Localização das Amostras - Gravações do Grupo de Variação do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa  -  Registos Sonoros


Dialectos portugueses insulares: madeirenses

Camacha (Porto Santo)  1

INF = Informante

INQ = Inquiridor

 

INF Sim, também se dizia: "Está ela…; está ela lá…; olha, lá está ela focinhando". Enterravam-se… (O) meu pai chegou a ter… Porque – já se sabe – naquele tempo, a gente, era um poder de filhos e não havia comer, não haveria. Mesmo o dinheiro era pouco! E não havia tanta experiência como agora! Isto agora… Não havia electricidade naquele tempo, não havia ferro eléctrico, não havia nada. Nem casas-de-banho havia!

INQ1 Pois, pois.

INQ2 Pois.

INF Para quem era mais pobre, não havia casas-de-banho. Eu cá, lembra-me muito bem, que eu já vou fazer sessenta (…) e três anos, lembra-me muito bem de as coisas que havia, pobrezas…

INQ1 Pois.

INF Chegava-se ao Natal… Toda a gente estava desejando de chegar ao Natal, que era para comer massa e arroz e um bocadinho de carne. E minha mãe chegava a partir uma laranja para dois, porque não havia, não havia dinheiro que comprasse. Havia laranjas mas não havia dinheiro que comprasse.

INQ1 Pois.

INF (O) meu pai era lavrador. Se chovesse, que (o) meu pai tivesse trigo e cevada para o ano inteiro, a gente tinha a nossa fartura de pão. Mas se não havia para o ano inteiro, era deste milho! Ia-se buscar este milho, havia moinhos de vento, aqui – que agora só há um, mas o dono até morreu – e moía-se e a minha mãe fazia milho, como agora se faz deste, destas arepas, da farinha da Venezuela.

INQ1 Ah, pois, pois.

INF Mas a gente cá fazia era da nossa casa, milho. Se havia leite, comia-se com leite; se havia peixe, comia-se com peixe; e se não havia peixe, minha mãe fazia café, dava uma chávena de café a cada um e a gente comia com o milho e dava um jantar. Sim senhora.

INQ1 Pois, pois.

INF E eu bordava, quando eu era mais pequena, bordava, bordava… Eu enchia os lenços à roda e minha mãe então fazia o cantinho, que era para ir todo para casa. Trabalhei tantos anos para casa. Acertei o casamento (…) – também ia fazer dezasseis anos – com este maluco que andou sempre atrás de mim, que isto é mais velho dez anos que eu! Acertei… Acertei o casamento, já se sabe que… Acertei o casamento, tinha uma colcha e um guardanapo – até era um paninho de tabuleiro. Mas fizemos aquela capela – que é de Nossa Senhora da Graça – foi com romagens e com ofertas e tudo e dava-se aqueles paninhos, aquele croché e tudo, que era tudo para vender, para a ajuda da capela. Ora, veio uma senhora dali de cima tirar uma ofertazinha, para cada uma dar o que quisesse. Eu nem sequer ainda tinha mala, direitamente, porque – já se sabe – primeiro a gente comprava a nossa malinha; agora é que há tudo isto, há as arcas e estes…, e estas cómodas e tudo…

INQ1 Mas antigamente era com…

INF Era uma malinha que minha mãe tinha, meia velhinha, e disse: "Olha, (…) a mãe vai-te dar aquela malinha para tu pores as tuas coisinhas". Ora, (…) tinha a colcha e o guardanapo, veio uma senhora e disse: "Olhe, venho aqui (…) ver se nos quer dar alguma coisa para a capela, porque vai-se fazer a romagem, vai-se levar areia e tudo". E eu vou àquela mala e dei o guardanapo. Ora, uma rapariga que já andava para casar, que tinha uma colcha!

INQ1 Pois é!

INF Mas dei o guardanapo a Nossa Senhora, graças a Deus! E a minha vida foi crescendo e ao depois eu casei-me; fiquei logo grávida, porque eu estava menstruada; fiquei logo grávida. A cabo de, se pode dizer, antes dum ano, tive um menino mas estive muito mal, o menino morreu. Depois mais, ao cabo de mais dois anos, veio mais uma menina, e daí veio, veio, veio, tenho sete, graças a Deus. Tenho um filho na Holanda, trabalhando num hospital, tenho uma rapariga casada, tenho este filho daqui, e tenho três em casa.

 

© Instituto Camões, 2002