, quem vos diz que essa opinião, que vos parece verdadeira e santa, vos não parecerá com o tempo absurda e má, se de sincero coração a seguis? ÄB"NÌ ð ð Ì  ¨  ð  Ì  < ` ¨ `  < < d Ì ` ô ð  ð  < Ì ð    A#•4;ÿÿ"åæ Engolfado nestas ideias, posto que bem desperto, conservava-me calado no meio dos meus companheiros, os quais dormiam placidamente ao murmurar da água no costado do chasse-marée, que rompia pelas vagas agitadas. De vez em quando, os mastros rangiam com os turbilhões do vento, e sentia-se um golpe soturno e embaçado sobre a tolda. Era alguma onda que salvava por cima do baixel, como a que viera acalmar a cólera do esgrouviado Mr. Graham. Depois, ouvia-se a voz do arrais, que proferia algumas palavras ininteligíveis; depois, outra vez só o silvar da procela. ÄB"5` < ð „  Ì Ì ð   ð Ì Ì ¨ „ < „ ð `   ° A#S+2 ÿÿ"åæ O major C... revolvia-se, entretanto, perto de mim, ao que parecia grandemente inquieto. A persuasão, talvez, de que ninguém o escutava e a intensidade da dor arrancaram-lhe, enfim, um gemido. A sua energia moral sucumbira. O veterano, depois de largo combate de muitas horas, declarou-se vencido. ÄB"„ ð <  ` Ì  Ì  ¨ ð A#8¾Åÿÿ"åæ Falei-lhe em voz baixa: na tristeza da noite o padecimento físico parece achar consolo no som da voz humana. Era o único socorro que, na situação em que nos achávamos, lhe podia ministrar. ÄB"¨ ¬ „ Ì Ì Ì Ð  Œ A#I ÿÿ"åæ A nossa conversação durou por algum tempo; nesta conversação havia para mim o refrigério do espírito, porque nos recordávamos da pátria; ele buscava assim um alívio para dois géneros de angústias, as do espírito e as do corpo. Era mais infeliz do que eu! ÄB" ˆ ð < ¨ ð Ì Ì   ° A#et{ÿÿ"åæ Por este modo passou grande parte da noite. A tempestade crescia progressivamente, e o balanço do chasse-marée era já intolerável. Começámos então a sentir por cima das cabeças os passos apressados dos marinheiros e um som estranho, como de mar quebrando ao longe em agra penedia. Este som, semelhante ao disparar de artilharia por sotavento, aproximava-se gradualmente. ÄB"#Ì ð  Ì „ Ì ð ` ô ¨   ` ø A#J ÿÿ"åæ Daí a pouco ouvimos correr rapidamente a amarra pelos escovéns. Era incrível que tivéssemos chegado tão depressa ao termo da nossa viagem. As seguintes palavras de mestre João, precedidas de uma praga, não nos deram vagar de fazer sobre isso largas conjecturas: ÄB"¨ ¨ ¨  ¨   ` „ Ð A#29ÿÿ"åæ -Ventre-Saint-Gris... a amarra... vamos a pique! ÄB"< „ A#+2ÿÿ"åæ Foi o que pudemos perceber. E era sobejo. ÄB"  ° A#8¾Åÿÿ"åæ O major C... ficou imóvel. Quanto a mim, o primeiro pensamento que me cintilou no espírito foi o de despertar os nossos companheiros. Mas porque não haviam de morrer tranquilos? Deixei-os. ÄB"¨ `  Ì Ì Ì < A#S+2 ÿÿ"åæ O brado do arrais fora seguido de um momento de tremendo silêncio: depois senti que o chasse-marée fazia um singular movimento, como galgando pelo dorso de enorme vaga; após isto pareceu-me que subitamente parara, e ouvi de novo falar na tolda. Era a voz de Mr. Graham, o poeta agoureiro e esguio. ÄB" ` „ ` ð Ì  ¨ ð ¨ Ì   A#kŠ‘ÿÿ"åæ Este momento de incerteza foi horrível. Então conheci bem a verdade de uma frase de Mílton: a escuridão visível. Nas trevas profundíssimas em que estava vi o reluzir do mar ao redor da vela branca em que jazíamos; e os olhos da minha imaginação enxergavam através da água os rochedos de sorvedouros submarinos, onde os nossos cadáveres deviam dentro em pouco achar uma sepultura desconhecida. ÄB"&  < ð ð ¨ Ì Ì ¬  < ¨ ¨ „ ø A#\OV ÿÿ"åæ Não sei como, mas a verdade é que, no meio do terror de morte aflitiva e demorada, me veio à cabeça uma ideia ridiculamente consoladora. Foi esta a imagem de Mr. Graham, sumindo-se nas goelas de um tubarão com a sua fábrica inteira de versos e a meia fábrica de Leeds que trazia distribuída pelos seus quatro casacões incomensuráveis.