Pegámos na segunda carta, com curiosidade. Esta investigação com incursões pelo passado estava a revelar-se deveras interessante. Claro que, e isso não posso deixar de confessar, a companhia para isso muito dava o seu contributo.
Observámos a missiva com atenção e, depois de concluirmos que a data a tornava potencialmente verdadeira, decidimos investigar…
a bibliografia e diferentes estilos literários a que José Régio se havia dedicado, por forma a confirmar a existência de o “Jogo da cabra cega”. 
alguns aspectos da vida de José Régio, de modo a analisar a possibilidade de ter vivido em Portalegre.

 
Mais uma vez reproduzo aqui o conteúdo da missiva:

Meu querido José Régio:
Estou envergonhado consigo – passo a vida, aliás, a estar envergonhado com o universo – por não ter ainda agradecido o “Jogo da Cabra Cega”. É, a meu ver, um livro realmente admirável; deixo, porém, para mais tarde – o mês próximo, em que conto ter sossego relativo – para uma apreciação pormenorizada, que lhe escreverei. Direi os motivos do meu apreço e alguns pontos de discordância. Uma crítica sincera – e eu não as posso fazer senão sinceras – nunca pode ser plenariamente aprovadora. Afonso o Sábio, de Castela, disse (ou dizem que ele o disse) que se Deus, ao criar o mundo o tivesse consultado, ele teria proposto algumas modificações… E criticava uma obra de vulto.
Não tenho endereço seu senão o de Portalegre, onde não sei se v. estará nesta época do ano. Para ali mando tanto esta carta como o meu livro “Mensagem” de que só há dias recebi exemplares meus, ainda que os para venda já há perto de um mês fossem entregues. Assim se explica a demora em lh’o enviar. Ao cuidado mando o livro registado.
Boas Festas e um Ano Novo feliz.
Abraça-o, com a admiração e o apreço de sempre, o

Fernando Pessoa

24-XII-1934