Décadas

1.ª Década

1.ª Década
A Primeira Década     Joana Vasconcelos, A Noiva, 2001. Aço inox e tampões OB, 470 x 220 x 220 cm. Col. António Cachola. Joana Vasconcelos. A primeira década do século XXI começa da forma mais auspiciosa em Portugal. Toda uma geração, fruto de uma educação universitária consequente e coesa está finalmente a emergir. Note-se que nos reportamos a um contexto em que ainda em 1995 Alexandre Estrela e Miguel Soares organizavam a exposição de finalistas da FBAUL, Wallmate, como um manifesto contra a própria instituição de ensino cujas posições obsoletas e incoerentes eram expostas no texto que Rui Toscano escreveu para o catálogo da mesma. Desde então, e fruto por um lado da nova dinâmica do Ar.Co com um nível de ensino mais consentâneo com o ensino artístico europeu e norte-americano, por outro da introdução de uma nova geração de professores na FBAUL, nomeadamente Delfim Sardo e Ângela Ferreira e, por outro ainda, do florescer da nova Escola Maumaus sob a direcção de Jürgen Bock, as condições de ensino conheceram uma radical alteração e um enorme salto qualitativo.   Os novos artistas que emergem deste contexto beneficiaram não só deste facto como de uma muito maior disponibilidade de circulação que lhes abre amplamente o acesso a escolas e instituições estrangeiras.       Noé Sendas, Smog III, 2000. Poliester, resina epoxida, roupa, sapatos Adidas, mesa e cadeiras de madeira, 190 x 300 x 300 cm. Vista da instalação na exposição "Runaway world", Caldas da Rainha. Col. do artista. DR/ Cortesia do artista.   Vasco Araújo, The Girl of the Golden West (detalhes), 2004. Vídeo, 18´28´´, loop, dimensões variáveis. Intérprete: Esther Kyle. Ellipse Foundation Contemporary Art Collection. Video Still - Cortesia do artista   Adriana Molder, Skin Job, 2005. Série de 15 desenhos a tinta-da-china s/papel esquisso, dim. variáveis. Vista da instalação na exposição "O nome Que No Peito Escrito Tinhas", Alcobaça. Col. da artista. Adriana Molder. Deste diversificado grupo geracional - Gabriela Albergaria, Leonor Antunes, Vasco Araújo, Rui Calçada Bastos, Catarina Campino, Nuno Cera, Filipa César, Alexandre Estrela, Pedro Gomes, André Guedes, Catarina Leitão, João Onofre, Inês Pais, Francisco Queirós, Jorge Queiroz, Carlos Roque, Noé Sendas, Sancho Silva, Susana Mendes Silva, Catarina Simões, Miguel Soares ou João Pedro Vale -, muitos passaram por mestrados, pós-graduações, programas de residência ou intercâmbios internacionais, enriquecendo assim a sua linguagem plástica.   Esta nova geração é fluente na língua franca da arte contemporânea, não recorrendo já a nenhum tipo de conotação localizada na sua estratégia de afirmação tal como o fazia, de modo recorrente, a geração precedente. Da mesma forma, posicionando-se a priori num contexto internacional, esta geração dilui toda a anterior polémica que marcou os anos 90, deixando de se fazer sentir qualquer tensão entre grupos ou orientações e abrindo-se lugar a um debate menos sectário.   Ricardo Jacinto, Ping-pong piece, 2000. Mesa e bola de ping-pong, ventoinha e som stereo, 280 x 150 x 150 m. (aprox). Col. Caixa Geral de Depósitos. Ricardo Jacinto.   João Penalva, R., 2001. Vista da instalação, Pavilhão de Portugal, XLIX Bienal de Veneza, 2001. Mário Valente.   Carlos Roque, Harmónico. Loving Guitars, 2001. 2 guitarras eléctricas Fender Stractocaster, 2 amplificadores Vox, 2 cabos jack e 4 cabos de aço, dimensões variáveis. Col. PCR. DR/ Cortesia do artista.   Julião Sarmento, Following Veins, Discovering Paths (Pornstar), 2002. Técnica mista sobre tela, 78 x 105 cm. Col. Douglas Gordon. DMF. Também ao nível das iniciativas curatoriais se atinge uma plataforma de "tese", por assim dizer, sendo o ano 2000 profícuo em projectos que afirmam não só a personalidade e posição do comissário como uma séria investigação na sustentação das mesmas. O Projecto Mnemosyne, comissariado por Delfim Sardo para os Encontros de Fotografia de Coimbra, propõe uma visão arqueológica do medium, avançando com uma proposta de investigação historiográfica e genealógica, que amplia e aprofunda as ambições habituais da mostra.   Jürgen Bock comissaria para o CCB um conjunto de exposições sob a designação genérica de Project Room, as quais trouxeram a Lisboa artistas como Heimo Zobernig, Allan Sekula, Eleanor Antin ou Renée Green, entre outros. Este projecto é sustentado por um colóquio que reúne os participantes com críticos e teóricos resultando na publicação de um catálogo, numa iniciativa de rara consequência.   João Queirós, S/título, 2006. Óleo sobre tela, 190 x 250 cm. Cortesia Galeria Quadrado Azul. GC.   Suzanne S. D. Themlitz, da série Territórios e Estagnações Ambolatórias, 2006. C-print, 81 x 100 cm. Cortesia Vera Cortês Agência de Arte. Cortesia do artista. Neste período inicia-se também o projecto Slow Motion, comissariado por Miguel Wandschneider (que depois se tornou director artístico da Culturgest), que propõe uma visão antológica da produção portuguesa em vídeo e filme Super 8, realizando um trabalho de recolha e pesquisa sem precedentes na área. O projecto será apresentado na ESTGAD (Caldas da Rainha) e no CAMJAP (Lisboa), durante os anos subsequentes.   João Onofre, Casting, 2000. Vídeo, cor, som, 12´59´´. 274 x 370 cm. Cortesia do artista / Cristina Guerra Contemporary Art. Video Still - Cortesia do artista.   Ainda neste contexto, uma exposição organizada por Pedro Lapa com produção da Escola Maumaus, More Works about Buildings and Food, posiciona-se directamente no centro das discussões críticas do momento, apresentando em Portugal propostas artísticas como as de Franz Ackerman, Fabrice Hybert, Liam Gillick, Tobias Rehberger, Superflex, N55 ou Atelier van Lieshout, entre outros, no espaço da Fundição de Oeiras.   Sublinhando que "l'air du temps" se instalou definitivamente em Portugal, Francisco Vaz Fernandes comissaria na Gulbenkian a exposição 7 artistas ao 10° mês, já em 2001, expondo uma consciência da própria questão de "exposição" e uma preocupação com o conceito de "colectiva" que não seja um mero alinhar de nomes individuais mas exprima uma noção global de "display", propondo o todo como algo mais que a soma das partes.   Igualmente no ano 2000, inauguram duas das mais importantes galerias nacionais, as galerias Cristina Guerra e Filomena Soares, ambas em Lisboa, que passam a definir muito do posterior panorama de exposições.   A nova dinâmica daí decorrente prenuncia um novo e claro recentramento da actividade galerística em Lisboa, conduzindo em meados da década à abertura de espaços na capital por parte das mais destacadas galerias do Porto (Fernando Santos, Quadrado Azul, Graça Brandão e Presença). Não obstante esta dinamização do princípio da década, no Verão de 2003 o IAC é extinto, passando a integrar o IA (Instituto das Artes), numa fusão com o IPAE (Instituto Português das Artes e Espectáculo) que gerou críticas por parte de alguns agentes culturais.     Filipa César, Lull, 2002. Vídeo, Pal-plus, cor, som, 10´40´´. Cortesia da artista / Cristina Guerra Contemporary Art. Video Still - Cortesia da artista. Contrariamente aos anos 90 que centravam a reflexão artística no plano social, o novo milénio avança com uma abordagem assaz disciplinar, não se pretendendo com isto dizer que se dá um regresso a práticas estanques mas sim que uma tomada de consciência sobre a natureza dos media constitui a semântica da sua própria sintaxe.   Alexandre Estrela (que teve a sua primeira exposição antológica em 2006 no Museu do Chiado) surge-nos como o melhor dos exemplos, com peças como Making a Star, um registo vídeo do momento em que, ao ser apagado, um televisor produz o ocaso da imagem enquanto ponto lumínico, ou "câmara", em que um espelho convexo substitui a lente numa projecção vídeo da imagem de uma câmara, entre várias outras obras em que o medium aparece como "miseen-abyme" da referencialidade.   Artistas como Carlos Roque ou Rui Toscano exploram, por outro lado, a transparência do medium como nulificação da mensagem, tal como o exprimem Sprawl, Infinity ou as várias vídeo-landscapes de Rui Toscano, e as instalações sonoras de Carlos Roque, Harmónico, Loving Guitars, bem como toda a sua prática de desenho e pintura. Esta estratégia torna-se evidente nos trabalhos de fotografia de Daniel Malhão ou Nuno Cera, que abandonam toda uma poetização da imagem fotográfica tal como ela aparecia em Daniel Blaufuks ou Paulo Nozolino, para explorarem um léxico auto-referencial.   Já Sancho Silva, Leonor Antunes e André Guedes abordam o espaço como um cruzamento entre matéria e memória e empreendem uma desconstrução de ambas.   A consciência da comunicação e comunidade não desapareceu, no entanto, do horizonte, ela é afinal o motivo das obras de Filipa César. Bem como não desapareceu uma reflexão sobre o sujeito e seu agenciamento, como denota a obra de João Onofre.   Vasco Araújo e João Pedro Vale cruzam a questionação da identidade individual com uma análise (desconstrução e desvio, teatralização e reconstrução) dos imaginários sociais e culturais colectivos.   Sancho Silva, Sub-urbe, 2002 (Parque Serralves). Contraplacado para cofragem e espelhos, 250 x 90 x 500 cm. Cortesia do Artista. Sancho Silva.   António Júlio Duarte, #605 Shangai, 2002. Ilfochrome colado em Dibond, 50 x 50 cm. Cortesia Módulo - Centro Difusor de Arte.     Pedro Cabrita Reis, Absent Names, 2003 (interior), site-specific. Alumínio pintado, cobertura de feltro alsfático, aparelhos de ar condicionado, lâmpadas fluorescentes, 400 x 1000 x 600 cm. Col. do artista. DMF.   Helena Almeida, Eu Estou Aquí, 2005. Fotografia a preto e branco, 125 x 125 cm. Col. da artista. Cortesia da artista / Cortesia Instituto das Artes. Existe, contudo, e como não podia deixar de ser enquanto sinal dos tempos, uma diferença de fundo que demarca a atitude destes artistas em relação aos seus antecessores mais próximos, tais como Ângela Ferreira, Miguel Palma, ou João Penalva, - ressalve-se João Paulo Feliciano que já manifestava a inclinação "nonchalante" de grande parte dos artistas de 2000 - que se prende com a ausência de uma noção de agenciamento bem como com um desinvestimento político. Se, quando abordamos as obras de Ângela Ferreira, presenciamos uma investigação da alteridade e se quando consideramos o trabalho de João Tabarra, nos deparamos com um investimento no plano social, quando nos deparamos com a produção plástica dos primeiros anos desta década encontramos um sujeito que - ilustrando a máxima de que um homem é sempre mais parecido com a sua época do que com os seus pais, - produto e produtor da sua condição pós-moderna, só concebe o Outro enquanto projecção nostálgica ou irónica, ou ambas.   A meio da primeira década do novo século continuam a afirmar-se novos percursos autorais muitos deles já com um princípio de reconhecimento internacional. Servem de exemplo Adriana Molder e os seus impressivos retratos servidos por uma técnica original. Ou Carlos Bunga e o seu trabalho de construção e desconstrução de espaços. Ou ainda João Maria Gusmão e Pedro Paiva uma dupla que, através de instalações e pequenos filmes de efeito inesperado, cria, a partir de uma posição teórica particular, um universo de situações imponderáveis em que o apelo da metafísica convive com o humor das contingências. Outros nomes como Ana Cardoso, Pedro Barateiro, João Leonardo e Francisco Vidal merecem também a nossa atenção.     Paula Rego, Possession series I - VII, 2004. Pastel sobre painel, políptico - 7 painéis, 150 x 100 cm (cada). Col. da artista, em depósitos na Fundação de Serralves. DR/ Cortesia Marlborough Fine Art, London.   Leonor Antunes, Fichet, 2003. Culturgest, Porto. Escultura - placas de aluminio polido de 1 cm. de espessura. Col. Caixa Geral de Depósitos. Pedro Tropa e Teresa Santos.   Gabriela Albergaria, Árvore, 2004. Ramos de árvore e parafusos. Vista da instalação no Project Room do CCB. Cortesia Vera Cortês Agência de Arte. Simon Chaput.       João Pedro Vale, The Secret Garden, 2004. Collants, ferro, arame e esferovite, dimensões variáveis. Col. do artista / Cortesia Galeria Filomena Soares. DR/ Cortesia Vera Cortês Agência de Arte.   