Localização das Amostras - Gravações do Grupo de Variação do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa  -  Registos Sonoros


Dialectos portugueses insulares: madeirenses

Camacha  (Porto Santo)   2

INF = Informante

INQ = Inquiridor

 

INF1 Chega-se ao Natal, oito dias antes do Natal, quinze dias antes do Natal…

INQ É o dia de quê?

INF1 É o dia da morte do porco.

INQ Sim senhor.

INF1 Amassa-se o nosso pão. Quem tem pão, farinha de casa, amassa-se o nosso pão, põe-se o nosso pão, dum dia para outro, preparado. (…) Quem tem vinho, tira dois, três garrafões de vinho, põe ali…

INQ E o que é que se faz?

INF1 E o que é que se faz? Às vezes…

INQ Há um homem que vem para…

INF1 Vem matar o porco, já se sabe…

INQ Como é que se chama esse…?

INF2 Matador.

INF1 É o matador. É o matador. Faz-se… Olhe, faz-se o nosso comer, ou o nosso almoço: quando o porco é morto de manhã, faz-se almoço de, às vezes, de peixe, que é por causa de na parte da tarde ser o sarapatel, da fressura do porco; e quando é na parte da tarde, é: espera-se que eles abram o porco e tire a fressura – como a gente lhe chama –, já temos o sangue a escaldar, para esfarelar, para deitar naquele guisado, e ao depois está o guisado pronto, põe-se tudo na mesa, com semilha, com cenoura, com a…

INQ Sim senhor. Então mas pronto.

INF2 Está o comer pronto já.

INQ Mas o matador? (…) O que é que se tem que fazer ao porco antes?… Quando está?… Quando chega o matador? Tem que se agarrar o porco e pô-lo aonde?

INF1 Abre-se o curral, eles pegam com uma cordinha, aí uns quatro ou cinco homens deitam o porco no chão e… E lá vai, lá ele vai. O matador mata.

INF2 E pronto e mata-se.

INF3 (Mas até é engraçado).

INQ E então não?… Quem é que agarra?… Onde é que?… Como é que se agarra o sangue?

INF1 Agarram nas pernas, agarram no rabo e…

INQ Não, o sangue?

INF1 O sangue? É qualquer uma rapariga que não tenha…, ou rapaz, que não tenha medo!

INF2 Rapariga ou rapaz!

INQ Sim senhor. E leva o quê?

INF3 Uma vasilhinha qualquer.

INF2 Uma banheira.

INF1 Leva uma banheirinha. E chega a dentro de casa, a gente faz-lhe uma cruz, naquele sangue, aquilo faz um…

INQ Portanto, é uma banheira sem nada dentro?

INF1 Uma banheira sem nada dentro.

INQ Nem sal, nem nada?

INF1 Nada. Aí chega-se a dentro de casa, faz-se uma cruz naquele sangue, aquele sangue parte, fica em quatro quartos; e ao depois descansa um pedacinho, deita-se…, aquece-se a água na panela e deita-se a água dentro da panela, deita-se aquilo dentro da panela, aquilo coze; ao depois esfarela-se, noutra vasilhinha, fora, noutra banheirinha.

INQ Sim. sim.

INF1 E ao depois quando a fressura também vem do porco, é deitada dentro da panela para escaldar; depois é tirada, dá-se-lhe um banho em água fria para arrefecer, para a gente cortar tudo aos bocadinhos e cozer, com cenoura, com semilha ou com tomate ou…

INQ Isso… E isso é que é o sarapatel?

INF1 Isso é que é o sarapatel. É um jantar.

 

© Instituto Camões, 2002