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O texto de José Gomes Ferreira tem muitas expressões difíceis.
Propomos-lhe um exercício que ajuda a compreender algumas destas expressões. Para
cada afirmação só existe uma resposta possível.
Carregue no botão à esquerda de
uma resposta
para saber se a sua opção está correcta.
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Manhãzinha
cedo, senti acordar-me o sopro da voz ciciada de minha mulher:
- 0 Fafe telefonou de Cascais, ... Lisboa está cercada por tropas…
Refilo, rabugento:
- Hã? (...)
Levanto-me preparado para o pesadelo de ouvir tombar pedras sobre cadáveres.
Espreito através da janela. Pouca gente na rua. Apressada. Tento sintonizar a
estação da Emissora Nacional. Nem um som. Em compensação o telefone vinga-se
desesperadamente. Um polvo de pânico desdobra-se pelos fios. A campainha toca
cada vez mais forte.
Agora é o Carlos de Oliveira.
- Está lá? Está lá? É você, Carlos? Que se passa?
Responde-me com uma pergunta qualquer do avesso.
Às oito da manhã o Rádio Clube emite um comunicado ainda pouco claro:
- Aqui, Posto de Comando das Forças Armadas. Não queremos derramar a mínima
gota de sangue.
De novo o silêncio. Opressivo. De bocejo. Inútil. A olhar para o aparelho.
Custa-me a compreender que se trate de revolução. Falta-lhe o ruído, (onde
acontecerá o espectáculo?), o drama, o grito. Que chatice!
A Rosália chama-me, nervosa:
- Outro comunicado na Rádio. Vem, depressa. Corro e ouço:
- Aqui o Movimento das Forças Armadas que resolveu libertar a Nação das forças
que há muito a dominavam. Viva Portugal!
Também pede à policia que não resista. Mas Senhor dos Abismos!, trata-se de
um golpe contra o fascismo (isto é: salazismo-caetanismo). São dez e meia e não
acredito que os «ultras» não se mexam, não contra-ataquem! (...)
A
poetisa Maria Amélia Neto telefona-me: «Não resisti e vim para o escritório».
Os revoltosos estão a conferenciar com o ministro do Exército. Na Rádio a canção
do Zeca Afonso: Grândola, vila morena ... Terra da fraternidade... 0 povo é
quem mais ordena...
Sinto os olhos a desfazerem-se em lágrimas.
De
súbito, aliás, a Rádio abre-se em notícias. 0 Marcelo está preso no Quartel
do Carmo. A polícia e a Guarda Republicana renderam-se. 0 Tomás está cercado
noutro quartel qualquer. E, pela primeira vez, aparece o nome do General Spínola.
Novo comunicado das Forças Armadas. 0 Marcelo ter-se-á rendido ao
ex-governador da Guiné. (Lembro-me do Salazar: «o poder não pode cair na rua»).
Abro a janela e apetece-me berrar: acabou-se! acabou-se finalmente este
tenebroso e ridículo regime de sinistros Conselheiros Acácios de fumo que nos
sufocou durante anos e anos de mordaças. Acabou-se. Vai recomeçar tudo.
A
Maria Keil telefonou. 0 Chico está doente e sozinho em casa. Chora. (Nesta
revolução as lágrimas são as nossas balas. Mas eu vi, eu vi, eu vi! (...)
Antes de morrer, a televisão mostrou-me um dos mais belos momentos humanos da
História deste povo, onde os militares fazem revoluções para lhes restituir a
liberdade: a saída dos prisioneiros políticos de Caxias.
Espectáculo de viril doçura cívica em que os presos... alguns torturados
durante dias e noites sem fim.... não pronunciaram uma palavra de ódio ou de
paixões de vingança.
E o telefone toca, toca, toca... Juntámos as vozes na mesma alegria. (...)
Saio de casa. E uma rapariga que não conheço, que nunca vi na vida, agarra-se
a mim aos beijos.
Revolução.
José Gomes Ferreira
Poeta
Militante III - Viagem do Século Vinte em mim, Lisboa,
Moraes Editores, 1983
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