Nuno Cera, The time is now, 2004/05. Série The time is now, 486 slides, instalação em diaporama, dim. variáveis, slides de 35 mm. a cores, som. Col. do artista. DR/ Cortesia do artista.   João Paulo Feliciano, Yellow Pink Red Window, 2004. Janela existente (2,5 x 2,5 m), vidro, filtros de cor, madeira, projectores com lâmpada de iodetos metálicos (exterior). Instalação: Serralves Museu de Arte Contemporânea, Porto. Cortesia do Artista / Cristina Guerra Contemporary Art. Pedro Lobo. O meio artístico português torna-se também mais prolixo em parte graças ao trabalho de comissários como Miguel Amado, Filipa Oliveira, Nuno Faria ou Ricardo Nicolau, bem como de críticos como Nuno Crespo, Celso Martins, Óscar Faria ou Sandra Vieira Jürgens.   Em 2006 merece destaque a abertura do centro de exposições da ambiciosa colecção internacional de arte contemporânea da Ellipse Foundation.   Resta reconhecer que, como consequência do já referido conjunto de mudanças estruturais e de uma muito maior abertura e internacionalização, a produção artística nacional se diversificou a ponto de poder tornar obsoletos termos que por várias vezes atrás empregámos, sendo que conceitos como "grupo" ou "geração" se revelam neste momento difíceis de aplicar, ao mesmo tempo que a profusão de estilos e percursos e a proximidade temporal impede por enquanto qualquer sistematização generalizadora.   Bruno Pacheco, Moon Cave, 2006. Óleo sobre tela, 160 x 220 cm. Cortesia Galeria Quadrado Azul. GC.   Carlos Bunga, Elba Benitez Project, 2005. Cartão, fita adesiva, tinta mate, mesa de luz e slides, dim. variáveis. Cortesia Elba Benitez Galeria. DR/ Cortesia Elba Benitez Galeria. Quem esteja habituado a percorrer as rotas e ruas do mundo da arte tem que estar preparado, a qualquer momento, para responder a uma inevitável pergunta: "Passa-se alguma coisa no teu país?". Ou seja, neste caso, em Portugal.         Há vinte anos atrás, contra a multissecular choradeira das lamentações lusitanas, era importante responder: "Sim. Há uma nova geração de artistas jovens, afirmativos, consistentes, que importa conhecer o mais depressa possível". Hoje, a resposta é a mesma.   A nova geração, os artistas portugueses do século XXI, faz parte da primeira geração de portugueses nascidos depois do 25 de Abril e a sua atitude criativa é uma das mais positivas expressões de maturidade cultural da democracia portuguesa.   Aos 30 anos já assumem o sentido das suas obras e carreiras com a naturalidade desenvolta que se costuma encontrar nos grandes centros cosmopolitas. Os tempos mudaram. Não se trata do fulgor contestatário com que a geração de 60 enfrentou o fascismo.   Não se trata do entusiasmo eufórico com que os anos 80 se afirmaram contemporâneos do mundo.   Trata-se apenas de assumir a condição de artista, hoje, sem passar pelos traumas nem sequer pela luta contra os traumas do ancestral complexo de inferioridade nacional.   Pedro Paiva e João Maria Gusmão, O homem projéctil, 2005. Slide de O grande jogo, 2005. Projecção de slides, 20 diapositivos 6 x 6 cm. Cortesia dos artistas.   José Loureiro, S/Título (pormenor), 2006. Óleo sobre tela, 180 x 190 cm. Cortesia Cristina Guerra Contemporary Art.DR/ Cortesia Cristina Guerra Contemporary Art. Artistas como Vasco Araújo, Filipa César, João Onofre ou João Pedro Vale, estudaram, viajam, vivem ou expõem, naturalmente, em Portugal ou no estrangeiro.   Desde os anos de formação até às exposições individuais, que muito novos começaram a realizar, foram capazes de esboçar territórios próprios e afirmar linhas de trabalho específicas que dão garantias da competência profissional e autonomia de imaginário que são o mais seguro indício de que podemos falar de autores.   Autores com os quais importa dialogar. A melhor oferta que podemos fazer aos nossos castigados sentidos é a descoberta de novos territórios autorais em construção. Novos nomes com casas e portas abertas para desafiar e estimular a nossa imaginação.   Uma esclarecida consciência da sua condição de artistas, um entendimento da afirmação da individualidade como construção estética e não como declaração de intenções, cosmopolitismo congénito, empenhamento no trabalho.     São estas as razões que recomendam a nova geração ao nosso optimismo. Ficha Técnica | Credits

Anos 90

Anos 90
Os Anos 90     João Paulo Feliciano, The Big Red Puff Sound Site, 1994. Colchão em oleado vermelho, cheio com esferovite; 2 lâmpadas fluorescentes azuis; 6 auscultadores suspensos do tecto; leitor de cd. Banda Sonora: "Teenage Drool", Tina And The Top Ten. 5 x 5 m. (dim. da sala). Col. PCR Pedro Falcão. No contexto internacional a década de 90 inicia-se com uma viragem política cuja afirmação passa sobretudo pela atitude crítica face ao movimento neo-expressionista de "retorno à pintura" que marcara o início da década anterior.   Embora no panorama nacional se postule uma adesão a essa viragem discursiva, de um modo explícito no caso de alguns grupos de artistas, continua a fazer-se sentir um desfasamento entre o conteúdo postulado e a forma segundo a qual esse mesmo conteúdo se exprime. Por outras palavras, no contexto internacional a recusa da "objectualização" da obra de arte exprime-se, naturalmente, por uma desmaterialização, inaugurando uma década de produção tendencialmente não-objectual, que se manifesta no recurso alargado ao vídeo e à vídeo-instalação e em novas atitudes, nomeadamente a generalizada atitude etnográfica com que os artistas abordam, doravante, as questões relativas à produção, distribuição e consumo das obras de arte. O paradigma do artista enquanto etnógrafo foi, aliás, uma tentativa de reconfiguração do discurso benjaminiano do "artista enquanto produtor" recolocando no papel do Outro um outro cultural, cuja alteridade se define em termos de identidade e não já em termos de classe socio-económica. Ora o outro enquanto identidade cultural nunca existiu em Portugal, país que se familiarizou com o termo "proletariado" na década de 70 quando a "terceira vaga" (Alvin Toffler) já estava prestes a tornar obsoleta a própria noção de trabalho.   País, ainda, cuja memória colonial permanece até hoje escamoteada e onde o ensino continua assente em estratégias de mistificação. Nunca confrontado com vagas de imigração irredutíveis, e nunca confrontado com nenhum movimento feminista de peso, Portugal permaneceu, no seu isolamento internacional, virtualmente alheio às ondas de choque que abalaram o século XX. Devido à longevidade da ditadura salazarista, Portugal não viveu o período moderno. Não será, portanto, de estranhar que a pós-modernidade lhe tenha aparecido como um produto importado.   José Loureiro, Minutos, 1996/97. Óleo sobre tela, 194 x 261 cm. Col. Banco Privado Português. Vitor Branco.   Pedro Cabrita Reis, Rio, 1992 (Documental). Mármore, 255 x 630 x 2530 cm. Col. do artista. Dirk Pauwels. A nível nacional a década inaugura-se com a exposição 10 Contemporâneos (Serralves, 1992), comissariada por Alexandre Melo, que reúne 10 artistas (Gerardo Burmester, Pedro Cabrita Reis, Pedro Calapez, Pedro Casqueiro, Rui Chafes, José Pedro Croft, Pedro Portugal, Pedro Proença, Rui Sanches e Julião Sarmento) apresentados como protagonistas da cena artística nacional na viragem dos anos 80 para os anos 90.   No ano seguinte, também em Serralves, e com o objectivo mais específico de criar uma imagem de marca da década de 90, apresenta-se Imagens para os anos 90 (Serralves, 1993), comissariada por Fernando Pernes e Miguel von Hafe Pérez, reunindo pela primeira vez um grupo de artistas emergentes, Miguel Palma, Paulo Mendes, João Paulo Feliciano, Fernando Brito, João Louro, António Olaio, João Tabarra, Carlos Vidal, Manuel Valente Alves, Daniel Blaufuks, Miguel Ângelo Rocha, Joana Rosa, Rui Serra ou Sebastião Resende, entre outros, entre os quais estão muitos dos nomes que irão moldar a arte portuguesa dos anos 90.   Fernanda Fragateiro Instalação na Sala Sul, Museu de História Natural, Lisboa, 1990. Madeira, gesso, cimento, tijolo e alumínio, 25 x 10 x 5 m. Cortesia da artista. Pedro Letria.   Ana Vidigal, s/título, 1991. Técnica mista sobre tela, 180 x 200 cm. Col. Centro de Arte / Col. Manuel de Brito. Mário Soares. A exposição inaugura, também, uma polémica que percorre toda a década entre duas formas de entender a prática artística: uma preconizando uma atitude mais essencialista e a-histórica, a outra mais alerta em relação às questões e problemas da conjuntura cultural e social, advogando uma prática artística interventiva e comprometida.   Augusto Alves da Silva, Que bela família, 1992. Série de 6 fotografias, Fujicrome, 75 x 93 cm. (cada). Cortesia do artista. Cortesia do artista.   O extremar destas posições denota, antes de mais, uma condição periférica que Portugal estava ainda longe de ultrapassar, (re) produzindo assim em solo nacional um debate a que a Europa já havia assistido na década de 30.   No entanto, e perante uma dinâmica da alteridade, a década ir-se-á definir por estratégias de ruptura que se manifestam a vários níveis: no contexto estético e artístico, em sentido estrito; no contexto geracional, com a geração de 90 a afirmar-se contra a geração de 80; no contexto institucional, com os artistas formados pelo Ar.Co (que conhece um novo impulso sob a direcção de Manuel Castro Caldas) a competirem com os artistas formados pela FBAUL. Contudo, vale a pena sublinhar que é, afinal, a ausência de real alteridade que permite e proporciona esta estrutura dicotómica que mascara, em última análise, a ausência de um real debate e de uma real dialética de produção-recepção.   Por outro lado, por razões de ordem sociológica como sejam a escassez de oportunidades de carreira, a dificuldade de internacionalização e a debilidade do mercado, a década de 90 vive o paradoxo da não-correspondência entre a intenção e o acto. Assim constata-se que os artistas nunca de facto abandonam a produção objectual acrescentando-lhe mesmo uma escala institucional, a "escala museológica" que reflecte uma apurada consciência da existência e desejo de articulação com um "público consumidor" específico e constituído pelas novas instituições públicas. Uma circunstância reforçada por um fenómeno social mais vasto: na sequência do "boom" económico dos anos 80, a sociedade portuguesa vê florescer uma nova classe abastada, cuja posição social recém-adquirida irá demonstrar um extraordinário apetite pelo consumo de produtos de prestígio. Se por um lado esse facto funciona como um incentivo à produção em geral, por outro condiciona a mesma, impondo uma exigência de convencionalidade distante de veleidades experimentalistas que não sejam enquadradas a priori por um discurso de legitimação.   Daniel Blaufuks, Auto-Retrato (Cérebro), da série O Livro do Desassossego, 1996. Duratrans e negatoscópio, 46 x 132 x 15 cm. (3 elementos). Cortesia do artista. Cortesia do artista.   Carlos Nogueira, Chão de Cal, projecto 1992, realização 1994. Madeira, ferro, cimento, cal, luz e som dos passos, 24 m. x 9m x 4,20 m. Museu de História Natural / Sala do Veado. Col. do artista. Carlos Nogueira. Assim, e de certa forma contra a corrente mais visível no contexto internacional, os artistas portugueses que veiculam um posicionamento político na sua prática artística fazem-no sobretudo ao nível do conteúdo expresso nas suas obras. Veja-se, a título de exemplo, a produção de Paulo Mendes, Pedro Cabral Santo ou dos Entertainment Co. (João Louro e João Tabarra), regra geral claramente objectual, em termos de prática plástica, e portanto, no limite, reiterativa da noção de arte como objecto mercantil apesar da convicta politização da sua postura e temáticas.   Rui Chafes, A Manhã IV, 1992/93. Ferro, 39 x 37 x 75 cm. Col. Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. Laura Castro Caldas e Paulo Cintra.         Ana Jotta, Roger, 1995. Toalheiro mecânico desactivado, toalha bordada, 78 x 37 x 21 cm. Col. Fundação Calouste Gulbenkian / CAMJAP José Manuel Costa Alves.   