Localização das Amostras - Gravações do Grupo de Variação do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa  -  Registos Sonoros


Dialectos portugueses centro-meridionais:

região subdialectal do Barlavento do Algarve

Alte   1

INF = Informante

INQ = Inquiridor

 

INQ Como é que?…

INF1 Há carvão de vento e há carvão tapado da terra, está a perceber?

INQ Pois.

INF1 O carvão de vento – este homem não sabe explicar; esse sabe, não quer é dizer – o carvão de vento é trabalhoso.

INQ Já ontem explicou também.

INF2 Eu já expliquei isso ontem, homem. Eu já expliquei isso ontem. Não quero explicar aquilo que se (já) explicou ontem, porque a gente temos que (se) ir fazer outra coisa.

INF1 (Certo. Certo).

INQ Explicou, sim senhor. Olhe, mas diga-me uma coisa.

INF1 Como é que você explicou (o tal) carvão de vento?

INF2 Eu, como é que se explicou? É do de urze?

INF1 De urze, de urze.

INF2 É o de urze?

INF1 (É verdade). Fazia-se…

INF2 E qual é o carvão bom de urze?

INF1 Você não sabe explicar.

INF2 Qual é o carvão bom de urze? Eu não sei explicar e sei qual é o que (…) é bom e qual é que é o ruim!

INF1 Então, como é que isso é feito?

INF2 Não sei, vê lá! Em me ele indo ali à forja, (…) já eu digo logo o que é…

INF1 Ora… Eu sou uma criança com quarenta e dois anos e havia de eu não saber isso! Uma cova no chão, cepas de urze, toca aí, limpa-se aquelas urzes, vá as cepas para o moitão e vá fogo.

INF2 E não… E não vai mais nada?

INF1 Vai, (homem).

INF2 Não tem que levar uma machadada em cada cepa, não leva (…) uma peta?

INF1 Isso é as que fazem (a) falta; as que não fazem (a) falta, não vai.

INF2 Para quê? Para cozer! Para cozer e para arder.

INF1 Havia… Havia um alferce… Levava um alferce com um olho do feitio de machada.

INF2 A peta.

INF1 Está a perceber?

INF2 A peta.

INF1 Depois é (corrido). Espere aí, patrão!

INF2 Ora, vê lá bem! Ora, vê lá!

INF1 Espere aí, que eu sei o que estou dizendo.

INF2 Ah, tu sabes e os outros não sabem?!

INF1 Espere aí. Faz-se aquela cova, depois vá, ali bem aquilo bem ajeitadinho…

INF2 Não toques é aqui!

INF1 Aquilo (…) vão ardendo e depois ainda vão batendo nelas, vão batendo nas cepas. Estão ardendo e vão batendo nelas.

INF 2 E depois é espalhado que é para…

INF1 Vão batendo, vão batendo, vão batendo.

INF 2 Que é para quando estar…

INF1 Depois quando estar muito em brasa, depois aquilo é… Há uma vara… Fazem uma (vara) até da urze… Uma vara!? Chamam-lhe uma vara que é quase de varejar, como se (fosse de) varejar alfarrobas ou azeitonas ou uma coisa qualquer, ou amêndoas, isso não conta, ou figos, uma coisa qualquer. Depois, essa vara, quando aquilo estar aí (mais ou menos) bem batido, joga-se para ali umas pás de terra e depois vai-se desmanchando pouco a pouco. Quer dizer, depois também (…) às camadinhas de terra. Quando ser apagado com terra, é uma categoria de carvão; quando ser água, ali já não presta.

INQ Pois.

INF1 É mais fraco. (…) E temos problemas, está a perceber?

INQ Sim senhor. Olhe e o?… Essa?…O?… Esse?…

INF1 Que nisso, trabalhei eu.

INQ Essa carvoeira que se arma, tem?… Deixa-se algum buraco, não?

INF2 Deixa…

INF1 Sim.

INF2 Deixou um maço, deixa um ouvido, deixa uma boca para dar fogo e deixa (…) conforme o que está debaixo da terra.

INF1 Dois ou três ouvidos se fazerem falta, (…) conforme a madeira que está lá debaixo da terra.

