Para ouvir o texto

  programa aconselhado para ouvir este tipo de ficheiros Real Player


Quarto momento

Esperou o carpinteiro durante muitas semanas a retribuição que lhe fora prometida pelo pai das mouras.
Um dia, na praça sentiu-se arremessado ao ar, como se fora arrastado num tufão, e foi cair, sem perigo, na praça de Tânger. Julgou-se perdido quando se viu agarrado por diversos mouros, que o conheciam e o levaram à presença do velho governador.
O velho governador, logo que viu o carpinteiro, empalideceu horrorosamente! Despediu os mouros e ficou só com o artista.
- O que fizeste da minha querida Cassima, infeliz?
- Não fui culpado, senhor! - respondeu o carpinteiro.
- Bem sei, bem sei ! Os fados foram-lhe contrários. Tinha de ser, tudo estava escrito.
O governador entrou como em êxtase e disse profeticamente:
- Enquanto Al-Faghar existir, nele palpitará um mundo de corações sarracenos.
Disse estas palavras, e exclamou:
- Sai da minha presença!
- Para onde ir, senhor?
- Tens razão. Tenho contigo um compromisso, e não será um velho crente que faltará a sua promessa.
Nessa noite, por ordem do governador, embarcou o nosso carpinteiro em um barco veneziano, que o levou directamente a Faro. Conta-se que foram tão importantes as riquezas que o pai das mouras lhe oferecera que ele chegara a comprar todo aquele terreno ocupado pela fonte e hortas circunvizinhas.
Seja o que for, o que é certo e se acha confirmado pela tradição constante de centenares de anos, é que a moura Cassima ainda hoje, nas noites de Inverno, ou nas amenas de Verão, pranteia tristemente o seu encantamento; e diz-se também que são muitas as encantadas por aqueles arredores.

  • AI-Faghar - topónimo de Algarve.

(Ataíde Oliveira)

(adaptado)

Ilustração de Maria Keil