Neste sentido, boa parte da produção portuguesa da primeira metade da década de 90 parece enredada no paradoxo da adesão a uma postura warholiana cínica, apregoando, no entanto, uma postura brechtiana crítica e subversiva. No entanto devemos aqui assinalar dois factores não desprezíveis nesta conjuntura. Por um lado, toda a produção artística dos anos 90 caminha, de certa forma, sobre o fio da navalha, no que diz respeito à distinção operativa entre uma postura crítica e uma actuação reiterativa. Sendo que a dificuldade da gestão de uma atitude de apropriação dos signos ditos imperialistas que não se torne performativa dos mesmos se faz sentir um pouco por todo o lado. Em visão retrospectiva podemos notar que, independentemente das conquistas dos agentes, uma disposição social mais vasta condiciona a leitura, não sendo de todo a mesma coisa praticar a apropriação na década de 30 e praticar a apropriação na década de 90. Por outro lado, a vaga neo-conceptual da década gerou um mal-entendido ao nível da legibilidade das obras postulando uma hegemonia do assunto que obscureceu a percepção de outros níveis de significação. Tal problema faz-se sentir mais fortemente em países que uma condição periférica torna mais vulneráveis a défices de informação ou à deficiente gestão da mesma, reproduzindo em geral tendências hegemónicas.   Digno de nota é o facto de os artistas que adoptaram uma postura conducente a politizar a forma e não apenas o conteúdo das suas obras, a técnica e não o tema, serem aqueles cuja vivência pessoal e profissional transcende o território nacional, nomeadamente Júlia Ventura, João Penalva ou Ângela Ferreira. Através destes artistas faz-se notar uma sempre presente linha de continuidade com a anterior geração, representada pelos próprios, por António Olaio, Ana Jotta ou Helena Almeida, e que de algum modo radica nos anos 70, com Ernesto de Sousa.   Regressando ao plano cronológico devemos lembrar que a exposição Imagens para os anos 90 foi precedida por uma outra, apresentada no Convento de São Francisco em Beja e na qual os portugueses João Paulo Feliciano e Carlos Vidal, e os espanhóis Pedro Romero e Siméon Sáiz, expunham o seu Manifesto por uma alternativa politizada para a arte portuguesa no início dos anos 90. Ainda dentro desta orientação discursiva Jorge Castanho organizou em Beja, na antiga Metalúrgica Alentejana, em 1995, a exposição Espectáculo, Exílio, Deriva, Disseminação: um projecto em torno de Guy Debord com a participação de Fernando Brito, Carlos Vidal, João Felino, Paulo Mendes, João Tabarra, João Louro, Miguel Palma e Entertainment Co.   Devemos ainda lembrar que, se é verdade que Portugal se mantém numa condição periférica, é também verdade que todo um conjunto de novos factores começa, lentamente, a alterar essa situação. Ainda em 1993 uma exposição introduz o público português ao trabalho de um conjunto de artistas emergentes que viria a marcar toda a arte internacional. Integrada nas 2as Jornadas de Arte Contemporânea (Porto), comissariadas por João Fernandes, trata-se da exposição A Pasta de Walter Benjamin, comissariada por Andrew Renton que apresentou alguns dos artistas britânicos que viriam a formar a famosíssima geração dos Young British Artists (YBA): Douglas Gordon, Christine Borland, Graham Gussin ou Jane & Louise Wilson, entre outros.   Colmatando, em parte, o desfasamento entre Portugal e os principais centros europeus, alguns comissários e instituições prosseguem um aturado trabalho de divulgação. Entre eles encontramos os já mencionados Miguel von Hafe Pérez e João Fernandes, e ainda Pedro Lapa, Delfim Sardo, Isabel Carlos ou Jürgen Bock.   Ângela Ferreira, Portugal dos Pequenitos, 1995. 1 caixa de luz vertical (alumínio, plexiglass, vinil, lâmpadas; 20 x 42 x 180 cm), 1 escultura (madeira, PVC, mangueira; 850 x 120 x 80 cm), 1 plano do parque (papel, cor; 45 x 40 cm), 1 desenho (grafite sobre papel; 25 x 120 cm). Col. Banco Privado Português. Ângela Ferreira.   Miguel Palma, Ecossistema, 1995. Casulo em mica insuflada por ventilador, focos, ferro, alumínio, tubagens de ventilação, acrílico, temporizador, Kits de casas e fábricas à escala 1/100, 210 x 210 x 450 cm. Col. Institut d´Art Contemporain FRAC Rhôn. DR/ Cortesia do Artista. Isabel Carlos comissaria para a Lisboa 94 Capital Europeia da Cultura a exposição Depois de Amanhã, apresentada no recém-inaugurado Centro Cultural de Belém, espaço onde, no mesmo ano, é apresentada a não menos importante mostra Múltiplas Dimensões. Pedro Lapa inicia no Museu do Chiado o programa de exposições Interferências que, a partir de 1996, vai apresentar projectos de artistas como Miguel Palma, Augusto Alves da Silva, Gillian Wearing, Jimmie Durham, Henrik Plenge Jakobsen ou Stan Douglas. Imbuídas do ar do tempo estas iniciativas funcionam em Portugal como ilhas de contemporaneidade, apresentando visões e tendências que virão a moldar o panorama português posterior.   Xana, Lar Doce Lar no Quarto 4, 1994. Pintura acrílica sobre MDF, 182 x 276 x 4 cm. Col. do artista. DR/ Cortesia Culturgest.   Xana, Lar Doce Lar no Quarto 5, 1994. Pintura acrílica sobre MDF, 183 x 275 x 5 cm. Col. Mário Martins. DR/ Cortesia Culturgest. A década de 90, na sequência da guerra no Golfo, arranca com uma atmosfera geral de crise e recessão económica em que uma nova vaga de galerias - Alda Cortez, Graça Fonseca ou Palmira Suso -, cujos projectos tinham sido concebidos num momento anterior, se vê confrontada com um contexto económico particularmente difícil. Ao longo dos anos 90, algumas das galerias mais destacadas da década anterior encerram, como é o caso da Nasoni, bloqueada por graves questões financeiras, ou da Valentim de Carvalho. A Galeria Hugo Lapa, que lhe sucedera, encerra no final de 1997 tal como a Alda Cor tez e Graça Fonseca. Entretanto vêm adquirindo protagonismo um conjunto de galerias com uma atitude mais ecléctica e mais adaptada às solicitações do mercado, privilegiando a eficácia económica em relação à legitimação cultural. É o caso das galerias Fernando Santos e Quadrado Azul, ambas do Porto, tal como uma série de outras novas galerias - André Viana (entretanto encerrada) Canvas (que deu lugar à Graça Brandão) e Presença - cuja abertura, contrastando com os encerramentos em Lisboa, transformam o Porto, no final dos anos 90, no principal centro galerístico do país. Aí se encontram também a Pedro Oliveira, uma delegação da Módulo e a Zen, sucursal da III. De resto, estas três galerias são, a nível nacional, as únicas que prolongam as suas dinâmicas das décadas anteriores.   Miguel Soares, Untitled (VR Trooper), 1996. Chapa zincada, acrílico, turfa irlandesa, relva artificial, VR Trooper, base rotativa, strobe-light, detector de movimento, 130 x 250 x 250 cm. Greenhouse Display, Estufa Fria, Lisboa. Col. Ivo Martins. DR/ Cortesia do artista.   Pedro Tudela, S/título da série Rastos, 1997. Bobines de fita magnética e metais variados, dim. variáveis. Vista da instalação na Fundação Cupertino de Miranda, Vila Nova de Famalicão. Col. Fundação de Serralves. ZM.     Miguel Soares, Untitled (VR Trooper) (pormenor) DR/ Cortesia do artista.   Não obstante, desde 1992 Lisboa tinha começado a esboçar um circuito alternativo com a criação da galeria ZDB, cujo papel será fundamental na afirmação dos percursos de muitos dos artistas que irão surgir ao longo da década. Ainda em 1992 surge também uma alternativa ao ensino facultado tanto pela FBAUL como pelo Ar.Co ao ser criada a Escola de Artes Visuais Maumaus, a qual virá mais tarde, sob a direcção de Jürgen Bock, a ser responsável pela formação de toda uma tendência artística, vincadamente centro-europeia e ancorada no conceito de "Platform art". Nesse mesmo ano Pedro Cabrita Reis é convidado para a Documenta de Kassel e inaugura uma exposição antológica no CAM da Gulbenkian.   Em 1993, um grupo auto-organizado de artistas segue as pegadas dos seus predecessores britânicos e resolve tomar nas suas próprias mãos as decisões relativas às modalidades de exposição. Esses artistas são, entre outros, Paulo Carmona, Pedro Cabral Santo, Tiago Baptista e Paulo Mendes. Após a sua estreia com a colectiva Set Up, apresentada na Faculdade de Letras de Lisboa, prosseguem um consequente programa expositivo que integra, entre outros, eventos como Greenhouse Display (Estufa Fria, 1996), Jetlag (Reitoria da Universidade de Lisboa, 1996), Zapping Ecstasy (CAPC, 1996), X-Rated (ZDB, 1997), O Império Contra-Ataca (ZDB, 1998), (A)casos (&)materiais (CAPC, 1999), Plano XXI (G-Mac, Glasgow, 2000), Urban Lab - Bienal da Maia (2001), geralmente comissariados por Paulo Mendes ou Pedro Cabral Santo. Paulo Mendes, L´Art de Vivre (Portrait) / Ken C´est Moi, Barbie C´est Moi, Action Man C´est Moi, 1997/98. Fotografia a cores, 12 partes, 39, 5 x 29, 5 cm. (cada), Ed. 6 exemplares. Col. Fundação Portugal Telecom; Col. Ivo Martins. Arquivo Paulo Mendes.   Pedro Cabral Santo, Exit (For You Guys), 1998-99. Vídeo, cor, som, 20´. Vista da projecção na Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002. Col. particular. DMF.   João Tabarra, This is not a drill (no pain, no gain) (detalhe), 1999. Fotografia a cores, 180 x 275 cm. MNAC. Cortesia do artista. Através destas exposições toda uma nova vaga de artistas será apresentada, juntando-se nomes como Rui Toscano, Miguel Soares, Carlos Roque, Alexandre Estrela, ou Rui Valério, aos já mais afirmados Ângela Ferreira, João Tabarra, Miguel Palma, João Louro, Entertainment Co., Paulo Mendes, João Paulo Feliciano, Fernando José Pereira, Pedro Cabral Santo, Augusto Alves da Silva, Rui Serra, Cristina Mateus e Miguel Leal.     António Olaio, What happened to Henri Matisse, 1997. Óleo sobre tela, 90 x 250 cm. Col. Gerardo Burmester. António Olaio. Paralelamente, adquire notoriedade um outro grupo de artistas, maioritariamente oriundos do Ar.Co, integrando, entre outros, Francisco Tropa, José Drummond, Edgar Massul, André Maranha, Rui Calçada Bastos e Noé Sendas. A inicial rivalidade entre os dois grupos, em grande parte derivada do contexto escolar, ir-se-á esbater com a crescente profissionalização do meio, a qual irá ainda produzir uma triagem assaz diversa da original.   Entretanto convém não esquecer que a renovação de atitudes e processos convive com o desenvolvimento de pesquisas no âmbito das disciplinas mais consagradas. Destaque-se o aprofundamento da exploração das possibilidades contemporâneas da pintura, na diversidade das suas dimensões e tradições, em vários artistas cujas obras se vem desenvolvendo de modo consistente. Vejam-se a original evocação da história da pintura por Miguel Branco, a reinvenção da paisagem por João Queiroz, a exploração das texturas abstractas por João Jacinto, o efeito surpreendente da peculiar técnica pictórica de Gil Heitor Cortesão, o vigor do registo narrativo pulsional de Fátima Mendonça ou a evolução do trabalho de José Loureiro no sentido de uma sistemática demonstração pela prática do inesgotável potencial da pintura, para além de todas as codificações formais.   Da maior importância na definição do panorama artístico português e do seu coeficiente de profissionalização foi a criação do Ministério da Cultura, em 1995, e do Instituto de Arte Contemporânea. Dirigido desde o início por Fernando Calhau, o IAC terá um papel fundamental na dinamização dos circuitos de produção e divulgação de que a arte portuguesa tanto carece, retomando em 1997 a participação nacional na Bienal de Veneza (Julião Sarmento, com comissariado de Alexandre Melo).   Alexandre Estrela, Biovoid, 1998. Fibra de vidrio e holograma, 500 x 250 cm. Apresentado na Sala do Veado. Col. do artista. Alexandre Estrela.   Rui Toscano, Infinity, 2001. Retroprojecção vídeo, DVD, 35´´, loop, 350 x 150 cm. Cortesia do artista / Cristina Guerra Contemporary Art. Video Still - Cortesia do artista. Outros acontecimentos convergem no mesmo sentido, desde a constituição da Colecção Berardo e respectiva inauguração do Sintra Museu de Arte Moderna, até à decisiva inauguração do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto, com a exposição internacional Circa 1968, comissariada por Vicente Todolí e João Fernandes.   Não será, portanto, exagero afirmar que esta segunda metade da década de 90 representa um imenso progresso em termos institucionais. Para além da Fundação de Serralves, assistimos à criação ou dinamização do Centro Cultural de Belém, da Culturgest e do Museu do Chiado, sem esquecer o papel desempenhado pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento.   Uma política cultural mais consciente da contemporaneidade cosmopolita permitiu construir uma base mais sólida de circulação e programação, sendo que, ao contrário do que se costuma afirmar, os artistas portugueses adquiriram uma razoável plataforma de apoios institucionais, a qual permite uma relativa facilidade no acesso a bolsas e subsídios.   Contudo, a falta de grandes coleccionadores sediados em território nacional funciona ainda e sempre como uma desvantagem, limitando as ambições dos agentes culturais a um horizonte local que, em última análise, pode manietar as aspirações de internacionalização de grande parte dos artistas.   Estando a sociedade civil, neste caso, desfasada do Estado, Portugal continua a carecer dos meios de afirmação necessários para impor uma imagem a nível internacional. Se é bem verdade que muitos artistas conseguem encontrar canais de acesso e de integração em circuitos internacionais, é também verdade que existe uma enorme dificuldade de sustentação dos mesmos a longo prazo.   Hoje, como antes, a arte contemporânea é um produto de importação, não tendo o país conseguido, ainda, desenvolver estratégias de exportação ambiciosas e consistentes. Ficha Técnica | Credits

