Os Dialectos Portugueses - Registos Sonoros
(Amostras do Arquivo Sonoro do Grupo de Variação do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa)

transmontanos e alto-minhotos

Castro Laboreiro 1

 

INF = Informante

INQ = Inquiridor

 

INF1 Ora bem, era um rapaz…

INF2 Que namorava com uma espanhola.

INF3 Dos Cortos de Cima. Chama-se Lentemil.

INF1 (…) Namorava com uma espanhola. E depois… Vocês (…) ao irem aos Portos, vêem o cruzeiro – (que já hoje ali falaram outros).

INQ Pois, pois.

INF1 Ao verem os cruzeiros, vêem os altos (…) – um alto grande que lá se vê à frente.

INF 3 Claro.

INF 1 (…) Um alto sem penedos. Ali já não há penedos.

INF3 Já é divisão (…) daqui disto e da Espanha.

INF1 (…) Os penedos ficam cá abaixo, onde lhe eu disse que era a Pena de Anamão. Depois, para cima é monte raso – monte; penedos há poucos – (…) e do outro lado de lá daquela serra, pois, é Espanha.

INF3 É Espanha.

INF1 E aquela serra lá (num todo alto), que viram, é onde há (…) os marcos. Nós enchemo-nos de estar lá. E então, esse tal rapaz ia à ronda a Espanha.

INF2 Gostava duma rapariga.

INF 3 Chamava-se......

INF1 Gostava duma rapariga.

INF3 Gostava-se... Chamava-se a ronda.

INF1 Chamava-se a ronda.

INF3 Ia lá…

INF1 À ronda, à ronda. Era o baile.

INF2 À ronda, à calada, namorar-lhe de noite, que de dia não podiam. Era preciso trabalhar.

INF1 Eram os bailes. (…) Eram (…) como agora irem para os cafés. Que agora vão para os cafés!

INF3 Mas, quer-se dizer, atravessava a serra.

INF1 Atravessava a serra.

INF2 Ele gostava muito dela.

INF1 E tinha um cão e o cão ia com ele. E depois a mãe (…) não queria que fosse porque tinha medo a (…) que o comesse o lobo (…).

INF2 Não. (…) O cão castrejo é muito leal.

INF1 Mas espera. Escuta. Depois – agora estou eu a contar –, depois, a mãe pediu-lhe para que não fosse para onde à rapariga espanhola, que havia raparigas cá, (e que o pessoal anda cá e que recusaram dar a cara).

INF2 Não é. Não é nada disso. É porque o pessoal cá é racista. Não queriam que um português se juntasse com um espanhol.

INF3 Claro. Naquele tempo.

INF1 Bom… Naquele tempo.

INF3 Pois.

INF1 O rapaz gostava da rapariga e ia. Ia todas as noites – quando podia, quando podia. E levava o cão com ele. Era o colega dele era o cão.

INF3 (…) O fiel dele era o cão.

INF1 O fiel dele era o cão. Mas, depois, como a mãe não queria que fosse, lá uma noite, ela viu que ele (…) que teimava e que ia para a Espanha para onde à rapariga, e ela prendeu o cão, para ver se ele tinha medo (…) que não ia sozinho.

INF2 Que não ia sozinho.

INF1 Porque o cão era (…) o colega dele, o companheiro.

INF3 Escondeu-lhe o cão.

INF1 Escondeu o cão.

INF2 Meteu à corte com o gado, vá.

INF1 Meteu-o. Escondeu o cão. Fechou o cão.

INF2 Meteu na corte com o gado que ele (…)…

INF3 E ele julgou que o cão que ia atrás dele; mas o cão nunca apareceu.

INF1 E (ao quando lhe) ele julgou que levava o companheiro com ele, mas o cão não foi porque, claro, a mãe prendeu-o e o cão não foi.

INF2 É (…) a origem de ser a raça lobeira, entende, é que eles obrigavam o próprio cão castrejo a dormir no curral. Ele era obrigado a dedicar-se aos animais. Daí, (…) eles usaram mais o cão para (…) se defender dos lobos. A origem é essa, vá.

