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- Aqui tem as cartas…
A voz era sensual e destoava da
sua aparência sóbria: cabelo apanhado, vestuário escuro.
Concentrei-me no pequeno maço
de papéis que ela me estendia. A ortografia e o papel pareceram-me, em cada
caso, de acordo com a época, facto que comuniquei à minha interlocutora.
Comecei a examinar os conteúdos e escolhi três cartas do conjunto.
- Estas parecem-me ser as mais
importantes, tendo em conta os interesses do seu cliente. Comecemos por esta
missiva de Fernando Pessoa a José Régio. Podemos…
… Verificar se a data da
carta a torna possível.
… Investigar a possibilidade
de Fernando Pessoa ter estabelecido tal paralelo entre José Régio e Mário de
Sá-Carneiro.
… Verificar se José Régio
escreveu uma obra denominada Biografia.
Reproduzo aqui o conteúdo da
carta, para que o leitor possa acompanhar esta investigação:
Queridíssimo camarada:
Acabo de ler, por inteiro, e num só hausto feliz, o seu
livro “Biografia”, há meia hora recebido.
É um livro admirável, porém a sua leitura, para em seu efeito
ser mais admirável, faz-me saudades. Faz-me saudades do maior amigo meu, do
único grande amigo que tive – O Mário de Sá-Carneiro, a quem a leitura dos seus
sonetos entusiasmaria como uma boa nova. Sonhei sem querer – em um d’aqueles
sonhos retrospectivos e erróneos – que estivéssemos lendo juntos os seus
sonetos, e reconheço a voz dele e a minha no consenso entusiástico da apreciação.
Explico. Há uma íntima analogia entre o seu modo de sentir e
o modo de sentir que distinguia o Sá-Carneiro. O modo de sentir o modo de
sentir é que é diferente, como convém a dois que são dois, e não comumente o
terceiro que não é ninguém.
- Estes semi-dizeres não chegam a ser palavras: são contudo a
expressão imediata, espontânea e inteira com que, orgulhando-se misteriosamente
de V., o abraça o amigo e muito admirador
Fernando Pessoa
17.1.1930
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