Ler o texto
Compreender o texto
Quem escreveu?
Sabia que?



 Compreender o texto

Vamos descobrir o antónimo correspondente a cada termo: 
Assinale a opção correcta.

1. O contrário de contente é
feliz.
triste.
zangado.

2. O contrário de difícil é
fácil.
complicado.
oportuno.

3. O contrário de rápido é
veloz.
despreocupado.
lento.

4.O contrário de cuidadoso é
sujo.
descuidado.
limpo.

 

 

                                A GALINHA

   Minha mãe e minha tia foram à feira. Minha mãe com o meu pai e minha tia com o meu tio. Mas todos juntos. Na camioneta da carreira. Na feira compraram muitas coisas e a certa altura minha mãe viu uma galinha e disse:
   - Olha que galinha engraçada.
  
E comprou-a também. Estava agachada como se a pôr ovos ou a chocá-los. Era castanha nas asas, menos castanha para o pescoço, e a crista e o bico tinham a cor de um bico e de uma crista. Nas costas levara um corte a toda a volta para se formar uma tampa e meterem coisas dentro, porque era uma galinha de barro. Minha tia, que se tinha afastado, veio ver, estava a minha mãe a pagar depois de discutir. E perguntou quanto custava. A mulher disse que vinte mil réis, minha tia começou aos berros, que aquilo só se o fosse roubar, e a mulher vendeu-lhe uma outra igual por sete mil e quinhentos. Minha mãe aí não se conformou, porque tinha regateado mas só conseguira baixar para doze e duzentos. A mulher disse:
   - Foi por ser a última, minha senhora.
   Minha tia confrontou as duas galinhas, que eram iguais, achando que a de minha mãe era diferente.
   - Só se foi por ser mais cara - disse minha mãe com a ironia que pôde.
   Minha tia aqui voltou a erguer a voz. Não se via que era diferente? Não se via que tinha o bico mais perfeito? E o rabo?
   - Isto é lá rabo que se compare?
   E tais coisas disse e tantas, com gente já a chegar-se, que minha mãe pôs fim ao sermão, por não gostar de trovoadas:
   - Mas se gostas mais desta, leva-a, mulher.
   Foi
o que ela quis ouvir. Trocou logo as galinhas, mas ainda disse:
   - Mas sempre te digo que a minha é de mais dura, basta bater-lhe assim (bateu) para se ver que é mais forte.
   - Então fica com ela outra vez - disse minha mãe. 
   - Não, não. Trafulhices, não. Está trocada; está trocada.
   Meu tio estava a. assistir mas não dizia nada, porque minha tia dizia tudo por ele e, se dissesse alguma coisa
de sua invenção, minha tia engolia-o. Meu pai também estava a assistir, mas também não dizia nada, por enten­der, que aquilo era assunto de mulheres. Acabadas as compras, minha, mãe voltou logo com o meu pai na carroça do António Capador que tinha ido vender um porco. Mas a minha tia ficava ainda com o meu tio, porque precisavam de ir visitar a D. Aurélia, que era uma pessoa importante e merecia por isso uma visita para se ser também um pouco importante. E como fica­vam e só voltavam na camioneta da carreira, a minha tia pediu a minha mãe que lhe trouxesse a galinha, para  não andar com ela o dia inteiro num braçado, que até se podia partir. De modo que disse:
   - Tu podias levar-me a galinha, para não andar com ela o dia inteiro num braçado, que até se pode partir.
   Minha mãe trouxe, pois, as duas galinhas na carroça do António Capador, e a minha tia ficou. E quando à tarde ela voltou da feira, foi logo buscar a sua. Minha mãe já a tinha ali, embrulhada e tudo como minha tia a deixara, e deu-lha. Mas minha tia olhou a galinha de minha mãe, que já estava exposta no aparador,
e, ao dar meia volta, quando se ia embora, não resistiu:
   - Tu trocaste mas foi as galinhas.
   Disse isto de costas, mas com firmeza, corno quem se atira de cabeça. E minha mãe pasmou, de mãos ergui­das ao céu:
   - Louvado e adorado seja o Santíssimo Nome de Jesus! Então eu toquei lá na galinha! Então a galinha não está ainda conforme tu ma entregaste! Então tu não
vês ainda o papel dobrado? Então não estarás a ver o nó do fio?
   Estavam só as duas e puderam desabafar.
   - Trocaste, trocaste. Mas fica lá com a galinha, que não fico mais pobre por isso.
   Minha mãe, cheia de compreensão cristã e de horror às trovoadas, ainda pensou em destrocar tudo outra vez. Mas aquilo já ia tão para além do que Cristo previra, que bateu o pé:
   - Pois fico com ela, não a quisesses trocar. Só tens gosto naquilo que é dos outros.
  
E daqui para a frente, disseram tudo. Minha tia saiu num vendaval, desceu as escadas ainda aos berros, de modo que minha mãe teve ainda de vir à janela dizer mais coisas. Minha tia foi indo pela rua adiante, sempre aos gritos, e de vez em quando parava, voltando-se para trás para dizer uma ou outra coisa em especial a minha mãe, que estava à janela e lhe ia também respondendo como podia. Até que a rua acabou e minha mãe fechou a janela. E aí começou o meu pai, quando lá longe minha tia lhe passou ao pé e meu pai lhe perguntou o que havia e ela lhe disse o que havia, chamando mentirosa a minha mãe. Meu pai então disse:
   - Mentirosa é você.
   E começou a apresentar-lhe os factos comprovativos do que afirmara e que já tinha decerto enaipados de ou­tras ocasiões, porque não se engasgava:
   - Mentirosa é você e sempre o foi. Já quando você contou
a história do Corneta, andou a dizer que
   - Mentiroso é você, como sua mulher. Uma vez na padaria a sua mulher disse que
   E daí foram recuando no tempo à procura das men­tiras
um do outro. Estavam já chegando à infância, quando apareceu o meu tio. Minha tia passou-lhe a pala­vra e começou ele. Mas como a coisa agora era entre homens, meu tio cerrou os punhos e disse:
   - Eu mato-o, eu mato-o.
   Meu pai, que já devia estar cansado, ficou quieto, à espera que ele o matasse, e como ficou quieto, meu tio
recuou uns passos, tapou os olhos com um braço e disse outra vez:
   - Foge da minha vista que eu mato-te.
   Entretanto olhou em volta à espera que o segurassem. E quando calculou que tudo estava a postos para o segurarem, ergueu outra vez os punhos e avançou para  o meu pai. Finalmente seguraram-no, e meu tio estre­buchou a querer libertar-se para matar o meu pai. Mas lá o foram arrastando, enquanto o meu tio se voltava ainda para trás, escabujando de raiva
e de ameaça.

Vergílio Ferreira, Contos
Venda-Nova, Bertrand, 1979 (2ª ed.)

© Instituto Camões, 2002