Anos 70

Anos 70
Os Anos 70     Julião Sarmento, Faces (detalhe), 1976. Filme Super 8, cor, sem som, 44´22´´, dim. variáveis. Col. Van Abbemuseum.José Manuel Costa Alves.         Eduardo Luiz, O 7º disfarce de Zeus, 1972. Óleo sobre tela, 194 x 113 cm. Col. Centro de Arte / Col. Manuel de Brito.DR/ Cortesia Galeria III.   Nas vésperas da revolução democrática de 1974, Portugal vivia uma conjuntura bastante desfavorável. Em primeiro lugar, colocava-se a questão de uma guerra colonial prolongada e inconclusiva. A tardia e pouco eficaz abertura do sistema político promovida pelo governo de Marcelo Caetano desde 1968 e o desgaste das estruturas institucionais do Estado Novo, com um núcleo político incapaz de resolver o impasse a que o país chegara, geravam um governo caracterizado pela lenta agonia da luta pela sobrevivência, extremamente debilitado perante a comunidade internacional. Em segundo lugar, a insatisfação geral e as dificuldades económicas e sociais da população caracterizavam a realidade isolacionista de um país que se revia ainda na famosa expressão "orgulhosamente sós", comandado por uma classe dirigente dependente de valores políticos e ideológicos ultrapassados. Neste contexto, martirizada pela longevidade do regime, a sociedade portuguesa sofreu os efeitos negativos da intervenção política na dinâmica cultural. A relativa abertura do sistema no período final do regime reforçou inclusivamente a percepção do abismo que separava a realidade social e artística do nosso país da dinâmica internacional da contemporaneidade.   De qualquer modo, não deve ficar a ideia de que antes do levantamento militar democrático de 25 de Abril nada existia e que depois tudo se realizou e concretizou com sucesso, pois a ausência de adequadas políticas culturais foi contínua e persistente.   No que diz respeito ao contexto artístico e, em particular, à realidade das artes plásticas, o período de transição ideológica e política que caracterizou o nosso país na década de 70 apresenta uma complexa multiplicidade de referências, contribuindo indirectamente para abrir uma nova etapa na actividade artística e cultural. Se é verdade que as reformas empreendidas durante o período marcelista possibilitaram uma maior aproximação à situação internacional, não é menos certo que a política cultural de base traduzia uma ineficácia institucional expressa na falta de museus ou centros de arte contemporânea, na debilidade ou inexistência de mercado e na quase total ausência do apoio do Estado às tendências estéticas contemporâneas.   Ainda assim, com as medidas económicas tomadas pelo novo governo de Marcelo Caetano, a par das encomendas para a sede da Fundação Gulbenkian e da criação dos Prémios Soquil (1968-1972), o mercado de arte começa a dinamizar-se e a criar uma clientela que vai despertando para a arte moderna em detrimento de um gosto oitocentista enraizado. Contudo, não basta o período de alta especulativa do valor das obras de arte a que se assistiu em meados de 1973 para concluirmos que existia uma dinâmica efectiva e consistente de mercado. Este pequeno "boom" em torno do comércio de arte em Lisboa e Porto traduziu-se na proliferação de galerias e outros espaços expositivos. No final da década de 60 e ao longo da seguinte, no Porto inauguram a Zen (1970) e o Módulo-Centro Difusor de Arte (1975), em Lisboa a Buchholz (a partir de 1965, na R. Duque de Palmela), a Dinastia (1968), a Judite da Cruz, a S. Mamede (1969), a Quadrum (1973) e o segundo espaço do Módulo (1979), e a Ogiva em Óbidos (1970). A par da acção desenvolvida na divulgação e formação de vários artistas por estas galerias, em particular pela Galeria Quadrum e pela Galeria Ogiva que desenvolveu uma estratégia de descentralização, o CAPC (Círculo de Artes Plásticas de Coimbra) teve igualmente um papel importante na experimentação e promoção de novas atitudes estéticas, com acontecimentos tão significativos como Minha Nossa Coimbra Deles (1973), Arte na Rua ou 1000001º Aniversário da Arte (1974). Estes actos simbólicos, "happenings" e "performances" pretendiam alertar a comunidade para o atraso das instituições e gerar a necessária consciencialização da urgência do trabalho a realizar.     Sá Nogueira, Erotropo, 1970. Técnica mista sobre tela foto-sensível, 77 x 121 cm. Col. Fundação Calouste Gulbenkian / CAMJAP.DR/ Cortesia Fundação Calouste Gulbenkian.   Pires Vieira, Des-Construções, 1974. Tela de algodão, esmalte sintético, corda, dim. variáveis. Col. Fundação de Serralves.Catarina Costa Cabral.     Nikias Skapinakis, Encontro de Natália Correia, Fernanda Botelho e Maria João Pires, 1974. Óleo sobre tela, 140 x 110 cm. Col. Fundação Calouste Gulbenkian / CAMJAP.DR/ Cortesia Fundação Calouste Gulbenkian / CAMJAP.         João Cutileiro, Maquete de D. Sebastião - I, 1972. Mármore, 46 x 15 x 15 cm. Col. particular.João Cutileiro Jr. De suma importância foi a reestruturação da secção portuguesa da AICA (Associação Internacional de Críticos de Arte), em 1969, mas, sobretudo, a emergência de um discurso crítico e actual por parte de Ernesto de Sousa. Crítico, comissário e artista, Ernesto de Sousa foi uma figura controversa no país de então, desenvolvendo uma estratégia de ruptura e descontinuidade para com os cânones estabelecidos. Depois de uma incursão pelo cinema e pela estética neo-realista enveredou por uma arte experimental com um forte cunho conceptual, em plena sintonia com o que se fazia fora do país. Visita a Documenta de Kassel em 1972, onde conhece pessoalmente Joseph Beuys e contacta com as ideias de Harald Szeemann, facto que marcaria o seu pensamento crítico e contribuíria para trazer novas problemáticas para o debate nacional, tais como a desmaterialização da obra de arte, a noção de "obra aberta", o artista como "operador estético" ou o papel activo do espectador. Da sua actividade como comissário e promotor de projectos devemos considerar os Encontros do Guincho (1969), Nós não estamos algures (1969), O meu corpo é o teu corpo (1971) e as exposições integradas na AICA Do Vazio à Pró-Vocação (1972) e Projectos-Ideias (1974), para além do marco histórico da década: a Alternativa Zero (1977). As mortes de Eduardo Viana (1967) e de Almada Negreiros (1970), assim como a primeira grande retrospectiva de Vieira da Silva no nosso país, na Fundação Gulbenkian (1970), marcam, por assim dizer, o início de um novo período no panorama da arte nacional.   Ao nível das publicações também assistimos durante a primeira metade da década de 70 ao aparecimento da revista Colóquio-Artes (1971-1997), sob a direcção de José-Augusto França, e no Porto, em 1973, à Revista de Artes Plásticas. No ano seguinte seria, também da autoria de José-Augusto França, publicada A Arte em Portugal no Século XX, obra de referência para a historiografia artística nacional.   Ainda em 1973 - ano da morte de Picasso - três acontecimentos importantes merecem uma referência particular.   Durante o mês de Abril realizou-se a exposição 26 Artistas de Hoje, reunindo na Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA) alguns dos trabalhos do conjunto de artistas distinguidos pelos Prémios Soquil. Em Setembro desse ano era inaugurado, em Lagos, o monumento a D. Sebastião. Não é fácil encontrar uma figura cuja carga histórica, mítica e cultural, melhor represente a atmosfera passadista, pasmada e bloqueadora que impregnou a sociedade portuguesa durante largas décadas. Ao mesmo tempo, a figura de D. Sebastião foi uma das grandes fontes inspiradoras de uma atitude irracionalista, saudosista, reaccionária e imobilista que por muito tempo marcou correntes influentes do pensamento português. Estas considerações histórico-culturais ajudam a explicar porque é o D. Sebastião de João Cutileiro uma obra-chave deste período. Partindo da experiência técnica das suas "bonecas articuladas", o autor apresenta-nos o jovem rei como o menino que questiona o mito imperial dos portugueses, numa renovação da estatuária que definiria o novo limiar da escultura portuguesa, destronando em definitivo a linguagem escultórica do regime, protagonizada pelo trabalho de Francisco Franco. A inserção física da estátua numa praça de Lagos corresponde ao modo como o adolescente Sebastião pousa no chão o elmo e abre à sua volta um olhar claro e limpo, através do qual o seu corpo se deixa absorver pela luz.       José de Guimarães, Máscara com Tatuagens, 1973. Acrílico sobre tela, 100 x 81 cm. Col. Museum Würth.José Manuel Costa Alves.   Eduardo Batarda, What´s in a nose?, 1973. Aguarela sobre tela, 77,3 x 58,8 cm. Col. Banco Privado Português.DR/ Cortesia Banco Privado Português.   João Abel Manta, MFA - Sentinela do Povo. Postal, sem data. Col. Museu da Cidade - CML.DR/ Cortesia Arquivo Fotográfico do Museu da Cidade.   De modo mais óbvio, outros eventos artísticos anunciam a iminência da mudança política. Em Dezembro de 1973 inaugura na SNBA a Exposição 73. Na sala de entrada uma representação escultórica realista de um soldado morto com a farda da guerra colonial - Jaz Morto e Arrefece de Clara Menéres. Por trás dele, na parede, um friso de pardos rostos silenciosos numa pintura de Rui Filipe. Na noite da inauguração uma performance de João Vieira envolvendo uma mulher nua pintada de dourado é ainda matéria de pequeno escândalo. A 25 de Abril de 1974 é o "25 de Abril". A 10 de Junho, dia de Portugal, 48 artistas juntam-se para comemorar o acontecimento e pintar, em simultâneo, ao vivo, em directo diante do público e das câmaras da televisão um grande painel que tem como tema a liberdade. É um evento ingénuo e um pouco anedótico mas não vale a pena negar-lhe a sua autenticidade emocional e conjuntural. Durante a reportagem alguém diz a Júlio Pomar que a sua pintura é complicada. Pomar responde que a vida também é complicada.   Fernando Calhau, S/ título, # 99. Materialização de um quadrado imaginário, 1974. Fotografia a cor e tinta da china sobre papel fotográfico, (4x) 8,5 x 12 cm. Col. Fundação de Serralves.DR/ Cortesia Fundação de Serralves.   No Porto, uma "comissão para uma cultura dinâmica" formada por artistas plásticos, escritores e poetas realiza nesse mesmo dia o Funeral do Museu Nacional de Soares dos Reis. O protesto - que envolveu cerca de 500 pessoas - era dirigido contra o sistema museológico português em geral, completamente anacrónico. Os acontecimentos políticos de 74 vieram interromper o ritmo das exposições de artes plásticas, assim como o consequente trabalho da crítica. Das páginas dos jornais quase desaparecem as referências às práticas artísticas, embora a inevitável euforia da movimentação política tenha determinado, ainda que fugazmente, a renovação da participação cultural, com a aspiração a um novo tipo de relacionamento entre artistas e público em geral.         Clara Menéres, Mulher-terra-vida, 1977. Acrílico, terra e relva, 80 x 270 x 160 cm. Vista da instalação na exposição Alternativa Zero, Galeria de Belém.Clara Menéres.   