Localização
das Amostras - Gravações do Grupo de Variação do Centro de Linguística
da Universidade de Lisboa - Registos Sonoros
Dialectos
portugueses insulares:
Fontinhas
(Terceira) 1
INF
= Informante
INQ
= Inquiridor
INQ
Olhe, e costumam dizer que o cancro é algum bicho, ou não?
INF1 É um bicho, é.
INQ
E é um bicho mais ou menos como?
INF1 Não sei. É bicho.
INF2 É um bicho-charvão.
INF1 Mas já há gente que diz que é como um bicho-charvão.
INF2 Um bicho-charvão.
INQ
Com pernas, é?
INF1 Com pernas, sim senhora. E boca e olhos e tudo.
INF2 Até em criaturas…
INF1 Eu tinha um tio meu, que morreu canceroso; era um bicho que tinha em si, espedaçou os fígados todos. Ele
gomitava era água de ferrugem. E depois de estar a morrer disse: "E depois de estar na mesa, que ele fique só com a
madeirinha e a pele" – os ossos e a pele. E depois de estar na mesa, defunto, vestido, o bicho mexeu com ele duas
vezes! Foi para morrer.
INF2 (…) a morrer.
INQ
Pois, pois.
INF1 Morreu, acabou-se. Ele não…
INF2 Era (…).
INQ
Pois.
INF1 Não mexeu mais consigo. E ele já estava vestido na mesa, morto já. Mas o bicho ainda não tinha morrido.
Disse o senhor doutor, que o bicho que deu a ele veio para riba e para baixo nele, mexeu com ele e, para morrer,
estrebuchou para morrer. Morreu, ficou morto, a criatura não mexeu mais consigo. Mas até ali, (…) mexeu duas
vezes
consigo. Aquele bicho é que mexeu com ele, que ele estava morto. Havia muito!
INF2 Há muitas coisas dessas (noutros lados). (…)
INF1 (…) Muita coisa destas. Eu vi uma rapariga, que estava ali na Serra, estava muito mal, muito mal. E tomou
não sei o que foi que o doutor deu. Mas aquilo era bichozinho pequenino. Ela gomitou e ele veio para fora, foi a
salvação dela! Digo à senhora que era tal e qual um bicho-charvão. Era deste tamanho.
INF2 Ele há bichos-charvões uns mais grandes e outros mais miúdos.
INF1 Olha, ela meteu-o num frasco, que o senhor doutor qui-lo. Era pequenino. Era um bicho-charvão tal e qual,
verdoso; mas ela também ficou boa – ficou melhor, nunca mais sentiu dores. (Diga).
INQ
Qual foi o senhor doutor que guardou isso?
INF1 Eu parece-me que foi o senhor doutor Braga. Está… Ele está em Lisboa, se ainda é vivo.
INQ
Ah, esse…
INF2 Ele ainda é vivo!
INQ
Pois.
INF1 Se ainda é vivo!
INQ
Pois, pois.
INF1 Eu não sei se ele é vivo se não é.
INQ
Mas se for vivo está em Lisboa, é?
INF1 Está em Lisboa, que ele mesmo era de Lisboa – era um senhor que era de Lisboa. Veio para cá, esteve muitos
anos aqui na Praia – anos!
INQ
A dar clínica, para ter?…
INF1 A doutor, senhor doutor, que era um doutor então que era só para consolar! E casou com uma rapariga da
cidade. E tinha dois filhos e ao depois os filhos foram para os estudos, já depois de grandes. Ele já estava a modo de
reformado,
ou não sei o quê, foi-se embora para Lisboa.
© Instituto Camões, 2002