Época Medieval

Renascimento em Portugal

Sob o Signo das Luzes

A Filosofia Portuguesa do Séc. XIX
até à Proclamação da República
A Filosofia Portuguesa depois de 1910


Leonardo Coimbra
Quadro de Eduardo Malta


Leonardo Coimbra
Desenho de Eduardo Malta


Leonardo Coimbra ao lado do Maestro Lacerda


Perfil de Leonardo Coimbra
(Apont. de S. D.)

Leonardo Coimbra
(1883-1936)

Natural da vila da Lixa, próximo de Amarante, foi uma das figuras mais proeminentes do movimento da Renascença Portuguesa, que fundou, juntamente com Teixeira de Pascoaes, António Sérgio e Raul Proença entre outros. Entre 1919 e 1931 foi professor de Filosofia na Faculdade de Letras do Porto, por ele criada quando, pela primeira vez, ocupou o cargo de ministro da Instrução Pública.

Os conteúdos doutrinários da sua obra remetem-nos para o conceito de criacionismo, que deu título à sua obra mais importante. O criacionismo afirma-se como uma filosofia da liberdade, radicando nas infinitas capacidades criadoras do pensamento, que dinamicamente se liberta dos determinismos naturais e sociais. Na sua base encontra-se a actividade científica que abordou em duas vertentes complementares.

Por um lado, a ciência representava o «espírito da cultura moderna», constituída na base do «livre acordo», tendo a razão por autoridade única, liberta do autoritarismo de princípios impostos exteriormente à actividade do pensamento. Representava um tipo de acordo que, por ser livre e responsável, considerava como a base de realização do acordo social que pela ascenção do indivíduo psico-social à pessoa, numa dialéctica criadora, geraria a comunidade solidária e livre por que sempre se bateu.

Por outro lado, o modelo de ciência a que se referia nada tinha a ver com o do positivismo. Tratava-se de uma ciência constituída na base da dialéctica nocional do pensamento, ou seja, não incide sobre coisas mas sobre noções ou representações mentais, considerando que a sensação é uma noção psicológica e não um dado e que, como noção que é, não é uma realidade completa mas um momento dialéctico de um processo, numa constante marcha para mais realidade e acréscimo de sentido. É na base deste criacionismo, que começa por afirmar-se inicialmente num plano gnosiológico, que se virá a afirmar a liberdade do homem, pois a realidade não poderá nunca ser deduzida de uma noção sintética superior se essa mesma noção não tiver sido por nós elaborada. Em última análise, a realidade não poderá nunca separar-se da dinâmica do pensamento, não é um conjunto de coisas de que o pensamento se aproprie, mas um conjunto de noções, sempre e já elaborado pela acção criadora do pensamento, num processo em si mesmo ilimitado. Se o espírito se move num conjunto de noções por si elaboradas, então ele é acto criador não se limitando a assimilar e a receber o já feito e o já pensado.

A matéria não é assim o fundamento do pensamento, mas um seu produto, pelo que importa superar a divisão entre matéria e forma no âmbito do processo gnosiológico, para afirmar que toda a matéria e toda a realidade é já uma nacionalidade e uma ordem. O espírito é a actividade funcional do conhecimento, a matéria é todo o conhecido considerado independentemente da actividade que conhece, e a experiência é a interacção do espírito e da matéria no acto de conhecer.

L. C. afirma assim uma dialéctica ascensional que partindo do processo de elaboração das noções científicas nelas se não detém, petrificando ou estagnando, procurando antes elevar-se à constituição da última realidade irredutível, por si definida como a «pessoa moral».

Enquadram-se neste processo dialéctico afirmações célebres de L.C., nomeadamente quando proclama que o homem é livre porque «a vida social lhe permitiu interpor entre a sensação e o acto a demora e a riqueza do pensamento», ou que, «o homem não é uma inutilidade num mundo feito, mas obreiro de um mundo a fazer».

Nesta conformidade, o seu criacionismo gnosiológico projecta-se e amplifica-se no domínio da realidade espiritual da pessoa, mediante novas coordenações e novas sínteses que, num processo coerente fazem brotar a arte, a filosofia e a religião. A primeira alarga os domínios do sentimento elevando a liberdade da imaginação. A segunda alarga os domínios da liberdade que se torna plena porque a pessoa toma posse dos determinismos externos, empenhando-se numa elevação ao absoluto e eterno, sem que tal represente uma renúncia à vida quotidiana e à realidade concreta dos sentimentos ou à abertura solidária e amorosa ao outro, numa comunicação que institui a verdadeira comunidade.

Quanto à religião, é de ver que o criacionismo, como filosofia da liberdade que se instaura pelo pensamento e acção da pessoa, nos faz ascender a uma religião que não se esgota na questão da fé. No criacionismo, a arte, a filosofia e a religião são postas e não opostas ao pensamento científico, no exacto sentido em que têm de ser momentos do pensamento e não imposições dogmáticas. Se o pensamento científico, pelo livre acordo das consciências, e portanto pela fraternização e aproximação do homem ao mundo, levou à pessoa, esta exige, para a sua vida essencial de acção moral a arte, a filosofia e a religião. No caso presente, o sentimento religioso é o cume de um processo de «socialização absoluta» efectuada pelo pensamento, representando uma passagem da humanidade ao cosmo, num alargamento de perspectivas em comunhão amorosa e solidária, porque não dependente já de convenções ou pactos, mas do império de cada um sobre a sua alma nobre e livre em dádiva generosa, como emanava aliás do espírito do cristianismo, sobretudo na sua vertente franciscana. Para o filósofo, o homem não é já então uma parcela de um todo ou o elemento de uma harmonia, mas a consciência representativa do Todo.

