Português fora da Europa - Registos Sonoros
(Gravações do Grupo de Linguística de Corpus do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa)
Bacelar do Nascimento, Maria Fernanda (org.), Português Falado: Documentos Autênticos (Gravações audio com transcrição alinhada). Lisboa: Centro de Linguística da Universidade de Lisboa & Instituto Camões. 2001 [CD-ROM]



- nessa altura que entrou para a função pública, era fácil o acesso, ou era mais difícil do que agora?

-> difícil!

- difícil?

-> mais difícil. concorri para escriturária-dactilógrafa. quando entrei po[...], por baixo.

- hum, hum.

-> eh, eram muitos candidatos, vinte e tal, e eram só três vagas.

- ui!

-> hoje em dia não, não é, aparece três vagas, aparecem v[...], cinco concorrentes, seis concorrentes para [...], para a área administrativa, digo.

- porque será essa diferença?

-> não sei. não sei. será porque a, dantes os chineses não, não se interessavam tanto pelo português, não estudavam português, estudavam

- hum, hum.

-> estudavam chinês. agora, os chineses já, há dez anos para trás, põe os filhos a estudar português, porque é gratuito, tem as cantinas, eh, pois é, é tudo mais barato.

- hum, hum.

-> e depois, com uma intenção de conseguir, de que os filhos consigam um emprego do governo.

- hum, hum. eh, acha que a função pública é um trabalho interessante para uma mulher?

-> é.

- concretamente, o seu trabalho aqui, o que é?

-> neste momento, estou, estou a chefiar a divisão administrativa e financeira.

- hum! portanto, quer, digamos

-> quer dizer, a área de gestão de pessoal e gestão da, do dis[...], dos dinheiros.

- hum, hum. o que é que acha mais fácil fazer, gestão do pessoal ou gestão dos dinheiros?

-> é, é mais ou menos a mesma coisa.

- a mesma coisa.

-> a mesma coisa. é diferente. mas, as contas nós temos os números de zero a nove

- hum, hum.

-> mas do pessoal temos as regras dos, que o Estado impõe.

- hum, hum.

-> para a gestão do pessoal, quer dizer, trabalhar para o Estado é regulamentado, nós seguimos regras, regulamentos. quer dizer, há sempre uma ou outra... dúvida, mas depois resolve-se as dúvidas. antes de trabalhar para o Estado trabalhava para a empresa... privada. as ordens eram ditadas na altura.

- hum, hum.

-> quer dizer, ora é assim, ora é assado. são os patrões que mandam, não está nada escrito nem regulamentado.

- pois, digamos que é menos objectivo, não é,

-> é menos objectivo.

- e na sua opinião, gosta mais de trabalhar obedecendo a regras fixas, que conhece de antemão, ou, eh, no tipo da empresa privada, cujas regras são ditadas naquele momento?

-> eh, nas empresas privadas, quer dizer, ma[...], obrigam uma pessoa a... trabalhar mais

- hum, hum.

-> mas não a trabalhar melhor.

- hum, hum

-> eu, para mim a função pública, uma pessoa pode... mostrar e tender a seguir os regulamentos e as regras e mostrar melhor trabalho.

- hum, hum.

-> apresentar um melhor trabalho. ao passo que nas empresas, o patrão hoje diz que é assim, amanhã diz "ah, eu já não quero isto assim porque isto e tal" e vá fazer de outra forma.

- hum, hum. bom, trabalha com a gestão de pessoal, e ainda há poucos dias alguém tinha uma conversa comigo que era que preferia empregar homens a empregar mulheres

-> é-me indiferente.

- é indiferente.

-> é-me indiferente.

- porque, dizia ele que "ah, porque as mulheres têm... crianças, porque faltam muito"

-> aqui, aqui no, nos desportos, não tem acontecido isto.

- hum.

-> pelo contrário.

- os homens faltam mais.

-> porque são jovens.

- pois.

-> passam uma noitada, no dia seguinte chegam tarde, depois pedem ao chefe para salvar a falta.

- e geralmente, nesses casos, o que é que faz?

-> eh, depende! depende. se for dez minutos

- hum.

-> não há problemas. se for muito tenho que chamar a atenção e da próxima vez já não pode.

- hum, hum.

-> não volta a acontecer a mesma coisa.

- olhe, e então tem aqui muitas senhoras a trabalhar consigo.

-> eu tenho, espere, sete senhoras.

- sete senhoras. todas naturais de Macau?

-> não. são naturais de Macau, mas não são todas portuguesas

- hum, hum. são...

-> são chinesas.

- são chinesas.

-> tenho três que são chinesas

- hum, hum.

-> de etnia chinesa.

- hum, hum. e, eh, acha que há diferença na maneira de trabalhar, entre uma natural de Macau e uma rapariga de etnia chinesa?

-> eh, eu penso que não. não tenho notado muito. mas, todos trabalham.

- hum, hum.

-> trabalham, dentro das suas funções.

- hum, hum. bom, agora queria-lhe fazer uma pergunta que também, eh, que discuti aqui há dias com um amigo chinês, com um amigo macaense. eh, ele achava que as raparigas, eh, de Macau que andam sempre mais bem arranjadas do que a, do que as portuguesas. mais bem arranjadas, quer dizer, mais cuidadas no seu aspecto. o que é que acha a esse respeito?

-> também há macaenses que andam, andam de qualquer forma, não é,

- claro.

-> mas, quer dizer, nota-se mais, talvez p[...], as pessoas, eh, de Macau estão, portanto estão mais ligado à, à, aos costumes chineses, por assim dizer

- hum, hum.

-> aos costumes da terra e gostam de estar apresentáveis.

- hum, hum.

-> ao passo que as pessoas euro[...], eu[...], da Europa, as, os, os portugueses da Europa estão habituados a outro nível, vêm cá têm um, uma outra maneira de vestir, não quer que se dizer que vestem pior. é outra maneira de vestir [...]

- ah sim.

-> que talvez para os portugueses são os que são os mais arranjados.

- não, pessoalmente, não acho isso, não é,

-> não. não costumo...

- mas...

-> notar muito.

- sim. acho que as pessoas de cá andam de facto mais cuidadas, unhas mais tratadas, vão mais ao cabeleireiro talvez.

-> até ent[...], até então, até agora talvez.

- sim.

-> agora, com as empregadas a saírem da, das casas, com o trabalho doméstico

- hum, hum.

-> depois do serviço, já não têm tanto tempo para isso. eu penso que sim.

- mas, porque é que refere isso das empregadas saírem das casas?

-> pois. até então empregavam as tais que não, indocumentadas

- ah!

-> e, quer dizer, pagavam m[...], pagavam um vencimento de oitocentas a mil. agora que elas pedem duas mil ou... não conseguem pagar, porque a maioria da população, digo, macaense, eh, são da classe média.

- pois.

 

 


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