Como é habitual em períodos de agitação política pré- ou pós-revolucionária, vários artistas e práticas culturais foram instrumentalizados pelas mais primárias, anacrónicas e absurdas manipulações ideológicas. Se quisermos fazer um balanço, em termos estéticos, de toda esta agitação política, retenham-se os cartoons de João Abel Manta e os sumptuosos murais do MRPP, quase todos já destruídos. Entre os alinhamentos estéticos desses anos discutia-se, simultaneamente, a dialéctica entre figurativismo e abstracção, entre a pintura e a arte conceptual (ou as acções pós-conceptuais), e reviam-se as intenções, agora libertas da censura, do surrealismo e do neo-realismo portugueses. Procurava-se nas propostas mais ligadas ao exterior, dos conceptualismos vários às tendências pós-vanguardistas, a marca de uma renovação ou as referências mais evidentes da contemporaneidade. Entre o formulário conceptualista e o registo neo-figurativo reordenavam-se as propostas estéticas dos anos 70, numa tendência crescente para a afirmação dos percursos individuais de cada artista.   Nesta interrogação e revisão da modernidade promoveram-se algumas exposições, retrospectivas, mostras temáticas, decorrentes também da situação política e social do país (a título de exemplo refira-se a exposição Pena de Morte, Tortura, Prisão Política, SNBA, 1975). Divulgaram-se práticas e intenções plurais, revelando a multiplicidade da oferta, numa convivência harmónica entre gerações de artistas, estilos, dinâmicas e referências.     Vitor Pomar, S/título, 1979. Acrílico sobre tela, 340 x 200 cm. Col. Caixa Geral de Depósitos.Laura Castro e Caldas e Paulo Cintra.         Ana Hatherly, As Ruas de Lisboa, 1977. Colagem, 110 x 90 cm. Col. Fundação Calouste Gulbenkian / CAMJAP.Mário de Oliveira.     No campo das artes plásticas uma grande exposição - Alternativa Zero, Galeria Nacional de Arte Moderna, Belém, 1977 - encerra o período das convulsões pós-revolucionárias, fazendo o balanço da década de 70 no que diz respeito às experiências artísticas mais vanguardistas. Alternativa Zero, organizada por Ernesto de Sousa, constitui um balanço dos trabalhos que em Portugal se mostraram mais sintonizados com as tendências da evolução da arte contemporânea a nível internacional. Conforme o catálogo descritivo advertia a respeito do evento: "pretende ser 'algo mais' do que uma exposição: ou, encarando as coisas de outro prisma, pretende ser uma exposição aberta, com todas as consequências possíveis 'nesta' sociedade, inclusive concorrer (ainda que pouco) para transformá-la". As propostas conceptuais de Alberto Carneiro, ou de Clara Menéres com Mulher-Terra-Vida, e o vídeo de João Vieira, comprovam e exemplificam a linha plural orientadora da exposição, numa altura em que o vazio do mercado de arte não permitia uma verdadeira visibilidade das obras nacionais. A exposição intitulada Alternativa Zero - Tendências Polémicas na Arte Portuguesa Contemporânea marca assim o primeiro balanço dos trabalhos que em Portugal tomaram como referência as atitudes conceptuais e congéneres. Uma situação entre nós minoritária e marginalizada, da qual, no entanto, sairia uma primeira vaga de artistas que viriam a desempenhar um papel do maior relevo ao longo da década de 80. Em 1978 realizou-se a I Bienal Internacional de Artes Plásticas de Vila Nova de Cerveira, iniciativa que, privilegiando a contemporaneidade durante as primeiras edições, promoveu a descentralização artística, revelando curiosas assimetrias culturais, numa temporária coexistência entre a tradição da expressão regional própria da localidade e a novidade das formas artísticas apresentadas.   Talvez influenciada pelo sucesso da I Bienal de Cerveira, a Secretaria de Estado da Cultura organizou, em 1979, a Iª edição da Bienal Internacional de Desenho, que veria abruptamente interrompido o seu percurso devido ao incêndio do espaço da Galeria de Belém, em 1981. Apesar da iniciativa não ter tido continuidade é importante salientar a passagem pelo espaço da galeria de alguns trabalhos que ultrapassaram a fronteira do desenho e afirmaram uma liberdade experimentalista tendo como suporte o papel e as suas potencialidades.   A década de 70 deu continuidade a muitas das linguagens plásticas produzidas por artistas das décadas anteriores mas, por outro lado, radicalizou soluções dos anos 60 e lançou e consagrou uma série de autores que mostraram opções plásticas bastante amadurecidas. Entre os artistas de continuidade, alguns dos quais consolidam a sua presença na crítica e no mercado durante este período, podemos referir Júlio Pomar, Paula Rego, Joaquim Rodrigo, Mário Cesariny, António Sena, Álvaro Lapa, José de Guimarães e Eduardo Batarda.   Na sequência de pesquisas de anos anteriores, nomeadamente na área da poesia concreta, devemos referir a ecléctica obra de Ana Hatherly, com passagens pelo desenho, pintura, "performance", "happening" (Rotura, 1977) e cinema (filme Revolução, 1975). Veja-se a sua participação na Alternativa Zero, com Poemad'entro.   No campo da pintura, Luísa Correia Pereira a trabalhar em aguarela, colagem sobre papel e outros suportes e técnicas, elaborou uma obra marcada pela representação espontânea e pelo colorido, com referências a lugares, personagens e objectos de mundos imaginados e, mais recentemente, com referências à sua própria infância. Vítor Pomar, cuja obra reivindica uma forte influência do budismo Zen, utiliza na sua pintura uma estética bicolor, com predomínio do preto e branco, mantendo-se no registo abstracto, mas passando também pela fotografia, vídeo e cinema experimental.   Helena Almeida, #1 Desenho Habitado, 1977. 6 fotografias a preto e branco, tinta e colagem de crina, 42 x 52, 2 cm (cada). Col. Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento em depósito na Fundação de Serralves.Laura Castro Caldas e Paulo Cintra.   Relativamente aos percursos individuais, à margem das disciplinas tradicionais, cabe mencionar Alberto Carneiro que nestes anos inicia os seus "teatros-ambientes" com obras tão significativas como Canavial: memória/metamorfose de um corpo ausente (1968-1970), Uma floresta para os teus sonhos (1970) ou Uma linha para os teus sentimentos estéticos (1970-71), para além das suas propostas mais perto da land art como Operação Estética em Vilar do Paraíso (1973). Também Helena Almeida parte para a exploração de outros media, mormente a fotografia, onde a auto-representação e as noções de espaço e de corpo performativo são referências constantes. António Palolo estende as suas pesquisas às áreas do filme, vídeo e instalação numa proximidade com as tendências neo-conceptuais, afastando-se da pintura com referências pop e minimalistas do início da década. Também Julião Sarmento passa a utilizar a fotografia e a realizar filmes, mantendo as temáticas sexuais características do seu trabalho pictórico anterior.     Vista da exposição Alternativa Zero, 1977. Col. Fundação de Serralves.DR/ Cortesia Fundação de Serralves.   Ana Vieira, Ambiente - Sala de Jantar, 1971. Técnica mista, alt. 2m x 3,12m x 3,12m. Col. Fundação Calouste Gulbenkian / CAMJAP.Carlos Azevedo.   Ainda numa linguagem conceptual encontramos o trabalho de Graça Pereira Coutinho, emigrada em Londres, que utiliza materiais naturais (terra, palha, areia, folhas, giz), métodos artesanais, impressões de mãos, palavras ilegíveis, rabiscos e memórias de vivências pessoais para criar soluções entre escultura e pintura. Numa outra vertente conceptual, mormente ao nível do questionar do próprio conceito da obra de arte e seus mecanismos de recepção e divulgação, temos o trabalho de Manuel Casimiro, também emigrado em França. Trata-se de uma obra que remete para o acervo imagético da história da arte, dando protagonismo a uma forma ovóide que vai ganhando importância durante a década de 70. Consciente de que os anos 70 são o período de conjugação de técnicas, José Barrias, residente em Milão desde a década de 60, para além do seu trabalho teórico, desenvolve diversos ciclos temáticos no campo das artes plásticas. Nessa linha de investigação de mistura de géneros devemos considerar a obra de Ana Vieira, designadamente as suas instalações-ambiente dos anos 70, onde o espectador assume um papel fundamental quer pelo convite a participar quer por ser impedido de entrar nos espaços criados pela autora.   Pedro Calapez, S/título (detalhe), 1982. Grafite sobre papel, 280 x 150 cm. Col. Maria de Belém Sampaio.José Manuel Costa Alves.   Remetendo para o pós-minimalismo, refiram-se as obras de Fernando Calhau e Zulmiro de Carvalho. Este último explora nas suas esculturas a plasticidade de materiais como a madeira, o ferro ou a pedra. Enquanto isso, Fernando Calhau adopta certos valores op(ticos) e desenvolve trabalhos mais próximos do conceptualismo, através do uso da fotografia e do filme. Também Pires Vieira apresenta um registo minimalista na sua pintura dos anos 70, desenvolvendo, no início da década, pesquisas em torno das cores puras e passando depois a preocupar-se com questões relacionadas com "desconstruções" da pintura, a sua decomposição em estruturas e processo de elaboração. Destas operações resultam telas penduradas sem armação, com formas geométricas padronizadas recortadas. No que diz respeito às actividades de grupo, a década de 70, marcada pelo ambiente de festa e utopia próprio do contexto socio-político, assiste a uma série de projectos colectivos, alguns já referidos, e à formação de grupos de artistas que partilhavam alguns objectivos artísticos e sociais, nomeadamente o cruzamento das várias disciplinas (com reminiscências do Fluxus), a recusa de academismos e a intervenção social e política. Neste contexto surge o grupo Acre formado, em 1974, por Clara Menéres, Lima de Carvalho e Alfredo Queiroz Ribeiro, com actividades como pintar o pavimento da Rua Augusta ou a distribuição de diplomas de artista - ao jeito de Piero Manzoni - na Galeria Opinião. Mais dedicado à pintura e à performance, o grupo Puzzle, com actividade entre 1975 e 1980, optou por questões ligadas à função social da arte e do artista. Ficha Técnica | Credits

Anos 80

Anos 80
Os Anos 80     Pedro Casqueiro, S/título (detalhe), 1984. Acrílico sobre tela, 150x150 cm. Col. particular. Abílio Leitão.         Pedro Proença, Prometeu, 1983. Acrílico sobre papel, 174 x 130 cm. Col. Fundação de Serralves. DR/ Cortesia Fundação de Serralves. A ruptura democrática de 25 de Abril de 1974 deu lugar, na sociedade portuguesa, a uma nova conjuntura cultural que possibilitou, nos anos 80, o aparecimento e o rápido reconhecimento de uma nova vaga de criadores e agentes culturais. No campo das artes plásticas, esta década caracteriza-se pela emergência de um vasto e diversificado conjunto de artistas com uma forte capacidade de afirmação do seu trabalho e uma presença cultural particularmente dinâmica. Estes artistas foram, por sua vez, acompanhados por uma nova vaga de agentes ligados às artes plásticas, designadamente galeristas e críticos (como, por exemplo, Alexandre Melo e João Pinharanda), que contribuíram para dar à cena artística uma animação e uma capacidade de difusão fora do comum, no que aliás acompanhavam a tendência internacional da década, no sentido de uma crescente popularidade das artes plásticas. A referida animação do meio artístico, que julgamos característica deste período, não é evidentemente um exclusivo dos artistas que então se revelaram. Pelo contrário, esta é uma situação em que se cruzam e sobrepõem artistas e obras que representam diferentes gerações e sensibilidades e que deram corpo a uma conjuntura artística particularmente dinâmica e diversificada. Os anos 80 assistem portanto a um cruzamento de algumas práticas que vêm da década anterior, como o pós-conceptualismo, com artistas como Helena Almeida, Alberto Carneiro ou Fernando Calhau, e novas realidades características dos anos 80, testemunhando assim a pluralidade de gerações e um hibridismo de soluções estéticas. Um lugar de relevo é ocupado por artistas cujo trabalho e reconhecimento público já vinham de trás mas que lograram obter durante a década de 80 uma reforçada notoriedade e uma renovada actualidade. São exemplos disso António Palolo, António Dacosta, que retoma a actividade pictórica, Paula Rego, Menez, que se aproxima da figuração, Pomar, que evoca grandes figuras literárias nacionais, Eduardo Batarda e Álvaro Lapa. Nikias Skapinakis retoma nesta década a temática paisigística (Vale dos Reis) que se manterá até à década seguinte, deixando de lado a figuração de influência cartazística dos anos 60 e 70.   