Português fora da Europa - Registos Sonoros (Gravações do Grupo de Linguística de Corpus do Centro de
      Linguística da Universidade de Lisboa)
            
            Bacelar do Nascimento, Maria
      Fernanda (org.),  Português Falado: Documentos Autênticos (Gravações
      audio com transcrição alinhada). Lisboa: Centro de Linguística da
      Universidade de Lisboa & Instituto Camões. 2001 [CD-ROM]
            
            
            
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        hum, hum. 
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        ah, mais, eram mais os homens do que as mulheres. no entanto, ah,
        passado alguns anos, sobretudo após a independência, ah, muitas
        escolas foram abertas, já em sessenta e oito houve um... surto de sa[...],
        de escolas, que foram abertas, e assim, proporcionava às pessoas, não
        é, estudarem 
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        mesmo as raparigas? 
->
        tendo em conta que as escolas eram mais perto. sim. fica perto de casa e
        como... nós aqui temos um problema: as raparigas trabalham mais do que
        os homens, sobretudo na lida da casa... 
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        como sempre, em todo o lado. 
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        sim, com certeza. e daí que, ah, as mulheres, as raparigas, não, nã[...],
        agora começaram a estudar. e, e daí que nós verificamos mesmo nas
        escolas de formação de professores, eh, um número maior de...
        raparigas na escola de formação de, de, do Instituto Pedagógico. 
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        hum, hum. hum. 
->
        e... também o, os pais, nas zonas piscatórias, as mulheres, mesmo os
        rapazes também não iam, as raparigas não iam muito, para, para a
        escola, porque diziam que, enfim, ah, "somos pescadores, sem
        escola, com escola". 
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        pois. 
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        que seria nor[...], portanto era normal, que não valia a pena. 
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        e nem apostavam em aprender mais. 
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        foi, sim, sim, não apostavam em aprender e nós tivemos todo um
        trabalho nesse sentido, de sensibilização, para ver se realmente os
        pais, ah, mandassem os filho às escolas. 
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        pois. 
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        e, e isso, verificamos que, numa dada altura, que houve um aumento
        grande, mesmo a nível de, de, de, de raparigas, já os pais, e mesmo
        as, as raparigas já mais crescidas começam a interessar-se mais e
        pedem aos pais para deixarem ir à escola. e isso se, está-se a
        verificar cada vez com um maior número. 
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        eh, em Portugal aconteceu uma coisa engraçada, quando... de facto as
        raparigas começaram a ir mais à escola, em zonas em que... também só
        os rapazes é que iam, zonas mais... 
->
        hum, hum. 
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        fora das grandes cidades, não é, que era... que as raparigas como
        tinham estado sempre, ah, afastadas disso, quando tinham a oportunidade
        de, de estudar, eram muito melhores alunas que eles, porque queriam
        mostrar a força nalg[...], de algum modo, uma vez que não têm... 
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        exacto. isso também acontece em Cabo Verde, porque, apesar de, de aqui,
        ah, as raparigas têm muito mais que fazer, como sabe, vão apanhar água,
        sobretudo se for numa zona rural, têm que apanhar lenha, ah, ajudam os
        pais com os... bebés, os irmãos mais pequeninos, às vezes há m[...],
        pais que saem de manhã e só regressam à tarde, são as meninas é que
        tomam conta dessas, de[...], dessas crianças, dos irmãos mais
        pequeninos. e, mesmo assim, com toda essas tarefas, às vezes os alunos,
        as alunas, ou... as raparigas, têm muito mais, ah, notas, ou estudam
        muito mais, esforçam-se muito mais. 
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        pois. 
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        porque têm um adicional, que é, que é toda a tarefa caseira, não é,
        e que nos rapazes isso não se verifica em Cabo Verde. 
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        os rapazes não, não fazem mais nada? ah...
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        eu acho que não, a não ser no interior
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        pois, que ajudam... 
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        no interior, na zona rural, têm já, vão dar de beber às cabras, vão
        atirar palha para os animais, fazem mais uma coisinha. mas aqui, no
        Plateau, ou mesmo nos arredores da Cidade da Praia, os rapazes vão à
        escola, regressam e começam a passear... 
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        hum, boa vida! 
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        para cima e para baixo. é verdade. 
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        ah, nós reparámos há bocado num, já on[...], há bocado e ontem também,
        ah, vimos isso, eh, havia um grupo grande ali naquela praça, na
        esplanada... 
->
        hum, hum. hum, hum.