INQ Olhe, então digam, só um de cada vez, a boca onde é que é que se deixa?

INF2 A um lado.

INQ E os ouvidos?

INF2 Deixo também dos lados.

INQ Mas é diferente?… A boca é diferente dos ouvidos, então?

INF2 Pois é.

INQ Como é que?…

INF2 A boca faz uma espécie de quadrado.

INQ Pois.

INF2 E os ouvidos é um buraquito redondo que eles deixam (…) para resfolgar.

INQ Sim senhor.

INF2 (Para ele) …  (…) Senão não ardia; não cozia o carvão.

INQ Então e quando?… Quando o carvão está feito, quando os senhores sabem que o carvão já está feito, como é que?…

INF2 Quando é… Tapam aquilo tudo e depois batem e já sabem se está ou não está cozido. Os homens, quando é…

INF1 Batem.

INF2 Batem e já sabem se está ou não está cozido.

INQ Sim senhor. E, portanto, quando já está cozido tem que se?…

INF2 Depois é esborralhado.

INF1 Mas batem, ou quê?

INF2 Hã? Então não batem? (…)

INF1 Ele acabou de arder, deixou de fumar, meu grande amigo.

INF2 Pois isso tem que o tapar (…).

INF1 Onde é que se dê – é o que a senhora está a falar (ainda) – onde é que se dê a boca, depois deixou-lhe um ouvido. Conforme a maneira de ele ser… A carvoeiro pequeno também convém dois ou três ouvidos ao lado.

INF2 Pois.

INF1 Na cabeça (…) da carvoeira, está a perceber? Chama-se uma carvoeira. Na cabeça da carvoeira. Deixou-lhe aqui, quer dizer, com licença… Eu assim, e aqui em cima, com licença, aqui leva, quer dizer, uma feitio de laja – até pode ser duas, três, quatro, cinco pedras, está a perceber? É o ouvido. Chama-se um ouvido. O resfolgadouro, vá, da carvoeira! Aqui leva outro e aqui leva outro e aqui vê-se fogo. Nós, vamos buscar uma mão-cheia de palha (…) ou de rama…

INF2 Ou 'palharó'.

INF1 Qualquer coisa que não se põe dentro. Depois, há umas bancas que se levanta com o alferce, do feitio deste papel e tapa-se, para não afogar a carvoeira. (…) Se ela é afogada, pois ela é afogada, não ardeu.

INQ Pois.

INF1 É que nem não pode arder, pois ela afogou-se com a terra. Mesmo a terra fina vai, mata o fogo, está a perceber? E não dá nada. Morre logo, está a ver? E então, nessa altura, como a gente faz… Trabalhou, tapou-a, aqui são os resfolgadouros, quer dizer, que é…

INF2 Pois é os ouvidos.

INF1 Onde é que está o vento, aquela coisa… A gente marca onde é que está o vento, aquela coisa e, depois, aquilo vai andando. Depois, a lenha vai arder apagada, apagada, apagada, sempre apagada, e depois… Quer dizer, isto é um isqueiro, (mas isto é faz de conta) um madeiro, foi indo apagado e fez um carvão. Se o patrão que a enfornou ser bom, perceber bem do que está a fazer, pois ficou o madeiro tal e qual a um carvão.

INQ Pois.

INF1 E ali arranja muito carvão. No caso que não seja assim, pois, aquilo fez-se um moitão de cinza. Não tem problema!

INF3 (Pois é assim).

INF1 Não tem problema nenhum, (pronto)!

INF2 (Pois é). Se não saber… Mas enfim. Enfornar que ele arda tudo!

INF1 Deixa estar o resfolgadouro – chamam-lhe o resfolgadouro. É como nós, quando está a dormir ou (como está) com falta de respiração, é a mesma coisa. Tem que ter uma respiração para…

INQ Sim senhor.

INF2 Para ser queimado, bem entendido. Para respirar! Eu não sei ler, homem, (mas espere aí que eu)… Falta-me o estudo. Eu tenho lá uma filha e um filho que gostava que eles andassem para a frente, que soubessem mais que a minha raça toda – (que é diferente). Isso sempre eu desejo.

 

© Instituto Camões, 2002