INQ1 Pois, pois. Pois, pois.

INF1 Pois, a origem é essa.

INF2 A origem é essa.

INF3 Ora bem.

INF1 É. (…) Depois o rapaz foi e chegou lá perto,  perto já da Espanha – perto da Espanha ainda não, que ainda era na serra.

INF2 Mas próximo dela morava a (morte).

INF1 (…) Mas havia uma árvore que era um carvalho, muito grande.

INF3 Não.

INF2 Não. Depois era assim: próximo da mãe morava a madrinha, não é? (…) À beira (…) deles, morava a madrinha. E vai daí que durante a noite… O rapaz saíu, e durante a noite seguiu para a porta da espanhola, não é?

INF3 Claro, mas tu falas-lhe à maneira da (outra).

INF1 Pois claro, pois claro. Tem que ser (à moda)…

INF2 Uma vez que você não lhe sabe contar. Está esquecida.

INF1 Mas assim,  assim (querem vir) gravar. Foi ao descer, lá naquela serra…

INF3 Não, não.

INF 1 Faz a serra assim.

INF 3 (…). Não.

INF2 Não. Oh!

INF 1 E (…) depois desce-se para ali e desce-se para este lado.

INF3 Não é assim! (…)

INF2 Depois, olhe, sabe o que passou? Ele chegou (…) à porta da espanhola – ela está esquecida –, chegou à porta da espanhola… E ele adorava a espanhola! Simplesmente, naquela noite, ela que fez? Ela (…) era supersticiosa, a rapariga. Mas ele só descobriu naquela noite. Espreitou por o buraco da fechadura. E ela que tinha na borralheira? (…) – Chamavam-lhe eles a borralheira.

INF1 (Sim).

INF 2 Tinha um sapo. Então estava a picar o sapo com um garavato – um garavato que é daquilo; chamam-lhe eles garavato um pau daqueles. Picava o sapo e dizia assim: "Sapo, sapão, ele o castrejo virá ou não"? E estava (…) naquilo.

INF3 Naquela festa.

INF 2 Naquela festa – com o sapo.

INF2 E o rapaz a espreitar. Assim que viu aquilo disse:

INF3 "Acabou".

INF2 "Acabou".

INF3 Deu a volta.

INF1 "Ela é uma bruxa! Eu não a quero para nada".

INF3 Agora segue tua mãe que sabe melhor.

INF2 (…) Maldita espanhola!

INF3 Deu a volta.

INF1 Ah, ele foi lá. Foi então…

INF3 Deu a volta.

INF1 Chegou lá e deu a volta. Ora foi onde à rapariga e deu a volta.

INF3 Deu a volta a caminho de (…).

INF2 Não. Mas, entretanto, cá em casa, a madrinha…

INF3 Soltou o cão.

INF2 Não. A madrinha (…) começou-se a sentir mal.

INF3 E soltou o cão.

INF2 Pois. (…)

INF1 Ó mulher, mas a história… A história… O cão é um, e a história do rapaz é outra. O rapaz chegou à porta da rapariga e passou aquilo e ele voltou para trás.

INF3 E deu a volta.

INF1 Voltou para trás. E chegou, ao subir na serra…

INF3 Era muito… A serra faz isto.

INF1 Pois faz isso. Então, era o que eu…

INF3 E vinha um bocado cansado; e pôs-se a descansar à beira do carvalho.

INF1 À beira dum carvalho… Havia uma árvore grande, um carvalho grande.

INF3 E havia folha… E havia folha…

INF2 Um castanheiro. Um castanheiro montanhês.

INF3 Era carvalho, filha, que eu ainda me lembro (…) dos bocados dele.

INF1 Era carvalho, (…) Jesus. Ai Jesus!

INF3 Era um carvalho. E depois, o lobo… Veio o lobo e tapou-o com folha.

INF2 Não, pai.

INF3 Tapou.

INF 2 Era na estação do Outono. A árvore estava sem folha.

INF 3 Tapou-o com folha. Tapou-o com folha.

INF2 Muito obrigada, porque era no Outono, a folha estava seca.

INF1 Pois estava.