Joaquim Bravo assiste, neste período, ao reconhecimento da sua obra que se desenvolve através de um sistemático trabalho de invenção formal conducente a uma abstracção não-geométrica extremamente livre, flexível e original. Devido à sua capacidade pedagógica e ao seu entusiasmo, desde finais dos anos 70 gerou em seu redor um círculo de amigos incluindo artistas mais jovens como Xana, José Miranda Justo, Pedro Cabrita Reis e João Paulo Feliciano. A exposição Depois do Modernismo (SNBA, 1983), coordenada por Luís Serpa, introduz em Portugal a temática e o debate pós-moderno, correspondendo à instauração de uma situação plástica balizada pelo "regresso à pintura", a transvanguarda, o neo-expressionismo, a "bad painting" e as novas figurações, o que se traduzia num predomínio da figuração humana, frequentemente exercitado num registo espontâneo ou pulsional. A exposição - em que a maioria dos participantes transitaram da década anterior, à excepção de Gaëtan e Pedro Calapez - foi acompanhada de acções na área da dança, música, moda e arquitectura. No ano seguinte duas exposições contribuíram igualmente para a assunção da diversidade estética e para dinamizar o debate teórico: Os Novos Primitivos, comissariada por Bernardo Pinto de Almeida, no Porto, e Atitutes Litorais, comissariada por José Miranda Justo, em Lisboa.       Albuquerque Mendes, Nota de mil escudos, 1981/82. Óleo sobre papel colado em platex, 48 x 95 cm. Col. Banco Comercial Português. DR/ Cortesia Galeria Graça Brandão.   Julião Sarmento, Noites Brancas, 1982. Técnica mista sobre papel, 162 x 133 cm. Col. Isabel e Julião Sarmento. José Manuel Costa Alves.   André Gomes, Cozinha dos Anjos, 1991. Polaroid / Fujichrome, 100 x 80 cm (cada) e 210 x 320 cm (dim. totais). Cortesia do Artista. Cortesia do artista.   Neste contexto geral, Julião Sarmento, que se revelara no âmbito das práticas pós-conceptuais, afirmou-se como o nome português mais destacado em termos de reconhecimento internacional participando na Documenta de Kassel em 82 e 87.   Nesta mesma dinâmica conjuntural podem ainda incluir-se vários outros artistas bem diferenciados. Gerardo Burmester vive a sua atitude e experiência enquanto artista na incontornável nostalgia e consciência da impossibilidade de actualizar os ideais de beleza e emoção inerentes ao ideal romântico. Registemos as exuberantes paisagens de meados de 80, a voluptuosa utilização de madeira, couro e feltro nos objectos de finais dessa década, o requinte dos jogos de cores e a grande orgia de vermelhos e dourados em instalações de começos de 90, a elegância do desenho e o acerto das formas.     António Palolo, S/título, 1983. Acrílico sobre tela, 179 x 132 cm. Col. particular. José Manuel Costa Alves.   Pedro Casqueiro, Sem Título, 1986. Acrílico sobre tela, 177 x 168 cm. Cortesia Galeria Filomena Soares. DR/ Cortesia Galeria Filomena Soares.   Ilda David, S/título, 1989. Óleo sobre tela, 120 x 120 cm. Col. particular. Laura Castro Caldas e Paulo Cintra. Albuquerque Mendes tem na auto-representação e nas figurações e evocações míticas e religiosas alguns dos mais fortes fios condutores para a leitura de um trabalho em que a prática da pintura se combina com incursões no domínio da instalação e da performance.   António Dacosta, O Bailador, 1986. Acrílico sobre tela, 194,5 x 129,5 cm. Col. Fundação de Serralves. DR/ Cortesia Fundação de Serralves.         Graça Pereira Coutinho, Letters to my mother, 1986. Técnica mista sobre tela, 210 x 166 cm. Col. Particular. DR/ Cortesia Cristina Guerra Contemporary Art.   Graça Morais vem construindo uma bem sucedida carreira baseada numa figuração com forte intenção expressiva, associada a arquétipos de uma reivindicada ruralidade tradicional. António Cerveira Pinto e Leonel Moura, procurando sempre adaptar-se às sucessivas inflexões das conjunturas estéticas e ideológicas, deram um importante contributo para a animação dos debates pós-modernos e subsequentes. O trabalho plástico de Moura obteve algum reconhecimento internacional no final da década de 80 com obras em que a partir de imagens fotográficas põe em jogo figuras e imagens de referência da tradição cultural portuguesa, europeia e americana. A fotografia seria, nesta década, cada vez mais plenamente integrada no âmbito das artes plásticas, sobretudo através do trabalho de Jorge Molder. Já André Gomes é um caso peculiar em que diferentes tipos de utilização da fotografia servem para elaborar um universo transdiciplinar vincadamente pessoal. Através de fotografias instantâneas, polaroids, registos vídeo e múltiplas combinações de fotografias das mais variadas proveniências, o seu trabalho incorpora as actuais determinações tecnológicas, económicas e mediáticas dos processos de constituição do imaginário. Paulo Nozolino obteve também um reconhecimento público generalizado embora mantendo-se numa área de trabalho mais directamente ligada à especificidade da tradição fotográfica, e designadamente à sua componente documental. Entre os artistas mais novos, a fotografia tem sido o meio de trabalho privilegiado por autores como Daniel Blaufuks, numa perspectiva mais intimista, e Augusto Alves da Silva, numa orientação mais sociológica. Os Encontros de Fotografia de Coimbra, organizados por Albano da Silva Pereira desde 1980, que deram origem ao actual CAV, Centro de Artes Visuais, contribuíram também para enriquecer o panorama da fotografia nacional, trazendo várias exposições de fotógrafos internacionais. Uma das características da conjuntura artística dos anos 80 foi a animação mundana e mediática produzida pela afirmação pública de grupos informais de artistas que, através de exposições e entrevistas colectivas foram constituindo e divulgando as sucessivas vagas de autores revelados ao longo da década. Tais grupos correspondiam mais a cumplicidades de formação, promoção e atitude do que a afinidades programáticas ou estéticas, conforme se viria a comprovar pela rápida autonomização de carreiras individuais. Um destes grupos, activo no princípio da década de 80, incluiu, entre outros, Pedro Calapez, José Pedro Croft, Pedro Cabrita Reis e Rui Sanches. Entre as exposições que realizaram juntos destaca-se Arquipélago (SNBA, 1985) em que também participaram Ana Léon e Rosa Carvalho. De entre eles Pedro Cabrita Reis tem vindo a construir uma consistente carreira internacional que faz dele um dos nomes mais destacados desta geração. É importante referir o trabalho de outros artistas que se afirmaram no mesmo contexto cronológico, como sejam Pedro Casqueiro, Ana Vidigal, Ilda David, Manuel Rosa ou Pedro Tudela.     José Pedro Croft, S/título, 1982. Escultura em mármore, 100 x 160 x 5 cm (base). Col. particular. DR/ Cortesia do artista.   Graça Morais, Cabo Verde, 1988. Acrílico e pastel sobre lona, 200 x 185 cm. Col. Centro de Arte / Col. Manuel de Brito. Carlos Pombo.   Álvaro Lapa, Os criminosos e as suas propriedades, 1974/75. Acrílico, tinta de escrever e cartolina platex, 63,5 x 121 cm. Col. Fundação Calouste Gulbenkian. Mário de Oliveira. Ana Vidigal alia a pintura e a escrita à incorporação de múltiplos materiais para gerir um universo de referências pessoais, pleno de cor e ritmo. A pintura de Ilda David manifesta uma forte vocação lírica muito inspirada por referentes literários. A escultura de Manuel Rosa coloca-se na esfera da memória, da errância, sobrevivência e premonição. Desde a sua primeira exposição individual, em 1984, manteve a mesma lógica de trabalho mas adquirindo uma dimensão mais abstracta e reflexiva. As referências a igloos, túneis e casas são sobretudo evocações de lugares simbólicos de fuga e aprisionamento, de formação e conservação. Na obra dos anos 90, os grandes temas deram lugar a uma aplicação afectuosa e artesanal, numa dimensão mais íntima e oficinal.   Júlio Pomar, Lusitânia no Bairro Latino - Retratos de Mário Sá Carneiro, Santa-Rita Pintor e Amadeo de Souza-Cardoso, 1985. Acrílico sobre tela, 158,5 x 154 cm. Col. Fundação Calouste Gulbenkian /CAMJAP. Mário de Oliveira.   Leonel Moura, s/título (Portugal Dupla), 1987. Acrílico sobre fotografía e ferro, 110 x 155,5 cm. Col. Fundação de Serralves. DR/ Cortesia Fundação de Serralves.     Fernando Calhau, s/título, 1988. Acrílico sobre tela e ferro, 86 x 169,5 x 11 cm. Col. Margarida Veiga. José Manuel Costa Alves.   Eduardo Batarda, El Scotcho, 1987. Acrílico sobre tela, 150 x 200 cm. Col. Comendador Arlindo Costa Leite. José Manuel Costa Alves. Pedro Tudela teve sempre a materialidade do corpo - nas suas dimensões mais viscerais e orgânicas - como eixo polarizador de um trabalho que conjuga uma pintura matérica e sensual com sofisticadas instalações multimédia. Mais jovem, mas afirmando-se publicamente no mesmo contexto, Rui Chafes assumiu cedo, na área da escultura, um protagonismo que ainda hoje se mantém e se reforça com um alargado reconhecimento internacional. Fernanda Fragateiro partiu da prática do desenho para mais recentemente elaborar instalações de grande impacto que cruzam o registo da intimidade com um elaborado trabalho de articulação do espaço. O tópico do espaço permite ainda evocar o trabalho de Patrícia Garrido, remetendo para o espaço doméstico investido pelo corpo, e o de Carlos Nogueira, guiado por uma aspiração à articulação entre espaço íntimo, espaço natural e espaço construído.   Rui Sanches, Mme. Récamier, segundo David, 1989. Madeira, pano e bronze, 164 x 180 x 167 cm. Col. Caixa Geral de Depósitos. Laura Castro Caldas e Paulo Cintra.   Pedro Cabrita Reis, s/título, 1987. Técnica mista sobre madeira, 240 x 240 cm. (4 elementos de 120 x 120 cm cada). Col. Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. Laura Castro Caldas e Paulo Cintra.     Joaquim Bravo, Arrepio ou a Escolha do Crítico, 1989. Acrílico sobre tela, 90 x 105 cm. Col. Fundação Calouste Gulbenkian / CAMJAP. Mário de Oliveira.   Manuel Rosa, S/título, 1989. Calcário e anilina preta, 93 x 160 x 75 cm. Col. particular. DR/ Cortesia Assírio & Alvim.       Uma outra vaga de artistas iria surgir, ainda em meados da década de 80, numa série de exposições colectivas, entre as quais se destaca Continentes (SNBA, 1986) que reuniu Pedro Portugal, Pedro Proença, Fernando Brito, Ivo, Xana e Manuel João Vieira. A prática inicial do grupo estava marcada por uma grande exuberância visual e de atitude, um displicente eclecticismo na manipulação de referências, um forte sentido lúdico da provocação e uma clara intenção de comentário irónico à actualidade artística. O trabalho de Xana, no cruzamento entre pintura, objecto e instalação evidencia um uso desenvolto dos jogos de cores e de formas. Manuel João Vieira viria a tornar-se mais conhecido como cantor (em bandas como os Ena Pá 2000) e como agitador político-cultural animado por um peculiar humor crítico. No que diz respeito à acção das galerias e instituições, numa breve síntese, destacaríamos três características da situação artística portuguesa que poderão ser apontadas como outras tantas causas da sua debilidade estrutural. Por um lado, a fraqueza das instituições culturais, públicas ou privadas, que raramente se mostram capazes de sobreviver ao esgotamento dos empenhamentos pessoais, entusiasmos ideológicos, dinâmicas sociais particulares ou conjunturas económicas específicas correspondentes ao seu aparecimento.     Rui Chafes, Um sono profundo, 1988. 15 esculturas em ferro. Vista da exposição na Galeria LEO. DR/ Cortesia do artista.         