Localização das Amostras - Gravações do Grupo de Variação do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa  -  Registos Sonoros


Dialectos portugueses insulares: açorianos

Fajãzinha (Flores)  6

INF = Informante

INQ = Inquiridor

 

INF1 Oh Senhora, nesta freguesia, as mulheres trabalham mais do que os homens.

INF2 Oh, oh, oh, oh!

INF1 Aqui na Fajãzinha, as mulheres eram umas escravas. A Senhora quer saber? Eu morava ali na Cuada. Ora a gente éramos pobres. O meu pai morreu – Deus o tenha no céu – a gente éramos pequeninos. A gente tinham falta de dar dias. Dar dias. Vinha-se ajudar porque a gente chegava (…) a meio do ano (…) já não se tinha nada para comer – já não se tinha milho. E vinha-se dar dias – vinha-se ajudar a juntar batatas – a essa gente, aqui à Fajãzinha.

INF3 Oh, (coitadinhos)!

INF1 E 'dia-se' buscar camas de musgo ao mato. 'Dia-se' apanhar musgo no mato – está percebendo? –, para se vender. Uma cama de musgo era um alqueire de milho!

INF3 (Oh, sim).

INF1 Ainda fazia muito bem!

INF3 Ainda!

INF1 Mas uma cama de musgo, era preciso quatro sacas (…) destas grandes cheias de musgo bem acalcadas – para uma cama!

INF3 Oh (…) sim senhor. Sim, sim, sim.

INF1 (…) E havia essas mulheres… Aqui trabalhavam muito noutros anos.

INF3 Muito!

INF1 Oh grandeza, elas acartavam sargaço de lá debaixo do calhau, coitadinhas, que era para trazer para o estrume para as terras – está percebendo? –, para botarem nessas terras mais aí em baixo do Moldinho. Que o sargaço é estrume bom para batatas!

INF3 É mui bom!

INF1 E havia… Eu dizia: "Oh, pobres das mulheres da Fajãzinha, são umas escravas, coitadinhas! O que elas trabalham"! Elas 'diam' ao junco para o mato. Elas 'diam' ao leite para o mato – tinham o gado no mato –, era preciso 'dir' de manhã cedo ao leite. A gente…

INF3 Quatro horas, no Verão!

INF1 Às quatro horas, no Verão, que elas 'diam' ao leite! E eu dizia assim: "Jesus, (…) eu nunca queria ser da Fajãzinha"! Mesmo não gostava! Olhe, a gente não pode dizer…

INQ Foi onde veio parar!

INF1 É verdade! A gente não pode dizer nada neste mundo. (…) E aqui é que estou há quarenta anos!

INF2 E muitas vezes estavam apanhando os 'xemenos' ou o musgo nas terras (…) – nas relvas –, chegava o lavrador e corria com elas.

 

© Instituto Camões, 2002