INF2 E foi quando o lobo…

INF3 Tapou-o e chamou por os outros.

INF2 O lobo… O lobo tapou… O lobo (…) sentiu (…) rugir as folhas – não o chegou a tapar. (…) Ao calcar as folhas, as folhas deram-se e ele (…) com medo, chegou por cima do rapaz, fez chichi no rapaz. Não tapou nada.

INF 3 E… E…

INF 2 Apertou-se-lhe (…) e fez chichi no rapaz.

INF3 Mas e chamou por os outros.

INF2 Mas é que depois é que foi chamar por outros (…).

INF3 Chamou por os outros. E ele ao sentir o chamar – (a) uivar: "uuuuu", a chamar por os outros –, enfiou-se pelo carvalho acima e vê o cão. Vê o cão (…).

INF1 Mas vê o cão, (…) aí já pára. Aí já… Ele enfiou-se pelo carvalho acima. E depois havia um barulho (…) cá (…) na casa (…) da mãe. Porque a madrinha sentia ganir o cão (…) na corte. E o cão (enderençava-se) por as portas arriba e gania. (…)

INF3 (…) O cão parece que lhe dava o (coiso). E soltou-o.

INF2 Foi a madrinha que soltou.

INF1 Pois. E a madrinha deu-se de conta (…) e foi junto à comadre. Disse-lhe: "Comadre, você tem o cão cerrado e o cão ladra muito. O cão está a ganir". É você… Você…

INF3 "Solte o cão".

INF1 "Solte o cão. (Olhe que ele…)"

INF2 Não. E disse-lhe: "Você onde tem o meu afilhado? Onde está o meu afilhado"? "O seu afilhado está na cama". "Pois então abra-me a porta do quarto, que eu tenho que ir (…) vê-lo eu mesma".

INF3 Sim, sim, sim. Ele ajeitara a roupa…

INF 2 Ele pusera um molho de palha na cama…

INF3 A parecer que era ele.

INF 2 A parecer que era ele.

INF1 A enganar a mãe.

INF2 Mas a madrinha disse: "Não, não. Eu vou lá ver eu mesma". (…) Tirou as mantas para trás e viu que era um molho de palha. E foi quando lhe disse: "Pronto, aí está o cão a dar sinal que algo lhe está a acontecer ao dono".

INF1 "(…) O meu afilhado come-o… Comeu-o o lobo ou o come que está o cão a"… O cão matava-se hoje!.

INF2 Aí está (…) a inteligência do cão castrejo.

INF3 "Solta-se… Solta-se… Solte-se o cão"! Soltaram o cão. Chegou lá, os lobos 'estranficinharam-no' todo. (…) Eram seis ou sete. Mataram o cão.

INF1 Pois. O rapaz… O rapaz safou-se que estava lá no alto do carvalho.

INF 2 (Mas mataram o cão).

INF3 Mas o cão não.

INF1 E o cão…

INF3 Morreu.

INF 1 (…) Comeram-no os lobos.

INF 3 E depois deixou vir o dia, por o alto sol, quando se eles retiraram que começaram (…) aqueles gados – só sair espanhóis e coisa –, e ele (…) foi… Foi…

INF2 Não. Entretanto chegou a mãe e a madrinha à beira dele.

INF1 Pois foi, mulher. Mas foram saber dele (…).

INF3 Depois… Mas depois (…) foram saber dele e ele dali foi para Lobeira – chama-se-lhe Lobeira que era…

INF1 (…) Ajuntamento. Ajuntamento como há aqui a freguesia.

INF 3 Um ajuntamento ou como aqui a freguesia.

INQ Pois, pois.

INF3 Chegou alá e disse-lhe que pagava o carvalho por aquilo valor que fosse, que queria que o carvalho caísse de velho. E caiu de velho.

INF2 E caiu de velho.

INF 3 Que ainda me lembro de ver lá os bocados.

INF1 Pagou… Pagou o carvalho – como é ir aqui (…) à Câmara, ou onde à Junta da Freguesia – , pagou o carvalho, e ficou o carvalho. Caiu de velhinho.


 


© Instituto Camões, 2002