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        em que eram vários rapazes e só uma rapariga. e a, a ra[...], e não
        era o mesmo grupo hoje e ontem... 
->
        hum, hum. 
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        eram dois grupos diferentes s[...], também... 
->
        hum, hum. 
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        ambos só com uma rapariga, e eles falavam, conversavam todos uns com os
        outros e a rapariga ficava muito caladinha... 
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        hum. 
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        isso é costume? 
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        sim, sim é, e realmente, quer dizer, sobretudo, aqui agora verifica-se
        um pouco, mas no interior e noutras zonas, ah, periféricas da cidade, nós
        constatamos que as raparigas não saem, se sairem vão, saem com as
        amigas e regressam logo de saída, de, logo, ah, depois, porque os pais
        até dizem "tantas horas, vem para casa", e os rapazes estão
        sempre na rua, têm mais à vontade e assim. aparece uma rapariga, que
        por qualquer, ah, problema, ou qualquer coisa, ah, eh, vem para o grupo,
        logo, ficam, quer dizer, com uma certa inibição, tendo em conta que não
        estão habituadas a, a participarem em grupos grandes. mas isso def[...],
        eh, verifica-se, ou é def[...], diferencia de ilha para ilha. 
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        sim. 
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        por exemplo, em S. Vicente, nós, isso já não, não acontece, dessa
        maneira. 
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        as raparigas são mais abertas. 
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        as raparigas são mais abertas, estão sempre no grupo, dormem mais
        tarde, vão à boîte... 
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        hum, hum. 
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        vão às festas. aqui já a Ilha de Santiago - não sei se é por sermos
        um, uma ilha de tradição camponesa, ou o que é - as raparigas são
        mais con[...], estão mais conservadas. 
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        até é, eh, estranho, porque é a capital, não é, 
->
        exacto, exacto, exa[...]... 
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        devia... 
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        mas isso já vem, é uma história que vem de longe em termos de S.
        Vicente e Santiago. 
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        hum, hum. 
->
        mesmo a Praia, como capital, mas as raparigas, agora, ultimamente... estão
        saindo um bocadinho, mas mesmo assim com horas marcadas para virem para
        casa. 
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        e não há nenhum movimento de...
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        de raparigas? 
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        sim, de, de, de, um movimento feminista ou uma coisa assim, que, que
        prepara as raparigas para lutar, eh...
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        o problema que se põe é que se, existem algumas, algumas, eh, algum,
        alguns movimentos, ah, feministas, p[...] - eu digo de mulheres, não é,
-
        sim. 
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        porque, eh, mas não incentivam essa prática, tendo em conta que...
        podem ser mal vistos. 
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        hum. 
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        porque, ah, se di[...], dizem "ah! é uma organização da mulher,
        em vez de ensinar a fazer, sei lá, uma renda ou um bordado, vai man[...],
        eh, vai ensinar para saírem na rua ou participarem em outras
        actividades", não sei até que ponto ainda a sociedade está
        preparada para isso. 
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        pois. 
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        de qualquer forma penso que hoje há o, há grande progresso neste
        momento e... há moças que saem e... algumas vão e voltam mais tarde
        mas isso foi ultimamente. 
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        e em termos de, de planeamento familiar, há muito trabalho feito para
        preparar...
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        sim, há algum trabalho e... têm a[...], têm feito, portanto, na, no,
        temos um projecto do PIMPF, que... faz esse trabalho, e... existem
        grupos de pessoas que, a nível de, do Instituto de Menores, de, ah,
        sobretudo a promoção social, tem vindo desencadeando uma, um mo[...],
        um, todo uma campanha de sensibilização, mesmo a nível de comunicação
        social, no sentido de ver, fazer com que, ah, as raparigas tomem consciência,
        e os rapazes também, dessa questão que aqui em Cabo Verde tem sido um,
        já quase um flagelo, que é o problema da gravidez, gravidez precoce. e
        temos ainda a nível do Ministério da Educação, inclusive, temos
        alguns projectos, como é o caso da... vida familiar, e que têm entrado
        com algumas, algumas informações também, não só na vertente escolar
        como também não-escolar, precisamente para... ajudar essas jovens, mas
        isso, se verifica sobretudo na cama[...], nas camadas mais pobres e com
        menos possibilidade.
- sim.
    © Instituto Camões,
            2002