ÄB"! „  < ¨ `  <  „   @ A#;ÊÑÿÿ"åæ Passou um minuto: passaram dois: passou o terceiro; e a nossa vela enxuta, e o baixel perfeitamente tranquilo. A morte, se tinha de vir, era tão lenta e derreada como a melopeia da declamação inglesa. ÄB"¨ ð  ¨ Ì Ì   D A#,Ž•ÿÿ"åæ Porventura, havíamos encalhado nalgum banco de areia, porque o chasse-marée evidentemente não abrira; aliás, o mar devia ter-nos já sorvido. ÄB"Ð „ ð „   D A#j…Œÿÿ"åæ Lembrei-me de subir à tolda. Mas como? O lugar onde nos achávamos representava uma verdadeira masmorra de castelo feudal. O escotilhão por onde descêramos era mais alto do que um homem: além disso, o estrado da boca tinha sido aí colocado, como a campa sobre um túmulo, e em cima do estrado sentíramos lançar uma lona breada para impedir a invasão das ondas que galgavam pelo tombadilho. ÄB"#ð ¨ ¨  ð ð ¨ ` ð  ¨ Ì Ì  A#Gú ÿÿ"åæ Esperei, pois, que amanhecesse, e que então obtivéssemos a luz e a liberdade da munificência de Misser Jean Legris. Entretanto, o major parecia mais tranquilo: a quietação do chasse-marée e a sonolência da antemanhã eram aparentemente a causa disto.ÄB"ˆ `  ð ¬ Ì Ì ¬ ð ð A#N ÿÿ"åæ A alvorada assomou, enfim, no oriente: alevantou-se o estrado, e a luz branda do romper do dia veio alumiar o nosso calabouço marinho com uma claridade frouxa e suave. Não esperara debalde em mestre João: o seekoenig concedia-nos o favor de aspirarmos um ambiente puro e livre. ÄB" < ¨ ð Ì  < ` <  ü A#‹ ÿÿ"åæ Subi à tolda. O Sol surgia como um grande orbe vermelho flutuante sobre as ondas levemente crespas. No sudoeste, uma nuvem negra e ampla parecia firmar-se em pé no horizonte, prolongando os cimos dentados pelas alturas do céu: era a procela, que fugia varrida pelo nordeste. A superfície enrugada do oceano tinha não sei quê semelhante a gesto humano que sorri. Eu contemplava uma dessas raras alvoradas do navegante, em que, no aspecto do mar, se lê o nome de Deus, e, no sussurro da brisa, se escuta o hino da Criação. ÄB"0¨ ð ` ô Ì  ð ð ¨ ð ` `  „ „   Ì ¨ A#n–ÿÿ"åæ Onde estávamos nós? No recife de um ilhéu, vizinho das costas da Normandia, cujo nome se me varreu da memória. A caldeira onde nos achávamos teria três vezes o comprimento do chasse-marée e ainda menor largura. Olhei para a entrada, e os cabelos eriçaram-se-me ao vê-la. Custava a perceber como o nosso baixel a atravessara sem se fazer em pedaços: era um labirinto de rochedos agudos quase indelineável. ÄB"& ` „   ˆ  ¨ ð ` „ ¨ ð ` Ì A#&ÿÿ"åæ Mestre João Legris, não sei por qual razão náutica, pretendera fundear junto aos penedos que defendem a boca daquela abra, até que chegasse a manhã. Ao lançar âncora, a amarra quebrara roçando pelas rochas. Este sucesso desastrado arrancara da boca do arrais a enérgica exclamação, que tão terrível fora ferir-me os ouvidos no meio das minhas dolorosas cogitações. Felizmente uma vaga monstruosa, erguendo o chasse-marée sobre o dorso, o arrojou por entre os parcéis, talvez por cima deles, e nos salvou da morte, que aliás seria inevitável. ÄB"2Ì < ð Ì ô Ì „ ¨ ð ð ð Ì „ ¨ Ì   ð ¨ ˆ A#?Ùàÿÿ"åæ A saída do recife deu mais trabalho aos nossos marinheiros do que lhes dera a entrada. O Sol ia já mui alto quando abrimos todas as velas ao vento. Este era de feição, e dentro em poucas horas aportámos a Granville. ÄB"¨ ¬ ð ¨ ð Ì ¨  A# ÿÿ"åæ åæÄB" ‚ ‚