Gerardo Burmester, Arquipélagos Vermelhos, 1992. Vista parcial da Instalação. DR/ Cortesia Galeria Pedro Oliveira. Não conseguindo, passado o élan próprio de uma fase de arranque, criar uma base cultural organizativa e financeira sólida e profissional, acabam por desaparecer ou entrar em declínio precisamente na altura em que deveriam ascender à fase de maturidade. A inconsistência de propósitos é particularmente notória e lamentável nas iniciativas e políticas culturais do Estado e das instituições culturais públicas que, historicamente, se têm distinguido pela incapacidade de definir objectivos, adoptar estratégias e organizar métodos de planificação e gestão capazes de promover qualquer tipo de intervenção cultural coerente, consistente e eficaz quer a nível interno quer a nível externo. Uma segunda característica fortemente debilitadora da situação artística nacional e que decorre dos referidos bloqueios da acção do Estado é a incapacidade histórica do Estado português assegurar a criação de uma colecção e de um museu públicos representativos da arte portuguesa do século XX. O Estado português não tem nem obras nem locais de exposição que lhe permitam apresentar a arte portuguesa moderna e contemporânea. A básica e elementar função cultural pública de preservação histórica e apresentação didáctica de um conjunto de obras representativo do património artístico contemporâneo não foi cumprida. As aquisições, quando existiram, foram irregulares, descontínuas e desarticuladas. O que o Estado português tem para apresentar e transmitir às novas gerações como representando a criação artística portuguesa no século XX é notoriamente insuficiente. Para substituir o Estado nesta sua função não cumprida existem apenas as colecções da Fundação Gulbenkian e de alguns particulares As duas características anteriormente referidas estão na origem de uma outra característica extremamente gravosa para o desenvolvimento das dinâmicas culturais e dos processos criativos em Portugal e que é a ausência ou extrema insuficiência dos mecanismos de transmissão das práticas e experiência cultural acumuladas e da informação e memória históricas. É por causa da ausência ou debilidade destes mecanismos de transmissão cultural - claramente exemplificadas pela já referida demissão do Estado ou pelo persistente anacronismo do modelo de funcionamento das instituições de ensino artístico oficial - que em Portugal todas as velhas gerações se sentem ignoradas, abandonadas e desprezadas e todas as novas gerações sentem que têm de construir tudo a partir do zero, como se antes nada tivesse existido. O desperdício de saberes, tempo e energia que este desfasamento provoca é enorme, porque, à falta de um entrosamento temporal, se gasta, a repetir o que não se sabe já ter sido feito, o tempo que seria necessário para o aproveitar e desenvolver até às últimas consequências. Antes do 25 de Abril foram, sobretudo, a Fundação Gulbenkian e, numa escala mais modesta, a SNBA os principais centros de animação da cena artística portuguesa. Posteriormente, a SNBA, apesar de pontualmente ter acolhido exposições de relevo, perderia o seu protagonismo e contacto com a actualidade e a Gulbenkian, nomeadamente o seu Centro de Arte Moderna, inaugurado em 1983, depois de uma fase de menor entrosamento com a nova conjuntura dos anos 80 - são notáveis excepções as exposições Van Abbe e Diálogo -, adoptaria, já na década seguinte, perspectivas consentâneas com a dinâmica da contemporaneidade. Em relação às galerias de arte, de toda a animação cultural e artística da década de 60 e do breve período de euforia no mercado de arte vivido no início dos anos 70, a única galeria que sobreviveu, sem interrupções de actividade, foi a Galeria III. Isto explica a natureza quase museológica do acervo da galeria e da colecção pessoal constituída por Manuel de Brito. Das galerias inauguradas na década de 70, tendo vivido toda a primeira fase da sua existência num período de forte agitação política e social e de quase inexistência de mercado de arte, a continuidade e sobrevivência da Módulo - e até recentemente da Quadrum - é a demonstração do peso que as componentes passional ou cultural desempenharam nas motivações dos seus responsáveis e é o fundamento lógico do prestígio cultural e da conotação de vanguarda que então lhes foi reconhecida. Em meados dos anos 80 assiste-se a um momento de animação com a abertura de várias galerias, entre as quais duas que, por razões diferentes, melhor poderão servir de imagem emblemática dos anos 80: os Cómicos, em Lisboa, e a Nasoni, no Porto. Outros exemplos relevantes são a Valentim de Carvalho, em Lisboa, e a Roma e Pavia, depois Pedro Oliveira, no Porto. Os Cómicos são uma espécie de símbolo cultural da década. A sua actividade ficou ligada a uma boa parte dos nomes que revelaram uma maior capacidade de afirmação ao longo destes anos e aos temas e debates estéticos que mais marcaram este período, designadamente a discussão em torno da noção de pós-modernismo.   Rui Chafes, Ooglid, 1995. 6 esculturas em ferro. Vista da exposição na Galerie Declercq. DR/ Cortesia do Artista.   A Nasoni é uma espécie de símbolo económico da época, tendo desenvolvido um dos mais ambiciosos trabalhos jamais realizados ao nível do mercado da arte em Portugal. Nessa medida, a Nasoni assumiu e impulsionou o que poderíamos chamar a versão portuguesa e, portanto, em escala reduzida, da euforia - com a inerente espiral de inflação e especulação - no mercado internacional da arte contemporânea durante este período. A concentração de inaugurações, ampliações e mudanças de espaços na segunda metade da década de 80, assim como o projecto do Museu Nacional de Arte Moderna, em 1989, na Casa de Serralves, são nítidos indicadores de uma crescente animação cultural e económica na área das artes plásticas e uma óbvia consequência de uma inegável, ainda que modesta, animação do mercado de arte em Portugal. Indícios de um embrionário trabalho de internacionalização são a apresentação em Portugal de exposições individuais de alguns destacados artistas estrangeiros e a presença regular de galerias portuguesas em feiras de arte no estrangeiro, sobretudo na ARCO em Madrid, desde 1984 até hoje - Portugal foi o país convidado em 1998 - que contrasta com o cessar da participação portuguesa na Bienal de Veneza entre 1986 e 1994. Ficha Técnica | Credits

Anos 60

Anos 60
Os Anos 60     Lourdes Castro, Sombras projectadas (de Lourdes Castro e René Bertholo), Rue de Saints Pères, Paris, 1964. DR/ Cortesia Assírio & Alvim.   A ditadura protagonizada por Salazar, quer se considere ou não que foi uma ditadura fascista, foi talvez menos feroz e menos espectacular que as suas congéneres europeias, mas foi também muito mais longa (1926-1974) e não menos castradora em relação a todos os aspectos do desenvolvimento económico, social e cultural de Portugal. Salvo momentos de excepção limitados no tempo, foi um período em que predominou uma atitude oficial de isolamento em relação às correntes que, a nível internacional, iam fazendo a história da modernidade. Os casos excepcionais dos artistas emigrados ou alguns momentos de ligeira abertura, se pontualmente permitiram uma efectiva actualização e revitalização do meio artístico em sentido estrito, não alteravam um contexto geral caracterizado pelo muito baixo nível de formação escolar da população, a desinformação massiva da opinião pública, o conservadorismo da cultura oficial e o crescente anacronismo cultural da oposição.   No campo das artes plásticas durante toda a primeira metade do século assistimos ao arrastar de um modernismo incipiente em luta constante contra a permanência do naturalismo e do romantismo lírico. O único momento de fulgor deste trajecto ocorre na 2ª década do século, graças à obra de Amadeo de Souza-Cardoso, acompanhado por Almada Negreiros, no quadro das actividades da "geração do Orpheu" e com o impulso proporcionado pela vinda do casal Delaunay para Portugal durante a I Guerra Mundial.     Noronha da Costa, S/ título, 1968. Madeira, óleo espalhado e acrílico, 30,2 x 35,4 x 18 cm. Col. Fundação de Serralves, Porto. José Manuel Costa Alves.         Fernando Lanhas, 042-69, 1969. Óleo sobre madeira, 98 x 148 cm. Col. Fundação Calouste Gulbenkian / CAMJAP. Mário de Oliveira.         Menez, Henrique VIII, 1966. Óleo sobre tela, 180 x 210 cm. Col. Fundação Calouste Gulbenkian / CAMJAP. Mário de Oliveira.         Paula Rego, Salazar a Vomitar a Pátria, 1960. Óleo sobre tela, 94 x 120 cm. Col. Fundação Calouste Gulbenkian / CAMJAP. Mário de Oliveira. Chegada a década de 60, a sociedade portuguesa, considerada no seu conjunto, mantinha-se afastada dos circuitos internacionais de produção e circulação artística, privada do acesso a exposições e iniciativas susceptíveis de dar à opinião pública uma formação artística básica e de fornecer ao público especializado uma informação actualizada e uma experiência directa da contemporaneidade.   Em termos políticos crescia a desilusão face à continuidade do regime ditatorial, afinal prolongado pelo governo de Marcelo Caetano (1968-1974), e crescia também a revolta perante uma guerra colonial absurda e sem solução que se arrastava desde 1961. Nos sectores culturais, nos meios estudantis e entre a juventude aumentava a frustração e alastrava a contestação face à situação de alheamento que o Estado mantinha em relação às grandes viragens sociais e culturais que internacionalmente marcaram a década.   A ascensão e morte de Kennedy, as batalhas políticas e ideológicas do Vietname, a invasão da Checoslováquia pelas tropas soviéticas, os hippies, a revolução pop ou o Maio de 68 chegam a Portugal através de ecos censurados e distorcidos só entendidos por minúsculas elites culturais urbanas.   Nas artes plásticas os anos 60 são um período de experimentação e de confluência de vários movimentos e correntes estéticas, nomeadamente a pop art e o "nouveau réalisme", a op art, o minimalismo, a arte conceptual, a arte povera, a arte vídeo, a performance, a body art ou a land art. É também a década em que morre Marcel Duchamp (1968).   No contexto artístico português a década de 50 tinha sido um período de continuidade das soluções estéticas anteriores, centradas na persistente dialéctica figuração/abstracção, cujos protagonistas se dividiam, grosso modo, entre neo-realistas, surrealistas e defensores do abstraccionismo.   Neste contexto a obra de Maria Helena Vieira da Silva, combinação original de figuração e abstracção, com um forte cunho pessoal, emerge como a expressão maior deste período com significativos prolongamentos nas décadas seguintes.   Nos anos 60 vamos assistir à formação de uma nova conjuntura artística, marcada pela emergência de uma nova geração de artistas e agentes culturais e à afirmação de novas tendências na produção artística nacional que reflectem a necessidade de sintonização com as linguagens internacionais, em grande parte devido à emigração de um vasto número de artistas num movimento que se prolonga até meados dos anos 70.   Abandonar o país, de forma temporária ou permanente, em consonância com o massivo fluxo de emigração registado durante este período, foi a opção tomada por diversos artistas, quer por razões políticas quer motivados pela busca de uma carreira ou de contacto com novas tendências inacessíveis dentro das fronteiras nacionais. A título de exemplo, refira-se que por Inglaterra passaram António Areal, Rolando Sá Nogueira, Mário Cesariny, Menez, Paula Rego, João Cutileiro, Bartolomeu Cid dos Santos, Ângelo de Sousa, Alberto Carneiro, Eduardo Batarda, António Sena, João Vieira, Ruy Leitão, João Penalva e Graça Pereira Coutinho. Já em Paris encontravam-se Lourdes Castro, René Bertholo, Costa Pinheiro, Escada e João Vieira, que compunham o grupo KWY, assim como António Dacosta, Júlio Pomar, Jorge Martins e Manuel Baptista.   O esforço de renovação abriu caminho a uma aproximação à arte internacional, em grande parte devido aos artistas que emigravam e ao programa de bolsas da recém-criada Fundação Calouste Gulbenkian, mas também devido ao novo modo de encarar o fenómeno artístico, às grandes exposições colectivas (a inaugurar a década, em 1961, a II Exposição de Artes Plásticas na Fundação Gulbenkian) e à abertura de novas galerias que vieram dinamizar o mercado nacional.     Maria Helena Vieira da Silva, Les Degrés, 1964. Têmpera sobre tela, 194,5 x 130 cm. Col. Fundação Calouste Gulbenkian / CAMJAP. Mário de Oliveira.   Lourdes Castro, Caixa de alumínio em caixa de aguarela, 1963. Assemblage, 52 x 52 cm. Col. Mr. e Mrs. Jan Voss. DR/ Cortesia Assírio & Alvim.   