Época Medieval

Renascimento em Portugal

Sob o Signo das Luzes

A Filosofia Portuguesa do Séc. XIX
até à Proclamação da República
A Filosofia Portuguesa depois de 1910

J. M. Cunha Seixas

Filósofo português (Trevões, 1836-Lisboa, 1895), criador de um sistema filosófico que denominou pantiteísmo e que se apresenta como uma pessoal e original dissidência do krausismo, tal como este era entendido por J. M. Rodrigues de Brito, cujo magistério filosófico viria a marcar, de forma decisiva, o percurso especulativo dos dois mais importantes pensadores da geração portuguesa que se afirmou a partir de 1865.

Ao designar por pantiteísmo o sistema filosófico que desenvolveu e expôs ao longo da sua obra especulativa (A Fénix ou a imortalidade da alma humana, 1870; Princípios gerais de Filosofia da História, 1878; Galeria das ciências contemporâneas, 1879; Ensaios de crítica filosófica, 1883; Estudos de Filosofia e Literatura, 1884; Lucubrações históricas, 1885; Elementos de Moral, 1886; Princípios gerais de Filosofia, 1898), Cunha Seixas procurou tornar claro que a respectiva matriz era a intuição primordial de que Deus está em tudo, como centro de todas as coisas e nelas manifestado.

Para o pensamento pantiteísta, o ponto de partida do conhecimento era duplo: subjectivamente, seria o pensamento, enquanto, objectivamente, se encontraria na ideia de ser. Na verdade, sendo sempre o conhecimento um acto do espírito que pensa, o respectivo ponto de partida não poderia ser o sentimento nem a vontade, que são apenas excitantes ou motores do conhecimento, mas o pensamento. Por outro lado, porque o conhecimento não pode deixar de partir de algo que seja imediato, possível, certo e intuitivamente evidente que lhe dê um mínimo de garantia, e porque tais atributos só se encontram nas ideias e leis da razão e nos axiomas que decorrem delas, todo o conhecimento se funda, necessariamente, na crença no próprio espírito.

Como todo o pensamento e todo o juízo se reportam ou envolvem sempre a ideia de ser, ela será o ponto de partida objectivo do conhecimento.

De acordo com a filosofia pantiteísta, o conhecimento exprime-se num juízo, na afirmação, ainda que implícita, de uma relação, a qual obedece a três leis, a da substância, a da manifestação e da harmonia, e em cujo processo cabe distinguir três momentos. No primeiro, imperam as ideias experimentais, particulares e contingentes, referidas a um objecto da natureza, enquanto, no segundo, dominam as ideias reflexivas, de carácter geral e abstracto, e, no terceiro, tudo se processa já no plano das ideias racionais ou ontológicas, inatas ao próprio espírito, universais, absolutas, necessárias e invariáveis.

É a circunstância de as ideias desta terceira espécie serem tanto leis do espírito como elementos dos seres, havendo, por isso, correspondência ou equivalência entre as categorias da razão e as categorias do ser, que torna possível o conhecimento e faz que a ontologia seja, a um tempo, ciência do ser nas suas determinações mais gerais e ciência das ideias – elementos na sua maior extensão e profundidade, com abstracção de qualquer ente individual.

Esta dupla natureza das ideias racionais explica que seja também por meio de um processo trágico de ser, manifestação e harmonia que a ordem ontológica se desenvolve e concretiza e a finalidade de cada ser se coordena, dinamicamente, com a dos demais seres, contribuindo todos e cada um deles para a realização dos mais altos destinos do universo. Cada ente é, assim, algo individualizado, dotado de finalidade própria, constituindo um infinito relativo que, no seu movimento próprio, se manifesta, relacionando-se com todos os outros do mesmo género e, através deles, com a ordem mais global do ser.

A ideia de ordem, associada à ideia dos seres como infinitos relativos, conduz o nosso espírito à noção de um ser perfeito e absoluto, que tenha em si o seu próprio fim e que, na sua unidade e simplicidade, seja causa e ordenador dos restantes seres. Dado que, no entanto, o finito não pode existir sem a sua causa geradora e como o infinito é também a eternidade e a imensidade, Deus está em tudo, conferindo a todos os infinitos relativos a sua realidade e subsistência, sendo, porém, deles perfeitamente distinto, pois o eterno e imenso não pode confundir-se com o transitório e o limitado. Daí que, apesar de nos movermos, sermos e vivermos em Deus, participando da sua realidade, com Ele não nos confundamos nunca.

Sendo embora abscôndito na sua natureza e, como tal, inacessível a toda a explicação ou demonstração, Deus manifesta-se no universo e patenteia-se intuitivamente à razão, como inteligência suprema, lugar e fonte de verdade e de vida e sede do infinito e do absoluto. Deste modo, Deus não é inteiramente incognoscível, sabendo nós dele, através da sua manifestação, que é absoluto, omnipotente e perfeito, imutável e uno, infinito, eterno, omnisciente e omnipresente, sendo seus atributos supernos a verdade, a bondade e a beleza.

Bibliografia passiva essencial
BORGES, Paulo Alexandre Esteves, "Deus e criação em Cunha Seixas", na Revista Portuguesa de Filosofia, tomo LI, nºs 3-4, Braga, 1995.
GOMES, Pinharanda, Cunha Seixas, Lisboa, 1975.
MARINHO, José, Verdade, condição e destino no pensamento português contemporâneo, Porto, 1976.
PIMENTEL, Manuel Cândido, Odisseias do Espírito, Lisboa, 1996.
RIBEIRO, Álvaro, "Cunha Seixas e a filosofia portuguesa", na Revista Brasileira de Filosofia, nº 34, São Paulo, 1959.
SOVERAL, Eduardo Abranches de, Pensamento luso-brasileiro, Lisboa, 1996.
TEIXEIRA, António Braz, "O pantiteísmo de Cunha Seixas", na Revista Portuguesa de Filosofia, Tomo LI, nºs 3-4, Braga, 1995.

António Braz Teixeira


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