Neste ponto L.C. recorre à monadologia, inspirado em Leibniz, mas criticando a ideia de uma harmonia pré-estabelecida, porque contrária à liberdade inerente ao seu criacionismo, bem como à dinâmica comunicacional entre as mónadas. O universo é criado pelo homem num processo dialéctico que o faz chegar a um Deus não menos transcendente, pelo fraterno amor de tudo, e não algo criado de uma vez por todas pela vontade divina. Em última análise Deus é a luz que ilumina a actividade criadora do homem, luz pela qual ele ascende na infinita possibilidade da acção moral. Deus é o Amor que une, e cada consciência é a unidade elementar que pelo amor se move atraído pela «grande Unidade». Por isso, a compreensão é a Unidade e compreender é Amar.

L.C. também se afirma aqui como o filósofo da saudade, termo que lhe permite entender a vida como tendência para a superação e o excesso de si própria, superando, pelo desejo da Unidade, a dimensão separatista que degrada e corrompe. A Saudade será a expressão do grande «abraço unitário» que nos atrai ao Centro do grande circulo do Ser, porque o que existe de mais material são «as almas afastadas». Assim, a saudade será sempre a companheira do homem enquanto se interpuser uma distância entre ele e a luz do Espírito, porque só esta conseguiria vencer as resistências que criam a sombra da saudade.

Finalmente, no plano da educação, à qual dedicou a sua actividade política de ministro, compreende-se que mais importante que a «liberdade de ensino», condição sem dúvida necessária, seja a defesa da «liberdade pelo ensino», o que o fez também proclamar que mais importante que a vulgarização do saber era a elevação do vulgo à altura do homem.

BIBLIOGRAFIA

Activa

Obras de Leonardo Coimbra, ed. Lello e Irmão, 2 volumes, Porto, 1983 (vol. I: Criacionismo (Esboço de um Sistema Filosófico); Criacionismo (Síntese Filosófica); A Alegria, a Dor e a Graça; Do Amor e da Morte; A Questão Universitária; A Rússia de Hoje e o Homem de Sempre; vol. II; Pensamento Criacionista; a Morte; Luta pela Imortalidade; O Pensamento Filosófico de Antero; Problema da Indução; A Razão Experimental; Notas sobre a abstracção científica e o silogiamo; Jesus; S. Francisco de Assis; Problema da Educação Nacional; S. Paulo de Teixeira de Pascoaes, O Homem às Mãos com o Destino)
Dispersos I - Poesia Portuguesa, Lisboa, 1984
Dispersos II - Filosofia e Ciência, Lisboa, 1987
Dispersos III - Filosofia e Metafísica, Lisboa, 1988.

Passiva

Álvaro Ribeiro, Leonardo Coimbra. Apontamentos de Biografia e Bibliografia, Lisboa, 1945
id. Memórias de um Letrado, Lisboa, 1977
José Marinho, O Pensamento Filosófico de Leonardo Coimbra, Porto, 1945
id., «Leonardo Coimbra e o magistério do Amor e da Liberdade» em Verdade, Condição e Destino no Pensamento Português Contemporâneo, Porto, 1976
António de Magalhães, «A perenidade do pensamento filosófico de Leonardo Coimbra» em Revista Portuguesa de Filosofia, n.º 12 (1956)
Sant'Anna Dionísio, Valor da Ciência para Leonardo Coimbra, Porto, 1956
id., Leonardo Coimbra. Contribuição para o conhecimento da sua personalidade e seus problemas, Porto, 1983
id., Leonardo Coimbra, O Filósofo e o Tribuno, Lisboa, 1985
Manuel Freitas, O Pensamento criacionista de Leonardo Coimbra, Braga, 1957
id., «Aspectos do Saudosismo em Leonardo Coimbra», em Itinerarium, 4 (1958)
Ângelo Alves, O Sistema Filosófico de Leonardo Coimbra. Idealismo Criacionista, Porto, 1962
Delfim Santos, «Actualidade e valor do pensamento filosófico de Leonardo Coimbra», em Obra Completa, vol. II, Lisboa, 1973, p. 225-237
Miguel Spinelli, A Filosofia de Leonardo Coimbra, Braga, 1981
Manuel Ferreira Patrício, A Pedagogia de Leonardo Coimbra, Porto, 1992
Manuel Cândido Pimentel, Filosofia Criacionista da Morte: meditação sobre o problema da morte no pensamento filosófico de Leonardo Coimbra, Ponta Delgada, 1994.
VV. AA., Leonardo Coimbra Filósofo do Real e do Ideal. Colectânea de Estudos, Lisboa, 1985
W. AA., Filosofia e Ciência na Obra de Leonardo Coimbra, Actas do Simpósio realizado no Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa, Porto, 1992.

Imagens provenientes de Obras de Leonardo Coimbra - I e II vols., Sant'Anna Dionísio (org.), Lello & Irmão Editores, Porto 1983

Pedro Calafate


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