Francisco Adolfo Coelho
(Coimbra, 15-01-1847 - Carcavelos, 09-02-1919)

Fotografia de F. Adolfo Coelho [Revista da Faculdade de Letras [da Universidade] de Lisboa, 1, 1934]
Foi um autodidacta, apesar de aos quinze anos (1862-1864) ter frequentado a Universidade de Coimbra. A má impressão que lhe ficou do ensino aí ministrado mais lhe estimulou a vontade de prosseguir os estudos por conta própria e terá sugerido logo um dos tópicos das suas teses pedagógicas - a vacuidade do ensino universitário "de ornato" e a necessidade de professores investigativos e pedagogia heurística. Se é que não foi a experiência, já em Lisboa, como aluno do Curso Superior de Letras, em que esteve matriculado pelo menos no ano lectivo de 65/66 - e Inocêncio assevera que viu uma matrícula de Adolfo Coelho em 68/69. (Não deixa de ser curioso que o mais alegadamente autodidacta dos filólogos portugueses tenha sido dos poucos a frequentar alguma das duas instituições de ensino superior de letras e nem sei se o único a frequentá-las ambas...). Uns anos depois (1878), tornar-se-ia professor do mesmo Curso Superior de Letras, no seguimento de representação sobre a urgência de uma cadeira de Linguística Geral Indo-europeia e especial românica, assinada por ilustres intelectuais, em que logo se o aconselhava para o cargo. Antes, em 1868, publicara Adolfo Coelho A lingua portugueza. Phonologia, etymologia, morphologia e syntaxe, que Leite de Vasconcelos escolheu como limite a quo da filologia científica portuguesa. E, nessa década ainda, Theoria da conjugação em latim e portuguez. Estudo de grammatica comparativa (1870), a introdução filológica ao dicionário de Domingos Vieira (1871) e Questões da lingua portugueza (1874 [2ª parte em 1889]). E dirigira a Bibliographia critica de historia e litteratura (1873-5), revista de recensões em grande parte por si redigida. E se envolvera em polémicas: contra o Fausto de Castilho (Sciencia e probidade..., 1873), contra Inocêncio e uma crítica do Aristarco portuguez à sua Lingua portugueza (1870), sobre o Dicionário da Academia das Ciências (1870), contra as Portugalliae Inscriptiones Romanas de Levy Maria Jordão e em defesa do Corpus Inscriptionum Latinarum do alemão Hübner (1870), em crítica à Historia da litteratura portugueza de Teófilo Braga (1872). E participara nas Conferências do casino lisbonense (1871) - foi a sua exposição, sobre o "O ensino" (= A questão do ensino, [1872]), a última que se pôde realizar. Até quase ao fim da vida continuou professor, do Curso - a partir de 1911, Faculdade Letras de Lisboa. Ao contrário de Leite de Vasconcelos, os seus estudos não são polarizados pelas fontes de primeira mão, nem fez a chamada "pesquisa de campo"; o seu papel foi o da introdução das informações teóricas ("de gabinete", acusará Leite numa réplica a recensão de Coelho, em que este fora, como por vezes lhe acontecia, demasiado altaneiro). E mesmo essa catequese teórica foi conseguida mais pela recensão do que pela construção própria de grande fôlego. No importante trabalho de crítica exagera por vezes na severidade com que vê as obras dos outros. E também em relações pessoais o mesmo mau feitio se reflectiu: "estivemos com as relações cortadas muitos anos, por causa de, numa conversa, ele fazer crítica acerba a Epifânio Dias, e eu acudir em defesa deste. Adolfo Coelho, irritado, afastou-se de mim, e só reatámos as relações em 1911, quando entrei na Faculdade de Letras, como Professor" (José Leite de Vasconcelos, "Adolfo Coelho e a etnografia portuguesa", Lusa, Janeiro-Março de 1920, p. 98).
Não se pode traçar aqui as linhas gerais da investigação de Adolfo Coelho nos domínios da etnologia e da pedagogia. (Sobre estas outras facetas suas: Rogério Fernandes, As ideias pedagógicas de F. Adolfo Coelho, 1973; introduções de João Leal à publicação da obra etnográfica na colecção "Portugal de Perto" da Dom Quixote.). 

Capa do primeiro fascículo da Revista d'ethnologia e de glottologia

Com importância para a linguística, o que falta mencionar da bibliografia de Coelho são trabalhos que curiosamente têm alguns interfaces com a antropologia: os quatro fascículos da Revista d'ethnologia e de glottologia (1880-1), Os Ciganos de Portugal (1892), Os dialectos romanicos ou neo-latinos na Africa, Asia e America (1881) (sobre a sua actualidade, Ernesto d'Andrade & Alain Kihm, "O Coelho crioulista", Ivo Castro (ed.), Actas do XII encontro nacional da Associação Portuguesa de Linguística, 2, 1997, pp. 387-392), Estudos sobre a influencia ethnica na transformação das linguas. 1. differenças phoneticas das linguas e differenças anatomicas dos orgãos da falla (1901), Origens do português do sul (1909), para além das obras de divulgação ("alta divulgação", como diz Boléo): um relativamente gorado Diccionario manual etymologico... (1890) - cuja edição, diz-se, quis até recolher -, o manual para uso dos liceus A lingua portugueza. Noções de glottologia geral e especial portugueza (1881; 2.ª ed.: 1887; 3.ª ed.: 1897), uma gramática pedagógica (Noções elementares..., 1891) e até traduções do método de Ollendorff. Sobre o Adolfo Coelho linguista consulte-se, de Manuel de Paiva Boléo, Adolfo Coelho e a filologia portuguesa e alemã no século XIX, 1948; António Carvalho da Silva, que já publicou Lembrar Adolfo Coelho (1847-1919), 1995, tem em curso trabalho sobre o ideário linguístico de Adolfo Coelho.