Leal Conselheiro |
Séc. XV
Comentário de Kimberley S. Roberts (1956). An anthology of old portuguese. Lisboa: Livraria Portugal. pp.115 e 322
(Nota: o til é desenvolvido como n.)
LEAL CONSELHEIRO
Texto:
De muytos e desuairados fruytos da penedença.
Depois de aquella graça geeral do bautismo, e depois do ben perfeito e preçado do martirio que se gaanha per louuamento do sangue, som os fruitos da peendença por os quaaes uem a lympeza dos pecados. Ca a ssaude perdurauel nom he permetida tan ssoomente por aquel nome symprez de peendença, da qual falla o apostollo dizendo assy: "Fazede pendeça e cõuertede-uos, por que sejom destroidos uossos pecados." E Ssam Joham Bautista, messegeiro de Nosso Senhor, diz: "Fazede pendença e achegar-sse-a o rreyno de Deus." Mais ajnda quebranta-sse o peso dos pecados por deseio da caridade... E dyz mais, demostrando que as nom tomou em uão: "Arredade-uos de mym, os que obrades maldades, ca o Ssenhor ouuyo a uoz do meu choro." Outrossy por a confissom dos pecados gaanha-sse perdom delles, ca diz: "Confessarey contra mym as mynhas maldades ao Senhor, e tu perdoaste a maldade de meu coraçom." E em outro logar: "Conta tu primeiramente as tuas maldades, por que sejas justificado."... E mayormente em enmenda de custumes, ca diz: "Arredade ho mal das uossas cuydaçõoes de meus olhos, cessade ja de fazerdes mal, aprendede a fazerdes bem, buscade juyzo, acorrede ao apresado, julgade o orfom, defendede a uehuua, e prouade-me,"... Pois ja ueedes quantas portas de mysericordia abrio a piedade do Nosso Saluador, por que nehunu que cobijça saude possa seer quebrantado em desesperaçom, quando uir que he cõuydado aa uyda por tantos remedios. Se dizees que nom podees de fazer ou derreteer os uossos pecados per afeiçom de jejunus por a fraqueza do corpo, nom podedes dizer: "Os meus geolhos enfraquecem por jejunus, e a mjnha carne he mudada per o azeite; ca eu comya cijnza assy como pam, e o meu beuer era mesturado com choro," mais cõpre que os aja de rremijr com esmollas.
Da pratyca que tijnhamos com El Rey, meu senhor e padre, cuja alma Deus aja.
O prymeiro nosso fundamento, comendarmos todos nossos feitos ao Senhor Deus, trabalhando-nos de sseguyr sua sancta uoontade, conssijrãdo que, nom seendo com el em boo acordo, com el-rrey nem antre nos nunca o poderiamos seer, e per sa graça, se com el fossemos bem acordados, seguindo sempre seu seruiço, nossos feitos aueriam melhores finjs do que nos soubessemos penssar nem deuysar, conhecendo que o saber dos homenes pera qual quer feito ual nada se per special mercee do Senhor Deus nom for sempre aderençado ao que el sabe que he mylhor, e lhe mais praz que se faça. Amor e temor sobre todos ao dicto senhor rey auyamos, e de fazer cousa errada ou desonesta, digna de rreprehenssom ou de uergonça, pryncipalmente de nos era receado. Das cousas em que duuydauamos se lhe desprazeria, nos aguardauamos de as fazer, como se decerto soubessemos que dellas lhe passaua, ataa que fossemos em boa certidõoe quejanda era sobrello sua uoontade. E assy nom errauamos dizendo: "nom sabia uossa teençom," sabendo que o pecado da jgnorancia nom he sem culpa. Esforçauamos nossa uoontade pera refrear a ssanha e desejo, e sem empacho de nehuna pessoa, nem da openyom geeral, dauamos a enxecuçom o que sentiamos que era mais seu seruiço e boo prazer, por nom seermos do conto daquelles que a tempos amam, obedecem e seruem, e no tempo da tentaçom fallecem. Aviamos teençom sem duuyda que nos amaua e prezaua muyto, e era bem firme em esta boa uoontade, auendo segura sperança que nunca ja mais antre nos aueria mudamento de todo boo amor. E por a teermos em grande preço, eramos auisados em toda cousa que a sseu seruiço e boo prazer tocasse com grande cautella, como se fosse muy engradoso, e nom tam firme que aballamento e mudaçom podesse auer.
Comentário:
The MS. of the Leal Conselheiro (Fonds portugais 5; formerly numbered 378 and 7007) is tbe oldest Ptg. MS. in the Bibliothèque Nationale in Paris. According to the Visconde de Santarém, who wrote the preface for the 1st. ed. the MS. was written under Duarte's supervision. The 1st. ed., Leal Conselheiro o qual fez dom Duarte... seguido do Livro de Ensinança de Bem Cavalgar Toda Sella, (Paris, 1842) contains notes by the Visconde de Santarém and J. I. Roquete (sometimes spelled Roquette) and a glossary. Though the date 1842 appears on the title page of this ed., the introduction gives the date 1843. An anonymous ed. appeared in Lisbon in 1843, published by the Tipographia Rollandiana. The most recent ed. is that of Joseph M. Piel (Lisbon, 1942), with introduction and notes. For studies of the language of the Leal Conselheiro, see: 1. Herbert Palhano, A expressão léxico-grammatica do Leal Conselheiro, 2nd ed., published by the Revista de Portugal (Lisbon, no date); 2. Kimberley S. Roberts, Orthography, Phonology and Word Study of the Leal Conselheiro, (Philadelphia, 1940); 3. Harold J. Russo, Morphology and Syntax of the Leal Conselheiro (Philadelphia, 1942). The date when the Leal Conselheiro was written can be determined. In Chapter 91, Duarte refers to Frei Gil Lobo and uses the expression "que Deus perdoe." It is known that Frei Gil returned from a trip to Basle in 1437. In 1438, Duarte died. Therefore, Duarte's book must have been written in 1437 or 1438. See Piel's ed., preface, p.9. Throughout his book, Duarte gives quotations and even whole translations from the classical philosophers and medieval theologians; the names of Cicero, Seneca, St. Thomas Aquinas and St. John Cassianus turn up frequently. The first passagen given in selection is a translation from St.John Cassianus. It is primarily of philological interest, since it contains a number of 2nd pl. verb endings, most of them with the -d-. However, the forms dizees and podees are found in the same sentence with podedes: "Se dizees que nom podees de fazer ou derreteer os uossos pecados per afeiçom de jejunus por a fraqueza do corpo, nom podedes dizer…" It must be noted that the majority of the forms with d occur in quotations, were Duarte was not inclined to change the form. For a discussion of the 2d pl. in the Leal Conselheiro, see Leite de Vasconcellos, "Fórmas verbaes arcaicas no Leal Conselheiro de el-rei D. Duarte," RF, XXIII, 175-178.
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