Época Medieval

Renascimento em Portugal

Sob o Signo das Luzes

A Filosofia Portuguesa do Séc. XIX
até à Proclamação da República
A Filosofia Portuguesa depois de 1910

Frei João Claro

Alcobaça

Frei João Claro, Doutor em Teologia pela Universidade de Paris e abade do Mosteiro de Alcobaça, é mais uma das figuras da cultura portuguesa que permaneceu esquecida durante séculos, vindo ao conhecimento público apenas no século XIX, quando Frei Fortunato de S. Boaventura publicou a Colecção de Inéditos Portugueses dos séculos XIV e XV (1829). Todavia, Frei Fortunato não publicou na íntegra o códice alcobacense onde jaziam as suas obras (cod. Alc. CCLXVII/72), pois que este inclui ainda um conjunto desordenado de textos latinos, em prosa e em verso, de inegável interesse para o domínio da filosofia e da espiritualidade, sabendo-se ainda que escreveu um Livro de Horas de Nossa Senhora, publicado em Paris no ano de 1500, e que lamentavelmente se perdeu.

As questões mais relevantes que podemos equacionar a partir deste códice de Alcobaça permitem-nos reconstruir muitos elementos da mundividência do homem medieval, no âmbito da cultura cristã. Trata-se de um mundo prenhe de valores espirituais, em que o homem se assume como peregrino, hommo viator, nunca perdendo de alcance o intervalo absoluto que separa o bem do mal. Por isso, no horizonte da sua espiritualidade, figura o ideal de desprendimento perante a vida terrena, o confronto permanente entre o que é do tempo e o que é da eternidade, a relação entre a fé e a razão, entre a vida activa e a vida contemplativa, abrindo-se a uma via marcada pela mística e, portanto, pelo supremo gozo da contemplação divina...

Em todo o caso, como coroamento deste universo de questões, permanece sempre presente a via do interiorismo que aprofunda uma linha de pensamento de suporte platónico e agostiniano, enquadrado pelo «socratismo cristão».

Transparece assim a segurança e tranquilidade que ao homem advêm pela força da fé, a reivindicação de autenticidade da vida religiosa, não cristalizada em rituais exteriores ou em procedimentos farisaicos, uma concepção da vida social que se centra no valor da pessoa humana, e que pensa as relações interindividuais numa perspectiva voluntarista marcada pelo amor.

É este o universo de Frei João Claro, que no-lo transmite numa prosa muito simples e de efeito quase musical, pelo que se depreende que atribuia aos seus escritos um objectivo eminentemente didáctico, perspectivando a vida em três vectores essenciais: como véspera e vigília da eternidade; como desterro, estando o homem nela como estrangeiro ou caminheiro; como lugar de afã e de trabalho e, portanto, mais de tribulação que de consolação.

Obras
Frei Fortunato de S. Boaventura, Colecção de inéditos portugueses dos séculos XIV e XV, Coimbra, 1829; Códice Alcobacense CCLXVII/72.

Bibliografia
Mário Martins, Vida e Obra de Frei João Claro, Coimbra, 1956; Frei Manuel dos Santos, Alcobaça Ilustrada, Coimbra 1710; Luis de Matos, Les Portugais á l'Université de Paris entre 1500 et 1550, Coimbra 1950; Pedro Calafate, «Frei João Claro», Logos-Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, Lisboa-São Paulo, 1989-92 (contém bibliografia mais extensa).

Pedro Calafate


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