Armando Alves, Objecto, 1969. Madeira pintada, 100 x 63 x 34 cm. Col. Fundação de Serralves. DR/ Cortesia Fundação de Serralves. Durante a primeira metade da década apenas a Galeria do Diário de Notícias (Lisboa), a Divulgação (Lisboa e Porto, dirigida por Fernando Pernes), ou ainda na cidade do Porto a Alvarez e a associação de artistas Árvore tinham, timidamente, dado os primeiros passos no comércio de artes plásticas. Só em 1964, com a experiência das galerias-livraria, como a Buchholz e a Galeria III, e depois com o aparecimento de novas galerias já na viragem da década, o novo mercado de arte viria dar um incentivo à prática artística.   Seria, no entanto, necessário esperar pelo regime democrático para romper com uma situação que há muito se mostrava insustentável, mas cuja transformação mais profunda, anunciada pelas rupturas estéticas de muitos artistas da década de 60, só teria as suas consequências culturais mais efectivas, ultrapassadas as agitações pós-revolucionárias, no início dos anos 80.     José Escada, S/ título, recorte azul, 1968. Papel recortado sobre papel, 31,5 x 48 cm. Col. Caixa Geral de Depósitos. Laura Castro e Caldas e Paulo Cintra.   José Escada, S/ título, recorte rosa, 1968. Papel recortado sobre papel, 31,5 x 48 cm. Col. Caixa Geral de Depósitos. Laura Castro e Caldas e Paulo Cintra.   José Escada, S/ título, recorte branco, 1968. Papel recortado sobre papel, 31,5 x 48 cm. Col. Caixa Geral de Depósitos. Laura Castro e Caldas e Paulo Cintra. Apresentando agora um panorama descritivo da produção artística mais assinalável neste período, comecemos por referir, seguindo uma simples ordem cronológica, um conjunto de artistas situáveis no âmbito da pintura e da figuração, embora com trajectórias e opções bem diferenciadas. Joaquim Rodrigo, tendo iniciado a sua carreira no pós-guerra no âmbito do abstraccionismo, elaborou na década de 60 um código sistemático de signos e regras de representação pictórica que não mais abandonou. António Dacosta, surrealista histórico, tendo deixado de pintar nos anos 40, voltaria à actividade na década de 80, com um assinalável cunho de originalidade. Júlio Pomar iniciando a sua carreira nos anos 50, no âmbito do neo-realismo, foi desenvolvendo diferentes modos de trabalhar a figura, o corpo e o movimento no âmbito da pintura. Menez, a partir de paisagens abstractas dos anos 60 aproximou-se depois de uma figuração mítica e narrativa. Paula Rego, partindo das figurações brutalistas da década de 50, foi revolucionando métodos e processos até chegar a uma pintura de ressonância mais clássica em que afirma e reforça um grande poder autoral que lhe trouxe uma plena consagração.   João Vieira, Uma Rosa É, 1968. Óleo sobre tela, 200 x 161 cm. Col. Fundação Calouste Gulbenkian / CAMJAP. Mário de Oliveira.         Álvaro Lapa, Página, 1965. Flow-master, tinta de água e acrílico sobe papel, 61 x 43 cm. Col. particular. Mário de Oliveira.   Um outro conjunto de artistas, cuja afirmação pública data do final dos anos 60, caminhou para uma abordagem da pintura a partir de uma análise dos seus elementos formais e estruturais constitutivos. É o caso de Ângelo de Sousa, António Sena, Jorge Martins, João Vieira ou Manuel Baptista. Em causa estão questões como o plano, a luz, a cor, o signo, o risco. Jorge Martins inicia uma investigação sobre a luz e sobre a própria pintura, criando grelhas e pequenos compartimentos onde insere histórias, personagens e objectos, que alterna com a representação de volumes e dobras e com referências ao universo cinematográfico. Manuel Baptista, na sequência de pinturas abstractas de cariz informalista, utiliza diversas técnicas, desde a colagem, relevos e pinturas-objecto de meados dos anos 60 até ao uso da monocromia e das telas recortadas. É neste período que João Vieira descobre a temática central de toda a sua obra: o alfabeto e a plasticidade da palavra, tanto na pintura como em instalações ou performances, com letras-objecto, introduzindo em Portugal os primeiros "happenings", resultado do contacto com Vostell na Malpartida de Cáceres.   Estes trabalhos prolongam-se numa via mais intelectualizada e conceptualizante, por exemplo, em Fernando Calhau, Pires Vieira ou, numa primeira fase da sua carreira, Michael Biberstein. Numa via de confluência com a prática da escrita e a referência à literatura desenha-se o peculiar percurso de Álvaro Lapa.   António Areal é figura de referência na história da arte portuguesa deste período, não só pela sua obra pictórica e escultórica, mas também pela reflexão teórica expressa em publicações como Textos de crítica e de combate na vanguarda das artes visuais (1970). Após uma fase inicial surrealista e gestualista, abordou a relação entre arte figurativa e arte abstracta em pinturas e objectos marcados por preocupações de ordem conceptual.   Joaquim Bravo, com formação literária, tal como Álvaro Lapa e António Areal, estende a sua actividade artística à pintura, escultura e desenho, produzindo, nos anos 60, uma assinalável série de esculturas.   Um filão reportável ao ambiente pop, entendido em sentido lato - incluindo o "nouveau réalisme" e a "figuração narrativa" - permite-nos citar em conjunto os trabalhos realizados em finais de 60 e começos de 70 por autores como Lourdes Castro, René Bertholo, Costa Pinheiro, António Palolo ou Eduardo Batarda, que depois evoluíram em direcções bem diferenciadas. Lourdes Castro, René Bertholo, Costa Pinheiro, Escada e João Vieira, em conjunto com Christo e Jan Voss, formaram, em Paris, o grupo KWY (Ka Vamos Yndo) e lançaram uma revista homónima, cujas soluções estéticas foram apresentadas numa exposição colectiva na Sociedade Nacional de Belas Artes, em 1960. Nadir Afonso, Espacilimitado, 1958. Óleo sobre tela, 80 x 147 cm. Col. Fundação Calouste Gulbenkian / CAMJAP. Mário de Oliveira. Artur Rosa, Entrada de Um Cubo Numa Malha Logarítmica (Explosão-Esfera), 1968/69. Técnica mista sobre alumínio, 350 x 1500 cm (ext. 600 cm). Col. Fundação Calouste Gulbenkian / CAMJAP. Carlos Azevedo. Ainda nesta linha pop podemos enquadrar a obra de Ruy Leitão, geralmente sobre papel, de cores vivas, com repetições de elementos, originando um rico e pessoal universo pictórico, que seria interrompido pela sua precoce morte em 1976. António Charrua, após uma fase de tendência expressionista, opta pela associação da cor e formas abstractas.   Rolando Sá Nogueira, pintor já activo nos anos 50, período em que optou por um figurativismo de certo modo naif, enveredou, na década de 60, pela estética pop, na sequência da sua estadia em Londres (1961-1964), realizando colagens de grande liberdade plástica.   Nikias Skapinakis, nos anos 50, tinha enveredado por um figurativismo de grande riqueza cromática, oferecendo uma alternativa consistente às correntes em voga no período, tanto ao neo-realismo e ao surrealismo como ao abstraccionismo. Nos anos 60 realiza uma série de paisagens e retratos de grupo, a modo de retratos sociológicos de uma época.     António Areal, Mês de Marte, 1966. Óleo e esmalte sobre platex, 54 x 65 cm. Col. Fundação Calouste Gulbenkian / CAMJAP. Mário de Oliveira.   Sá Nogueira, Highlife, 1964. Colagem e óleo sobre tela, 53,5 x 38 cm. Col. Centro de Arte / Col. Manuel de Brito. DR/ Cortesia Galeria III.   Joaquim Bravo, The Hunting of the Snark, anos 60. Tinta industrial e colagem sobre papel colado em platex, 76,5 x 95 cm. Col. Maria de Lourdes Bravo. José Manuel Costa Alves.     Eduardo Nery, Estructura N.º 10, 1968. Óleo sobre madeira com caixa em relevo, 125 x 100 cm. Fundação Calouste Gulbenkian / CAMJAP. José Manuel Costa Alves.         Ernesto de Sousa, Encontro no Guincho, 1969. Ernesto de Sousa e o actor João Luís Gomes. Manuel Torres / Cortesia Espólio Ernesto de Sousa.         Alberto Carneiro, O Canavial: Memória / Metamorfose de um corpo ausente (detalhe), 1968. Canas, fitas adesivas coloridas, ráfia, letras e algarismos, dim. variáveis. Col. Caixa Geral de Depósitos. DR/ Cortesia Galeria Fernando Santos. Noronha da Costa, um dos artistas mais importantes do período, para além de pintor, escultor, arquitecto e cineasta, intensifica as suas preocupações com a visibilidade e a fisicalidade dos objectos. As suas obras integram espelhos, numa exploração dos objectos enquanto tais, originando jogos de formas e espaços ora visíveis ora ocultos. No final dos anos 60, o autor dedica-se ao registo pictórico, mantendo estas explorações visuais, agora através de um sfumato ou uma atmosfera esbatida, deixando entrever fragmentos de pessoas, ambientes, paisagens, velas ou outros elementos de iluminação.   É deste período a série mais famosa de Costa Pinheiro - os Reis - apresentada pela primeira vez em 1966, na Alemanha, na qual o autor faz uma revisão pessoal da história nacional, com atributos iconográficos sugestivos dos vários monarcas, inaugurando assim a temática de personagens da memória colectiva nacional, como Fernando Pessoa, que marcaria a sua obra ao longo das décadas seguintes.   Um vocabulário figurativo de inspiração naif, exercitado com grande variedade de registos, referências e materiais, sempre renovados, caracteriza o percurso de José de Guimarães, que desde então vem construindo uma sólida e bem sucedida carreira em Portugal e no estrangeiro.   Um outro conjunto de artistas pode ser reunido em torno de formulações específicas da op art, cujas obras são marcadas pelo rigor matemático e elementos geométricos, com investigações no campo da percepção e da tensão óptica. Artur Rosa, também arquitecto, multiplica e desconstrói formas no espaço, com ritmos e movimentos que criam jogos de percepção e ilusão. Com uma obra diversificada que passa pela pintura, desenho, fotografia e intervenções em espaços públicos, também o trabalho de Eduardo Nery vive da repetição de elementos e da exploração do espaço, da luz e da ilusão óptica. Eduardo Luiz, residente em França durante vários anos, através do seu uso peculiar do ''trompe l'oeil" cria espaços tridimensionais em superfícies pictóricas, com alusões surrealistas à suspensão do espaço e do tempo.   No Porto, ligado à Escola de Belas Artes e à Cooperativa Árvore - espaço de experimentação alternativo aos patrocinados pelo regime - o grupo Os Quatro Vintes, composto por Ângelo de Sousa, Jorge Pinheiro, José Rodrigues e Armando Alves, entre 1968 e 1972, visa através da força de grupo alcançar uma acrescida visibilidade, chamar a atenção para a debilidade do ambiente cultural da cidade nortenha e reflectir sobre os novos conceitos de escultura, mas sem, no entanto, criar um programa plástico coerente e de conjunto, como fica demonstrado pela diversidade dos percursos individuais dos seus elementos.   No campo da escultura, João Cutileiro desenvolve temáticas relacionadas com o corpo humano e a sexualidade, e introduz diversas técnicas e formas inovadoras que resultam em figuras de guerreiros, árvores ou mulheres. Em 1966, o artista opta pelo uso exclusivo do mármore. A sua formação londrina na segunda metade dos anos 50 foi de grande importância para aproximar o artista, e consequentemente o país, de novas linguagens escultóricas, tornando-o um nome de referência para as novas gerações de escultores.   A década de 60 é referida por alguma historiografia como um período de ruptura. É por certo um momento de mudança. Trata-se de uma mudança acompanhada de continuidades mas é, ainda assim, o momento em que os artistas portugueses conseguem, em tempo certo e alinhado com as linguagens internacionais, introduzir pesquisas e formulações estéticas que, ao germinarem, resultariam em trabalhos amadurecidos e percursos individuais amplamente reconhecidos. Desenham-se e projectam-se nestes anos uma série de carreiras de artistas, muitos deles ainda activos, que viriam a assumir lugar de destaque no panorama da arte portuguesa contemporânea.       Eduardo Batarda, O Sr Professor C. J. P. Na Hora do Maior Movimento, 1965. Acrílico sobre madeira, 100 x 60 cm. Col. Mário Cesariny. José Manuel Costa Alves.   Costa Pinheiro, D. Inês de Castro, 1966. Óleo sobre tela, 170 x 135 cm. Col. Centro de Arte / Col. Manuel de Brito. Carlos Pombo da Cruz Monteiro - Arquivo Nacional de Fotografia.   João Cutileiro, Guerreiro com Caveira de Touro, 1963. Polyester, pó de bronze e fibra de vidro, 65 x 24 x 13 cm. Col. Dr. Mário Soares. João Cutileiro.   Armando Alves, Jorge Pinheiro, Ângelo de Sousa e José Rodrigues, Grupo Os Quatro Vintes em 1970. Col. Galeria Alvarez Arte Contemporânea. Ursa Zangger. Ficha Técnica | Credits